Jornal Pires Rural – Edição 228 | LIMEIRA, Maio de 2019 | Ano XIII
Uirá Machado, é desde 2017 editor de Ilustríssima, da Folha de S.Paulo, caderno aberto à discussão dos grandes temas da cultura no Brasil e no mundo. Organizou a comissão que elaborou o Manual de Redação da Folha. Uirá esteve presente ao evento: “Jornalismo, as novas configurações do quarto poder”, realizado na unidade do Sesc na Vila Mariana em São Paulo, participando da discussão sobre jornalismo e as redes sociais, com a temática: “Os limites e as fronteiras entre o cidadão e o profissional”, tentando responder quais são as regras de posicionamento político em redes sociais para profissionais contratados em empresas jornalísticas.
Uirá iniciou sua explanação relatando como foi implantação do Manual de Redação da Folha durante os anos, começando em 1984, sendo o primeiro veículo a dar abertura ao grande público aos critério considerados pelo jornal ao publicar seu Manual. Segundo Uirá, “o primeiro Manual de Redação da Folha é considerado draconiano, tinha regras muito rigorosas mas, obviamente, não se falava em redes sociais naquela época. O manual foi atualizado em 1987, depois em 1992, também em 2001 e, agora em 2018. Ou seja, a última versão durou 17 anos, no ambiente de maior transformação do jornalismo, provavelmente de toda história. Uma dessas transformações tem haver com internet, especificamente as redes sociais”, citou.
Segundo abordado, o advento das redes sociais borrou as fronteiras entre o que é pessoal e o que é profissional e, todos os jornais tiveram que levar isso em consideração na hora de disciplinar o trabalho de suas redações. Seria uma opção não disciplinar, deixar tudo livre mas, no caso da Folha, “essa opção não existia, pela tradição dos Manuais e pelo zelo que a empresa tem pelo material que publica, é essa a ideia de existir o Manual de Redação”, citou o jornalista.
Na nova edição do Manual, o caso específico das redes sociais, integra o capítulo de ética jornalística, “não estou falando das técnicas ou práticas jornalísticas que o profissional precisa usar, estou falando de seu comportamento, não só de sua profissão mas também, no caso das redes sociais, fora da redação. Ao meu ver o principio credibilidade é o maior patrimônio do jornalismo. Ele precisa ser reforçado e praticado diariamente por todo jornalista, exemplo disso está nas fake news e na dificuldade do público diferenciar se certas postagens são profissionais ou pessoais. Além da credibilidade ser o maior patrimônio do jornalista e de um veículo de imprensa, é preciso lembrar que hoje existem hordas à esquerda e à direita, dispostas, pelos mais variados motivos a desacreditar o trabalho jornalístico. Às vezes isso acontece por fins políticos, às vezes são bullying nas redes sociais e, no contexto de desordem informacional, desacreditar a imprensa tem uma função política muito específica a favor ou contra um determinado governo. Precisamos olhar para as consequências desse cenário, e entender que o jornalista, mais do que nunca, precisa na essência e na aparência manter uma atuação integra”, destacou Uirá.
Segundo Uirá, as regras da Folha foram se flexibilizando ao longo dos anos 90 e 2000, pensando em fazer um Manual menos rigoroso, “que procurasse persuadir o profissional a seguir determinadas normas de comportamento. Em termo jurídicos são diretrizes, orientações ou princípios. Cada um deles ajudam o profissional a tomar decisões razoáveis diante dos mais diferentes dilemas éticos que aparece na profissão e no caso das redes sociais, a cada mídia que surge, esses dilemas são renovados. Na elaboração da nova revisão do Manual de Redação da Folha, no capítulo de conduta de nossos profissionais, frisamos que todas as balizas éticas ‘off-line’ se aplicam ‘on-line’, não tem nenhuma diferença entre emitir opiniões como jornalista da Folha em um seminário e as opiniões que eu venha emitir nas redes sociais sendo um jornalista da Folha”.
