Jornal Pires Rural – Edição 237 | LIMEIRA, Maio de 2020 | Ano XV
Capitão Costa Pereira, comandante da 5ª Cia da Polícia Militar, responsável por mantém um patrulhamento preventivo no bairro dos Pires e região, foi entrevistado, para tratarmos de forma didática, dois assuntos sobre segurança que estão interligados na área rural: a posse de arma de fogo e o Programa Vizinhança Solidária (PVS), implantado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
A Lei 13.870/19 autoriza o produtor rural que tenha arma de fogo a andar armado em toda a extensão de sua propriedade rural. O que isso significa na prática? A euforia por ter a posse de arma pode ser desastrosa para o produtor rural se ele não tiver a real noção da responsabilidade e consequências que tomou para si? Segundo o Capitão Costa Pereira, a Lei deve ser muito bem entendida porque não é tão fácil de se entender os direitos e os deveres de quem possui uma arma em casa. “A minha visão pessoal – afinal por trás de mim existe uma instituição – o que eu posso dizer é que não adianta o cara querer comprar uma arma e não ter coragem de puxar o gatilho. Tem que ter uma arma e ter coragem de atirar. Não adianta ter uma arma para ficar guardada em casa, que o ladrão vai entrar, vai limpar a sua casa e vai levar mais uma arma pra ele. Essa é uma questão importante que é preciso debater. Às vezes a arma acaba virando contra (o produtor rural) porque não sabe o momento de sacar e o limite até onde ele pode ficar com essa arma em casa. É uma questão emblemática, não é tão simples assim”, frisou.
Jornal Pires Rural: Quem tem o porte de arma no Brasil?
Capitão Costa Pereira: “Hoje, quem tem porte de arma no Brasil são autoridades policiais, judiciária, guardas municipais, agentes de escolta penitenciária; esses tem o porte de arma pleno – durante o horário de serviço e durante a folga. Para ter o porte tem que ter duas coisas: uma arma de fogo no seu nome e na sua propriedade regularizado. Depois é necessário requerer esse porte através de mecanismos da Polícia Federal e Exército. O que existe muito hoje e, que está um pouco flexibilizado é a questão do atirador esportivo. O atirador esportivo, que tem uma arma de fogo, está autorizado a transportar essa arma no seu corpo, desde que ele esteja indo ou voltando do treinamento (clube oficial de tiro). Tem um decreto que regula isso. Para cidadãos comuns, hoje, é muito difícil justificar a necessidade do porte de arma”.
Jornal Pires Rural: Hoje a posse de armas está muito mais facilitada?
Capitão Costa Pereira: “Antes, para adquirir uma arma de fogo tinha que comprovar a necessidade. Hoje, existe o entendimento de comprovação da necessidade, é simplesmente morar na área rural. Com a justificativa dos serviços de atendimento policial estar longe, é complicado pra chegar. Assim funciona a posse”.
Jornal Pires Rural: O cidadão que tem a posse de arma pode andar exibindo a arma na sua comunidade?
Capitão Costa Pereira: “Toda arma de fogo tem que ser portada junto ao corpo e escondida. Um cidadão comum não pode andar com a arma na cintura, exibir visivelmente. O produtor rural que tem a posse não pode sair com a arma na estrada ou rua, ir comprar pão com a arma, ir até a cidade abastecer com a arma, nada disso”.
Jornal Pires Rural: Aquele que tem a posse de arma pode defender um cidadão comum com a sua posse de arma para além da propriedade dele? Por exemplo, o vizinho do produtor rural está sendo assaltado, ele pode com a sua arma ir até a propriedade do vizinho defendê-lo?
Capitão Costa Pereira: “Temos que entender uma coisa: diante de uma discussão tão ampla, a lei existe em primeiro lugar para preservar a vida e não para preservar o patrimônio. Por exemplo, um cara está roubando uma bicicleta e você matar uma pessoa porque está roubando uma bicicleta. Você deve colocar na balança a vida e a bicicleta. O que vale mais? A vida. Na verdade a arma existe para você se proteger – não é pra você proteger seu patrimônio. Se entrar um cara na propriedade para furtar um porco no sítio e o produtor rural matar o cara, (o produtor) vai preso por homicídio. Agora, se a pessoa está armada e investir contra você com uma faca ou catar um machado e vem pra cima, nesse caso é se defender – é diferente. A gente nunca pode colocar na balança a vida e o patrimônio. Então, se a sua vida está em perigo eminente, aí o produtor pode atirar e matar a pessoa. Mas se não é a sua vida, é só o seu patrimônio, que leve.
