Entrevistamos o Capitão Costa Pereira, responsável pela 5ª Cia da Polícia Militar em Limeira, membro do Conselho Comunitário de Segurança — Conseg Central, comandante da Ronda Rural da PM, grupos de vizinhança solidária, abordando questões sobre a rurbanização do bairro dos Pires, isto é, a invasão do espaço rural pelas indústrias, por comércios, e pelo crescente número de edificações tipicamente urbanas, onde a área rural se torna um espaço de transição entre o meio urbano e o rural, onde as formas do habitat urbano se misturam com as tipicamente rurais. Na entrevista com o capitão da PM perguntamos qual a sua visão sobre esse fenômeno que está acelerado em Limeira, e como isso influencia e sobrecarrega o trabalho da polícia militar.
É muito possível que hoje, o Estado através da polícia militar, tenha a fotografia concreta da realidade rural sob a perspectiva da ordem social, econômica e de segurança, pela proximidade junto à população.
A polícia militar acompanha em tempo real as transformações da área rural causadas pela tragédia da especulação imobiliária. “A área rural de Limeira está com todas as características de área urbana, só falta ter banco na área rural”, lamenta Capitão Costa Pereira e ainda afirmou, “a área rural de Limeira está carente de uma representatividade política, ninguém defende efetivamente a área rural”. Leia a entrevista completa, feita através do WhatsApp.
Jornal Pires Rural: Temos acompanhado o esforço do Estado através da polícia militar, em Limeira, ao trazer para a população da área rural o sentimento de segurança com a presença ostensiva, envolvimento com as comunidades através da criação de grupos de WhatsApp e as frequentes reuniões do Conselho Comunitário de Segurança – Conseg Central, inclusive com a presença do Poder Executivo e Legislativo. As comunidades conseguem perceber até onde vai o papel da polícia militar como protetor da vida e da propriedade e, onde começa a ausência do poder público local?
Capitão Costa Pereira: Essa resposta é um pouco ampla mas, é importante que se fale disso. A área rural de Limeira, sofreu e sofre por mais de 20, 25 anos, uma questão chamada parcelamento irregular de solo, isso é um crime. E dá cadeia, inclusive. Essa omissão tem feito com que a área rural, o lugar onde morariam sitiantes, hoje está morando muita gente da cidade. A área rural de Limeira está com todas as características de área urbana. Pode andar em outras áreas rurais (de outros municípios) e ver se encontra oficina, funilaria, loja de material de construção; só falta ter banco na área rural em Limeira. Esse parcelamento leva muito a população para a área que (oficialmente) não é urbanizada e leva junto pessoas que não são de boa índole, aumentando a criminalidade, todas as demandas para serviços públicos que não estavam programadas para aumentar, acaba tendo problemas que são característicos de área urbana. E os órgãos públicos não estão preparados para isso.
A polícia militar, por exemplo, tem uma viatura de Ronda Rural para atender uma população muito grande e a gente não sai dos Pires. É só nos Pires que dá problema. Por que dá problema? Em virtude da quantidade de moradores, circulação de carros.
Sobre onde termina o papel da polícia e inicia a ausência dos serviços públicos, eu penso que as pessoas tem que aprender a cobrar. Cobrar dos órgãos públicos, certos. E cobrar de verdade. Quero que faça isso e pronto. Não, vai e pergunta se já foi feito. Nós temos o telefone 156 da prefeitura que é eficiente. Em reuniões do Conseg, uma pessoa foi pedir iluminação pública para a área rural. O secretário presente falou: “você mora numa área rural e acha que está morando numa área urbana. Você tem uma chácara na área rural, não na área urbana”. É importante que cite isso, que nenhum município está preparado para um êxodo das pessoas da área urbana para a área rural. Isso é um problema seríssimo para a prefeitura. Daqui a poucos anos vai ter que ter mais linhas de ônibus, posto de saúde e atendimento de saúde da família na área rural. São problemas sérios que os governos de 20, 25 anos pra cá, vem fazendo de conta que não estão vendo e uma hora isso vai estourar. Pra mim, na condição de policiamento já está estourado, porque era pra ter uma estimativa de população rural de 1.500 a 2 mil moradores e temos quase 20 mil moradores rurais na cidade Limeira. O problema sério de fornecimento de energia elétrica acontece porque a prefeitura não consegue fazer poda nas árvores de tantos fios que passam pra lá e pra cá.