Entre os casos de proibição ao jornalista, estão por exemplo, não divulgar bastidores da redação ou documentos internos pelas redes sociais, não divulgar informações que a Folha decidiu não publicar, por achar que possa colocar em risco pessoas ou empresas, respeitar regras da polícia em sequestros em andamento, não divulgar boatos, nem emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a reputação e a isenção da Folha e destratar quem quer que seja nas redes sociais, para não confundir que a ofensa venha da empresa.
Quanto a questão de militância política, Uirá afirma que a Folha tem uma regra bastante restritiva pois, em sua carta de princípios tem o pluralismo, apartidarismo e independência, sendo um jornal que não se filia a nenhuma corrente política e, espera que seus profissionais também não manifestem a filiação política em público, porque isso poderia, naturalmente, comprometer a isenção do jornalista ou mesmo a aparência desse comprometimento. “Os jornalistas da Folha precisam pensar e repensar inúmeras vezes antes de postar algo de cunho político partidário nas redes sociais. Não quer dizer que não podem fazer isso, mas quer dizer que precisa estar ciente das consequências da atitude”, salientou.
Então, sua resposta curta, para a pergunta ‘quais os limites e as fronteiras entre o cidadão e o profissional?’ é; “essas fronteiras não existem mais. Foram borradas até o ponto que não conseguimos diferenciar onde termina a atuação pessoal e onde começa atuação profissional”, afirmou.
No entanto Uirá enfatiza que o jornal encoraja seus profissionais a manter contas nas redes sociais, além de sugerir aos jornalistas seguir personalidades políticas dos mais diversos campos ideológicos. “As redes sociais são muito úteis para apurar e divulgar o trabalho jornalístico. São úteis para medir a reação do público às publicações e ao que está acontecendo na sociedade mas, é estabelecido que as redes sociais no horário de trabalho, elas são instrumentos e não passa tempo”, disse.
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“As mensagens nunca param de chegar, invadem a noite, a madrugada, a manhã, elas veem do chefe e do público e o jornalista não pode deixar de levar isso em consideração. O jornalista não deve superestimar as repercussões nas plataformas digitais, porque elas funcionam como bolhas de um reflexo mais geral, entretanto, não deve-se ignorar seu impacto na redação, por isso insistimos, o tempo inteiro, no cuidado com as postagens”, avalia.
O jornalista destaca que inúmeras outras profissões sofrem restrições da mesma natureza, como por exemplo, juizes e diplomatas. No caso do jornalista, ele não pode perder de vista seu maior patrimônio: a credibilidade. “Sua atuação depende como o público vê o conteúdo que o jornalista publica. É bom lembrar que uma manifestação impudente pode prejudicar o jornalista, além dos colegas da redação. Pode acontecer de um determinado profissional ter uma atitude inconveniente nas redes sociais e isso gerar uma avalanche de críticas, fazendo de alguma maneira que os colegas tenham problemas na cobertura jornalística em que estão trabalhando”, citou.
Uirá insiste em dizer que uma manifestação ‘off-line’ ou ‘on-line’ imprudente pode romper, pode dilapidar a credibilidade e a diferença entre as situações ‘off-line’ ou ‘on-line’ é o alcance que a manifestação pode ter, “mesmo que eu não tenha muito seguidores, pode ocorrer algo ‘viral’, aí todo mundo passa a conhecer a minha manifestação imprudente”, realçou.
Encerrando ele deixa a dica; “quem já está na profissão ou queira entrar no jornalismo precisa conhecer as regras da profissão. Não quer dizer que todas as empresas terão regras como da Folha ou como do New York Times, que são mais rígidas do que da Folha ou como da Bloomberg, Reuters, Financial Times, Economist. A meu ver a pessoa que não está disposta a se esforçar para preservar a sua própria credibilidade não deve ser um jornalista”, finalizou.