Jornal Pires Rural – Edição 203 | CAMPINAS, Maio de 2017 | Ano XII
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- Aline Passos, Faculdade Estácio – FASE- Sergipe, participou da mesa redonda “Das políticas de aprisionamento às práticas libertárias”, na Unicamp, fez uma exposição sobre os desdobramentos da sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Sergipe, que trata da gestão empresarial de entidades prisionais mais conhecido no debate como privatização dos presídios.
Ainda no segundo turno das eleições de 2014, muitos dos seus amigos se esforçavam para justificar os votos por meio de duas questões penais – isso lhe chamava muito a atenção. A primeira era o fato de serem contra a redução da maioridade penal e se deparavam com um candidato que era claramente a favor e uma candidata que o partido divulgava um projeto para o aumento de internação para jovens infratores. A segunda questão era serem contra o que chamavam de privatização de presídios – enquanto falavam de privatização de presídios remetiam diretamente ao complexo penitenciário de Ribeirão das Neves em Minas Gerais . “A minha perplexidade era ver que naquele momento e em virtude do debate eleitoral o assunto privatização de presídios pudesse ser discutido como se isso fosse algo pra acontecer a curto prazo. Como é que isso aparece agora como com intenções de voto como se fosse uma questão partidária? Eu me deparo com uma perspectiva moral em relação ao debate conhecido como privatização de presídios – a gestão privada não humaniza, apenas se dirige ao lucro e ainda que eu pudesse me restringir a concepção de lucro como sendo algo econômico eu continuo a lembrar as experiências negativas com os presídios sergipanos que certamente não é uma experiência única daquele Estado, onde cada família quando o preso ingressa na unidade prisional recebe uma lista dos itens que deve comprar ( alimento, medicamentos, itens de higiene). A última lista que tive acesso havia o pedido de 01 rodo. O que significa que a manutenção do espaço está sendo feito com dinheiro das famílias dos presos . Então quando se anuncia que o preso custa R$ 2.500,00 por mês para o Estado e as famílias estão bancando esses itens, o lucro da empresa contratada é muito maior. Apesar desse quadro que estou tentando desenhar, os meus amigos que habitam esse campo seguem colocando lucro e humanização como se fossem termos antagônicos e é disso que vim falar hoje”, afirmou Aline.
A privatização das unidades prisionais amplia o sistema carcerário. O trabalho de pesquisa de Aline se volta para essas argumentações porque a condescendência não fortalece ( não tem a capacidade) de produzir resistências tratando de um processo que se dá em uma sociedade de controle justificado pela gestão dos meios.
“Por que é que eu não chamo diretamente de privatização de presídios? A princípio me parece muito estranho pensar o consórcio Estado/Mercado, sobretudo, estou tentando entender as coisas como elas são efetivamente nomeadas e no discurso do setor, fui buscar alguns trabalhos sobre o assunto. Em 2006, o Fórum Administração Pública e Governança realizado em São Paulo, o professor Sandro Cabral da Universidade Federal da Bahia, em co-autoria com o professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Paulo Azevedo, apresentaram um trabalho intitulado sobre “A terceirização de presídios na Bahia: público/privado”. Esse trabalho trouxe uma análise comparativa entre dois presídios baianos – o Conjunto Penal de Teixeira de Freitas e o Conjunto Penal de Valença, o primeiro administrado pelo Estado e o segundo empresa privada. Segundo os autores desse artigo, eficiência e gestão depende “de um complexo sistema de incentivos para lidar com as insuficiências legais”. O que significa conjunto de incentivos é que o contrato assinado entre operador e governo prevê a custódia de 268 internos mediante o recebimento de valor fixo independentemente do número de internos presentes na unidade , deste modo, as margens de lucro do operador privado aumenta à medida que o número de internos sob sua responsabilidade diminui”, afirmou Aline.
Esse modelo de gestão de presídios faz com que os ganhos do operador prisional sejam muito sensíveis a eficiência de ações legais relacionados a pedidos de liberdade condicional e relaxamento de prisão. Desse modo, há um forte incentivo ao operador para otimizar os meios disponíveis que tornem os processos dos presidiários mais céleres. “Apesar deste artigo datar de 2006, meus amigos seguem em 2017 afirmando que a privatização reduz a superlotação dos presídios porque os contratos são firmados por “cabeça”, ou seja, com o valor que varia de acordo com a quantidade de presos em cada unidade”, afirmou Aline.
Os formuladores dessa política estão há mais de dez anos dizendo que para eles é mais interessante que não seja assim e eles têm avançado nesse sentido. “A sensação que me dá, é que às vezes, a gente trava um combate de uma maneira defasada em relação ao que já está sendo colocado pelo setor privado. Veja, a superlotação é um dos alvos mais atacados pela falta de humanização nos últimos anos. Os humanizadores (direitos humanos) estão o tempo todo falando que tem que acabar com a superlotação e o que é que o setor privado está dizendo a respeito disso? Estão dizendo que estão interessados em unidades prisionais menores porque na verdade quanto maiores as prisões mais elevados são os programas de gestão e os custos médios correlatos. Eles não estão interessados em unidades como o Central de Porto Alegre, por exemplo, porque sabem que aquilo é um “barril de pólvora” que não se pode controlar. Já o setor privado está dizendo que, demonstrando como no caso de Valença, na Bahia, que reduzir a ocupação aumenta os lucros como proposta para resolver o problema da superlotação. O setor privado está dizendo que sua presença agiliza o fluxo penal em direção a outras formas de controle que não a privação de liberdade como a liberdade condicional”, afirmou Aline.
A partir de reivindicações do campo humanista (direitos humanos), o setor privado se qualifica pra ganhar mais e mais contratos, o que implica na melhor das hipóteses, na manutenção dos índices de encarceramento ao mesmo tempo que prescinde da superlotação. “Isso qualifica ganhar mais contratos construindo mais e mais prisões – isso tem que ser pensado quando se fala dos índices de encarceramento no Brasil porque todos pensam que o índice de encarceramento está ligado à superlotação. Eu estou dizendo que não necessariamente porque se temos mais e mais gestões privadas e mais e mais contratos, temos mais e mais presídios. Qualifica-se o setor privado e daí surgem outras empresas de comércio e tecnologia e em seguida o sujeito pode sair de uma unidade prisional gerenciada por uma empresa privada de tornozeleira eletrônica e passa a ser monitorado pela mesma empresa privada que que tinha os mesmos acionistas porque se trabalha com capital aberto. E tudo isso se dá em harmonia com as principais entidades de direitos humanos sob a execução penal quando a gente tá falando do problema da prisão e que ela está superlotada. O problema da prisão é que se trata de aprisionamento e não deveria estar superlotado e as imagens que temos de violência em nada se diferenciam se é gestão do Estado ou gestão privada. As contradições entre lucro e direitos humanos estão em vias de serem superadas se é que já não foram porque toda essa crise exposta vem abrindo espaço para o gerenciamento de novos negócios ligados a expansão de aprisionamento e novas formas de controle”, concluiu Aline.