Jornal Pires Rural: O policiamento comunitário aproxima muito mais a população da polícia militar. O Estado mais presente da realidade aumenta o sentimento de segurança. Mas a segurança não se restringe somente a presença da polícia militar. As comunidades que trazem as demandas para o Conseg conseguem hoje, nesse processo, tornarem-se um pouco mais pró-ativas em relação aos seus problemas? Ou elas se acomodam na autoridade do Estado para ganhar visibilidade frente a ausência do poder público local?
Capitão Costa Pereira: A área rural de Limeira está carente de uma representatividade política. Temos vereadores de todos os segmentos defendendo determinados setores da sociedade e ninguém é da área rural e defende efetivamente a área rural. Temos alguns aventureiros que ficam pescando serviços pra lá e pra cá, pra poder ter visibilidade mas, enfim, passou da hora dos bairros rurais Pires de baixo, de cima, Frades, Água Espraiada, Centro Rural do Pinhal — e toda essa população que é numerosa —, já passou da hora desses bairros se fecharem e escolher um representante político para ser o vereador. Um vereador que será o morador que vai viver os problemas da área rural. Eu sei que haverá candidatos a vereância que são residentes na área rural. Passou da hora de votar em alguém que entenda e perceba os anseios que a sociedade rural necessita.
O Conseg tem feito um trabalho maior que o de segurança pública, temos construído pontes por todos os lados, com a saúde, com o meio ambiente, com a segurança que é o motivo da existência do Conseg. Mas a gente sabe que existe esse vácuo do poder público (local) com a área rural, que também é fruto da falta de planejamento, deixando que aconteça os parcelamentos irregulares de solo. Outras cidades como Cordeirópolis e Iracemápolis, reservadas às devidas proporções, nesses municípios não temos problemas característicos de área urbana na área rural. Porque a população rural dessas outras cidades, elas moram e vivem da atividade agropecuária.
A prefeitura precisa arrecadar para investir. Que benefícios ela traz da área rural? Não sei. Que retorno financeiro a prefeitura tem da área rural? Quanto custa tampar buracos de estradas, refazer pontes, levar iluminação pública? Na área urbana existe a contrapartida do IPTU que é alto, um dos mais altos da região (Limeira). Na área rural não tem IPTU. Então, por que a prefeitura tem que levar tantos serviços públicos pra área rural? Passou da hora do bairro dos Pires de baixo virar área urbana, aí a prefeitura é obrigada a cuidar de calçadas, da via pública, de iluminação, de tráfego, de sinalização, de esgoto e água potável. Aí sim terá arrecadação e a contrapartida é a prestação do serviço público.
Jornal Pires Rural: O crescimento desenfreado de loteamentos irregulares na área rural é um dado que preocupa pela rapidez que a especulação imobiliária agiu e obteve resultados valiosos. O Sr. afirmou em outra oportunidade, para esse veículo, que o número estimado pelo Estado através da polícia militar é de que residem em média 20 mil pessoas na região rural, que abrange da via Anhanguera até o limite de divisa com demais municípios. O Estado tem hoje, com seu gerenciamento, uma verdadeira fotografia de ordem social, econômica e de segurança, da área rural do município. A formação de lideranças comunitárias fortes nessa área de abrangência é importante? Como o senhor vislumbra a continuidade desse crescimento desordenado sem infraestrutura? Estamos redesenhando uma área rural com bairros marginais (a margem) com loteamentos regularizados?