Porque a lei não vai defender quem matou para preservar o patrimônio. O que lhe protege quando você mata uma pessoa? É a legitima defesa, própria ou de outrem. Não pode colocar numa balança o patrimônio contra uma vida. Se o cara entrar desarmado pra roubar um trator no sítio e for morto pelo sitiante; o sitiante vai ter muito trabalho com a justiça”.
Jornal Pires Rural: Com a sanção da lei 13.870/19 ocorreu uma euforia por ter a posse de arma?
Capitão Costa Pereira: “Muita gente quer ter a arma de fogo e não sabe usar, muitas vezes enrola essa arma num paninho e larga lá em cima do armário e nunca tira de lá. A hora que precisar usar não tem habilidade para atirar ou pra portar a arma, dependendo da situação. A orientação é: você quer ter uma arma de fogo? Então, se prepare para ter uma arma de fogo. Porque atrás desse benefício tem muita responsabilidade. Eu conheço inúmeras pessoas que tem arma em casa, registrada mas, se perguntar por que ele tem uma arma ele responde: ‘rapaz, eu nem sei!’ Você pergunta se ele vai ter coragem de atirar contra alguém, se entrar na casa pra roubar e investir contra ele e, a resposta é de se pensar”.
Jornal Pires Rural: Qual é a sua orientação para esse perfil de pessoas que insistem em ter a posse de arma?
Capitão Costa Pereira: “A nossa orientação é de que pra ter uma arma de fogo, deve estar preparado, saber o momento de atirar, o momento de recuar, o momento de não atirar, o momento de sacar a arma, ter um treinamento mínimo. Se filiar a um clube de tiro pra poder fazer algum treinamento esporádico. A gente (Polícia Militar) faz treinamento todo ano. É a mesma coisa de se ter um míssel e não saber controlar, não serve pra nada. A outra orientação: é que a arma de fogo funciona assim; não adianta ter a posse e ficar falando pra todo mundo que você também tem arma. Hoje, está muito difícil os marginais adquirirem arma de fogo, muito difícil. Esse negócio de fuzil no Rio de Janeiro, que a gente vê fora do Estado de São Paulo, é um pouco fora da nossa realidade. Um marginal de Limeira não vai para o Paraguai buscar fuzil. Não vai. Isso não acontece. De onde vêm as armas de fogo que, hoje, estão nas mãos dos marginais nossos, aqui? Elas vem da casa de pessoas honestas, que são furtadas. Então, não adianta ter uma arminha e largar ali, e todos os seus vizinhos sabem, todos sabem porque o marginal vai até a sua casa pra buscar essa arma. Ele não quer furtar nada da sua casa. Ele quer furtar a arma de fogo. Aí ele desconfigura a arma, retirando a numeração e, faz uso pra roubos. São duas coisas: primeiro, estar disposto a usar a arma de fogo. Segundo: tem que ter o cuidado necessário, guardar em um lugar bem escondido, tomar muito cuidado com criança e com pessoas incapazes. Não adianta sentir-se seguro com uma arma na mão e não saber o momento correto de atirar”.
Vizinhança Solidária
Sobre o Programa Vizinhança Solidária ele responde, “nós fizemos adaptação para a área rural e hoje temos três grupos de WhatsApp na área rural: o Pires de Baixo e de Cima, Frades e Água Espraiada e alguns outros bairros mais próximos e, o Centro Rural do Pinhal, com todos os bairros mais distantes. Não temos tantos problemas de segurança nessa região. O grupo não está fechado e pedimos para que seja (adicionado) uma pessoa apenas da família para participar do grupo. São onze grupos, de Limeira, Iracemápolis e Cordeirópolis. São quase três mil pessoas que eu coordeno. O mais importante é o engajamento das pessoas. Estima-se vinte mil moradores na área rural, à margem esquerda da via Anhanguera”.
Jornal Pires Rural: A Polícia Militar tem uma avaliação de resultados do Programa Vizinhança Solidária?
