O mundo celebra os 100 anos de Paulo Freire (1921 – 1997). Nascido no Recife, PE, considerado o patrono da educação brasileira por meio da Lei nº 12.612, Paulo Freire é também uma referência internacional no campo das humanidades, com pelo menos 41 títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por universidades.
Educador, filósofo, responsável por um consagrado método de alfabetização de adultos. Formou-se em Direito na década de 1940. Nos anos de 1960, tornou-se professor na antiga Universidade do Recife, onde foi diretor do Departamento de Extensões Culturais. Iniciou ali a experiência de alfabetização de adultos, embrião do chamado Método Paulo Freire, quando o governo João Goulart o convidou para elaborar o Plano Nacional de Alfabetização.
Trazemos Paulo Freire numa entrevista com a professora Janaína de Souza Silva, da rede Municipal de Ensino de Limeira, SP. Atualmente exerce a função de Formação continuada de professores na Secretaria Municipal de Educação de Limeira. É orientadora Pedagógica da Univesp nos cursos de licenciatura de Matemática, Letras e Pedagogia. Doutoranda em Educacao pela Unicamp-FE.
JPR: De que forma lhe apresentaram Paulo Freire?
Janaína Silva: Fui apresentada a Paulo Reglus Neves Freire, melhor dizendo, ao educador Paulo Freire, ao ingressar no curso de Pedagogia no Isca Faculdades. Há vinte anos, a professora Mestre Elisabete Gabbi, responsável pela disciplina de Alfabetização de Jovens e Adultos, nos apresentou Paulo Freire ao indicar para leitura uma de suas obras, talvez esta, seja sua obra mais conhecida “Pedagogia do Oprimido”.
Como estudante de pedagogia, ler a obra “ Pedagogia do Oprimido” me ajudou a entender melhor as ideias revolucionárias de Freire para o processo educativo. Compreender as razões de suas denúncias apresentadas acerca do que chamava de “educação bancária”, processo educativo que silenciava o educando extraindo todo o direito dele exercer a criticidade. Neste modelo de educação, de acordo com Freire, o professor era o único “detentor” do saber. Assim, empoderado de conhecimento, o professor depositava no estudante o saber que julgava necessário, satisfatório, aceitável e suficiente. O estudante ficava no aguardo, de modo passivo, para ser “iluminado” pelo ato educativo.
JPR: De que forma você apresenta Paulo Freire?
Janaína Silva: A leitura que faço do educador Paulo Freire é que sua existência suplanta a ideia de um educador ousado, tampouco de um político perspicaz. Paulo Freire era educador à frente de seu tempo, e por isso, deixou para nós educadores, um legado de processo de humanização, jamais, em minha modesta opinião, apresentado até os dias de hoje, por nenhum outro educador brasileiro.
Vida e obra de Freire se fundiram de modo que na dialética dessa relação foi possível que ao educador relatar suas amarguras vividas durante sua infância, às mazelas e condições de vulnerabilidades vivenciadas pelas classes populares, o duro cotidiano dos trabalhadores, a dura realidade do chão da escola.
Foi na prática, que Freire experienciou o que era ser silenciado, desvalido, excluído um sujeito negado pelos seus. Nas palavras da jornalista Eliane Brum, na obra “A vida que ninguém vê” – “Porque em todo o lugar, por mais cinzento, trágico e desesperançado que seja, há sempre alguém ainda mais cinzento, trágico e desesperançado. Há sempre alguém para ser chutado, por expressar a imagem síntese, renegada e assustadora de um grupo”.
Movido pelo compromisso com a educação das classes populares, Paulo Freire desenvolveu uma proposta de “Pedagogia da escuta”, escuta dos silenciados, dos desfavorecidos, dos deixados para trás, dos excluídos.
O sentimento de amor pela educação e esperança no processo de humanização apresentado por Freire é fruto de sua história de vida, em que fora alfabetizado pela mãe à sombra de uma mangueira no interior de Recife. Somente aos 17 anos, após muito persistir, sua mãe conseguiu uma vaga para que Freire ingressasse num colégio importante da cidade como bolsista, em troca de que ele, nas horas vagas, desenvolvesse serviços gerais e de inspeção de alunos.
O que Paulo Freire nos apresenta é um exemplo de humanização, um processo que dá origem a uma proposta de educação que valoriza o saber do outro, dá vida a sua cultura, incentiva as relações conscientes de luta de classes, luta pelo processo de conscientização e humanização de todos. O que vejo em Paulo Freire é disposição para apresentar uma proposta pedagógica que rompe com paradigmas tradicionais, enaltece a função da escola e dá voz aos desvalidos.
Em síntese, – “Me movo como educador porque primeiro me movo como gente” – Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia.
JPR: Paulo Freire permanece vivo. Em quais situações da educação você topa com ele?
Janaína Silva: Ao observamos educadores que, apesar, das más condições de trabalho para o desenvolvimento da docência, o processo de desvalorização do magistério, o desmonte da escola pública, o sucateamento da qualidade do ensino, ainda assim, nos deparamos com docentes que movidos pelo amor, pelo sentimento de esperança, pelo compromisso com a educação como ato político, não se deixa abater. Em Terra Sonâmbula do escritor Mia Couto, o personagem “Thuair” questiona: “O que faz andar a estrada? É o sonho! Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro”.
Essa é a ideia que tenho do educador de hoje, um verdadeiro sonhador, ele traz muito de Paulo Freire.