Capitão Costa Pereira: Os loteamentos clandestinos tem um segundo problema que é o enriquecimento ilícito de pessoas que se passam de bons vendedores, bons corretores de imóveis, vendem propriedades que são proibidas, parcelam propriedades que são legalmente impossíveis de se desdobrar e acabam enganando pessoas pela ganância. Um lote de mil metros quadrados vendido por R$50 mil, nossa! Que vantagem! Compra-se um lote que nunca vai ter uma escritura. Vai ter um contratinho lá, que não tem validade perante a justiça, é fruto de um objeto ilegal. Daí a pouco, começa a reclamar para a prefeitura; aqui está escuro, o lixeiro não está passando, tá faltando segurança, furtando chácaras. As pessoas são movidas pela ganância também. A prefeitura têm colocado placas de regularização em vários condomínios mas, eu vou ser bem sincero pra você, dentro do pouco que eu conheço a legislação federal, que trata do parcelamento de solo rural, é impossível regularizar uma chácara dessa, num condomínio de chácaras. Impossível regularizar dentro do que prevê a legislação federal. Eu tenho visto anúncios de vendas de terrenos de 300 m quadrados na área rural e, a prefeitura perdeu a mão porque já não consegue mais fiscalizar.
Jornal Pires Rural: As comunidades rurais tem características próprias e com a transfiguração que está sofrendo pela imposição da especulação imobiliária, suas comunidades estão sendo influenciadas pelas mudanças culturais, de mobilidade, na educação e segurança. Ou seja, o aumento desenfreado da população nos bairros rurais já interferiu na dinâmica da constituição rural, porque o número de novos moradores já sobrepõe a população nativa; prejudicando o que objetiva a vida comunitária. Com a cultura rural acuada diante da especulação imobiliária, como restabelecer um senso comunitário agora em bairros rurbanizados?
Capitão Costa Pereira: Pra você transformar uma área rural em urbana você tem que mexer na lei de zoneamento municipal, pra mexer tem que elaborá-la, colocar na câmara (municipal) pra votação. Se for aprovado, aí sim você transforma uma grande região em área urbana. Aí, os lotes podem ser de até 125 m quadrados, aí muda totalmente a figura. Mas, a gente tem visto totalmente o contrário aqui em Limeira, o crescimento das áreas suscetíveis de serem loteadas ilegalmente. Todas as semanas a gente tem atendido algum tipo de ocorrência de parcelamento irregular de solo junto com o pessoal da prefeitura. Outra questão importante, que eu tenho visto, é que existe um decreto do prefeito municipal nomeando todos os guardas municipais para atuarem como fiscais de loteamento irregular e eu não vejo isso, eu nunca vi a guarda municipal – pelo menos da edição desse decreto pra cá – e até hoje, eu não vi a Guarda Municipal (de Limeira), fiscalizando o parcelamento irregular do solo e conduzindo ninguém para a delegacia. Então, é aí, que eu chego a conclusão de que se monta uma estrutura para que não funcione. É complicado.
Jornal Pires Rural: O Conselho Comunitário de Segurança vêm executando a gestão dos problemas das comunidades rurais. Entendemos que o Conseg tem sido praticamente a única via de acesso das comunidades rurais ao poder público local para reivindicar por melhores condições de saúde, mobilidade, iluminação, manutenção de estradas e pontes, ou seja, assuntos que o Estado, através do Conseg acaba gerenciando, fazendo encaminhamentos. O Poder Executivo e o Legislativo não faz a aproximação com a população, mas aparece nas reuniões para fazer contato pelas vias do Estado. Executivo e Legislativo devem estreitar relações com a população assim como o Estado vem fazendo?
Capitão Costa Pereira: Tem quer ser feito uma ação de verdade pela Prefeitura Municipal de Limeira para que efetivamente implique em punição para aqueles que estão vendendo (chácaras). Tem pessoas que tem Creci (registro de corretores), por exemplo, como corretor de imóveis, sabem que é proibido o parcelamento de solo inferior a 20 mil metros, mesmo assim o cara está expondo a venda. A gente vê anunciado lotes de 350 m, 2 mil metros, 5 mil metros, por corretores de imóveis no Facebook todos os dias. Deve-se verificar inclusive o Creci, a entidade de classe para que esses corretores sofram uma punição administrativa ou que percam os seus certificados pelo mal uso que está notório. Se a prefeitura não fizer nada, daqui cinco anos tem que montar um Batalhão da Polícia Militar na área rural.