Capitão Costa Pereira: “Avaliação de números a gente não tem. A vizinhança solidária, é um Programa instituído pela Polícia Militar há um bom tempo. A gente trouxe e adaptou para a região rural, porque não tinha na região de Piracicaba – entre cinqüenta e duas cidades, Limeira foi a primeira a ter o Programa de Vizinhança Solidária Rural. É um Programa que não é apenas de segurança, é um Programa de pertencimento, onde o morador tem que entender que ele faz parte da resolução dos problemas de segurança também. A Constituição Federal, quando cita que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e, é exercido através de tais e tais órgãos, a parte que fala de responsabilidade de todos, é aí que a gente entra com a vizinhança solidária, pra mostrar às pessoas que elas fazem parte da resolução deste tipo de problema. O que a gente alcança com tudo isso? Às vezes não alcança segurança mas, alcança sensação de segurança. Hoje, na área rural as pessoas que participam desse Programa, se sentem seguras porque, tem contato com o capitão, com a viatura, o vizinho está integrado, tem um grupo (de WhatsApp) que fala de segurança. Quando tem um problema em determinado local o outro vizinho saí e olha, ajuda então, essa questão. Esse resultado que a gente vê é a sensação de segurança, existe o momento da credibilidade por estar trabalhando mais próximo (das pessoas). E às vezes, o cara está sendo roubado porque não conseguimos estar em todos os lugares com a viatura mas, elas se sentem seguras porque tem um suporte por trás que está auxiliando”.
Jornal Pires Rural: Quais são as dificuldades dos moradores em praticar o Programa Vizinhança Solidária?
Capitão Costa Pereira: “Algumas resistências que a gente percebe é exatamente por paradigmas: ‘ah! Não vai adiantar. Não vai resolver’. Ele (cidadão) desacredita e acaba não participando. O grupo é voluntário e não paga nada, não recebe nada. Não tem a viatura disponível vinte e quatro horas. São os moradores que devem se organizar para que aquilo seja um bairro bom, porque segurança não é só patrulha de polícia, é muito mais. Segurança é lombada no lugar que precisa, iluminação no lugar que está deficiente, uma poda de árvore para que a luz do poste consiga iluminar. Os grupos de WhatsApp do programa vizinhança solidária onde as pessoas tem contato direto com a PM e os próprios vizinhos. Os condôminos tem os seus próprios grupos de WhatsApp”.
Jornal Pires Rural: Qual é a orientação pra fazer a comunicação, no caso de um assalto dentro do condomínio. O assalto deve ser comunicado também no grupo de WhatsApp do condomínio?
Capitão Costa Pereira: “Quanto mais pessoas souberem que aquilo está acontecendo, melhor. Tem alguns bairros com vizinhança solidária que foi proposto copiar um bairro do Estado de Minas Gerais onde, as pessoas usam o apito como um alarde de assalto. A gente tem que entender o sentido da palavra sociedade. Ela vem de uma reunião de pessoas que são sociáveis, que se conversam, se relacionam, são amigos, um colabora com o outro. O Programa faz isso”.
Jornal Pires Rural: No caso de ocorrência de um assalto o morador deve avisar também no grupo de WhatsApp da Vizinhança Solidária e também no grupo de WhatsApp dos vizinhos?
Capitão Costa Pereira: “Tem que avisar. Quanto mais pessoas souberem do que está acontecendo melhor. Porque imagine: o porteiro sabendo ele vai trancar o portão do condomínio. Às vezes a viatura da PM chega e alguém já vai indicar onde é a casa – que muitas vezes não é bem endereçada. Se todos souberem melhor. Mas, uma coisa a pessoa não deve deixar de fazer que é ligar para 190. Porque, esses grupos não são de atendimento de emergência. Atendimentos emergenciais devem ser atendidos pelo 190. E o boletim de ocorrência é importante para constar na estatística da Polícia Militar. A nossa orientação em caso de assalto é que a pessoa nunca se exponha. Que nunca saia armado porque, disparo de arma de fogo dependendo de onde ele seja, é crime. Existe um negócio chamado ‘disparo de arma de fogo em área pública’. Então, se a pessoa está numa área de condomínio, que é uma área comum, que outras pessoas transitam, se fazer um disparo ali, pode ser entendido como um crime. O ‘disparo de advertência’ não existe mais. O tiro de advertência não é amparado na lei. Apenas se for um caso de legítima defesa da vida. Mas, atirar porque está ouvindo um barulho que nem sabe o que é, não pode. A questão do limite, a gente orienta para que ninguém reaja. Que ninguém tome atitude isolado. Se está tendo um problema na casa do vizinho, ligue para outro vizinho, liga pro colega que mora no caminho, pra fechar o portão. Aja sempre com ações coordenadas. Jamais ir até o local suspeito. A gente orienta para que isso não seja feito. Quem é pago e recebe e tem equipamento pra isso são os órgãos policiais. O policial é treinado pra dar tiro, ele usa o colete, ele tem um rádio pra pedir reforço pra outra viatura – é diferente, o nosso trabalho é para isso. É melhor que o vizinho não fique se metendo não. É perigoso, já teve problema com pessoas que foi ajudar o vizinho e acabou tendo um prejuízo maior do que o do vizinho. Nunca reaja. Deixa isso para que os órgão policiais façam.