JPR: Em Paulo Freire, a principal missão do educador(a) é desvelar possibilidades para a esperança. Pouco se pode fazer enquanto desesperançados ou desesperados; a luta, assim, é suicida, um corpo-a-corpo puramente vingativo. A ação político-ética eficaz, deve ser contra a negociação do sonho, e sim da esperança. Em quais momentos de dificuldades o educador relê (ou deveria) Paulo Freire?
Janaína Silva: Nas condições vividas da contemporaneidade aconselho que o educador releia Paulo Freire todos os dias. Já dizia Paulo Freire, somente a consciência crítica, pensada, refletida é capaz de superar a consciência ingênua.
JPR: Paulo Freire emerge um pensador, educador, na década de 1960, diante de uma realidade brasileira infeliz de altos índices de mortalidade infantil, de desnutrição infantil, de miséria e da censura militar. A precariedade e limitações de investimentos em educação durante a Ditadura Militar desenhou um país de analfabetos. Em 2021, passados avanços, investimentos, retrocessos; desenhamos um novo modelo de educação?
Janaína Silva: Vejo uma “nova roupagem” para um modelo de educação superado há décadas. Vejo propostas infundadas para o resgate de práticas pedagógicas que não valorizam o desenvolvimento crítico e emancipador do sujeito. Vejo investimento em práticas de negação ou obstrução de informação. Contudo, vejo resistência, vejo amor pelo que o educador faz e esperança em dias melhores.
JPR: O que qualquer prática educativa não pode deixar de ensinar, é perguntar. Perguntar é um dom da infância que nem sempre mantemos vivo. A atual pedagogia brasileira é uma pedagogia da resposta, que pode castrar a curiosidade que está na base de toda aprendizagem, pois, sabemos que não sabemos. O que significa perguntar em Paulo Freire?
Janaína Silva: Paulo Freire instigava o pensamento crítico, o desenvolvimento da consciência critica, do saber elaborado. Para ele o perguntar é indagar-se o tempo todo, é buscar resposta para sua existência e para a manifestação dos fenômenos que estão objetivados na cultura. Perguntar é buscar resposta, sobretudo, é dar voz ao que pergunta para que sua curiosidade não tenha medo de indagar.
JPR: Os índices governamentais indicam de 10 a 14 milhões de analfabetos brasileiros com idade a partir de 15 anos. Mas, não publicam índices referentes aos analfabetos funcionais que não decifram um bilhete. Segundo o Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), pesquisado pela Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro, 3 em cada 4 brasileiros não são completamente letrados. Depois de quase 60 anos do chamado “Método Paulo Freire”. Que leitura você faz desses índices assustadores?
Janaína Silva: Os problemas relacionados à alfabetização ainda são muitos. Reconhecemos que há décadas enfrentamos problemas similares os quais notamos que crianças, jovens e adultos quando passam por situações de avaliação, apresentam desempenho inferiores às nossas expectativas. Contudo, isso não pode ser utilizado como justificativa para recuar, ou seja, para retomar aquilo que nas últimas décadas foi comprovado por meio de estudos e pesquisas como condições, métodos ou práticas ineficazes e obsoletas. Diante do questionamento feito, algumas exigências se apresentam como necessárias, tais como, investimento em formação inicial de professores, bem como, investimento em formação continuada, valorização do profissional da educação, investimentos em recursos didáticos, e forte investimento no desenvolvimento de estudos e pesquisas acerca da temática.
JPR: Paulo Freire não deixaria de ser atual no século XXI, quando a educação sofreu a grave ruptura causada pela pandemia da Covid-19, pois, ele propõe a reinvenção do ser e fazer escola – a educação como exercício de humildade. Como Paulo Freire pode ajudar na reinvenção do ser e fazer escola?
Janaína Silva: A reinvenção do ser e fazer escola talvez comece pela tomada de consciência do processo de humanização. Estamos vivendo tempos difíceis, momentos de isolamento social e tudo o que temos vivo em nós é o que nos mantém em pé – a nossa fé que dias melhores virão. Como diz a canção conhecida de Gonzaguinha: “Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs. Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar. Fé na vida, fé no homem e fé no que virá…”
JPR: A pedagogia antes de tudo, deve ser uma prática social política que implica numa concepção de mundo. Nunca foi tão necessário acreditar na educação emancipatória. Você concorda? Se sim, por que?
Janaína Silva: Somente a educação emancipatória voltada para a libertação do sujeito desenvolve a criticidade e o pensar crítico. Como sujeitos gregários, temos a necessidade de estabelecermos uns com os outros a condição de exercer a relação. Condição que nos torna sujeitos que se constitui em processos de inter(relação), processos de trocas, de aprendizagem, de conhecimento, de liberdade, de emancipação, processos de humanização.
Humanizar-se é educar! É se apropriar dos comportamentos mais evoluídos da condição humana. Gosto muito de uma frase apresentada pelo filósofo Mikail Bakhtin – “Não há álibi para a existência”. Isso exposto, faço um questionamento ao educador: De que lado você está? Seu propósito aqui está a serviço do processo de humanização? O que você está fazendo para colocar em prática essa ideia?
Caso as respostas estejam em consonância com as ideias de Paulo Freire, de que “a educação não transforma o mundo, a educação transforma as pessoas. Pessoas transformam o mundo”, na condição de educadores devemos fazer valer nossa existência de modo a contribuir ao máximo com o processo de humanização de nossos estudantes.
Considero. Paulo. Freire um gênio da educação brasileira.sou grade admiradora de seus ensinamentos suas ideias , o. Professor não deve deixar de lado a. Riqueza de conhecimento que ele nos deixou .é sempre bom reler suas práticas. Educacionais. Um grande mestre.a