Jornal Pires Rural – Edição 214 | SÃO PAULO, ABRIL de 2018 | Ano XIII

O discurso farto de Renato Russo invadiu o MIS (Museu de Imagem e do Som) em São Paulo, através da exposição que retratou a vida do trovador solitário, com inúmeros objetos que estavam no apartamento, o qual viveu os últimos 6 anos de sua vida, que permanecia fechado, com todos os bens e memórias, desde sua morte em 11 de outubro de 1996. Foi possível entrar nesse apartamento e ter acesso a tudo que Renato guardava, porque seu filho, Giuliano Manfredini, fez uma proposta aos curadores do MIS pois, entendia que uma amostra, coordenada pelo museu, poderia dar a Renato Russo o tratamento que ele merecia.

Renato ao lado da amiga Leo Coimbra, a Mônica, que virou canção

 

Se você tem alguma familiaridade com a música da Legião Urbana, ou mesmo a carreira solo, verá todos os Renatos num só. Suas lembranças pode te recordar o amor cantado por ele ou a rebeldia do inconformismo que vivia ao se perguntar “que país é este?”. Ao entrar na exposição você encontra o mundo de Renato Manfredini Junior, pois em seu apartamento, ele guardava tudo, do boletim escolar a rascunhos de letras de suas músicas, que são verdadeiros hinos e se tornaram clássicos atravessando gerações; de roupas e sapatos do dia a dia à bata usada durante a turnê do disco “O descobrimento do Brasil”. Abrir o apartamento de Renato, em Ipanema, foi encontrar um tesouro para montar uma exposição, que estava praticamente pronta.

Estar nas salas da amostra é se deparar com uma infinidade de informações preciosas desse artista, um volumoso material, ainda quê, só foi disponibilizado e selecionado mil peças para a exposição, dentre os mais de três mil itens encontrados, depois de um longo trabalho da equipe do Centro de Memória e Informação do MIS (CEMIS). Tão surpreendente e vigoroso quanto um show da Legião Urbana, é estar nessa exposição. A trilha sonora, não poderia ser outra, enquanto se percorre o percurso proposto, o som que emana são as canções de Renato, a atmosfera é algo inebriante e instigante, você está dentro, literalmente, da mente brilhante e inquieta de Renato Russo.

É descobrir um Renato formado em jornalismo, no ano de 1982, pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB – hoje, UniCEUB – Centro Universitário de Brasília) e que seu primeiro emprego na área foi produzir resenhas para o Ministério da Agricultura publicar no “Jornal da Feira”, pela Coordenadoria de Orientação e Defesa do Consumidor (1979 a 1982) inclusive, é possível ler os rascunhos originais desses textos, que ficaram guardados em seu apartamento. Renato era um anotador compulsivo, seus 29 diários, desenhos, poemas, projetos imaginários, páginas soltas e até uma dissertação para o curso de jornalismo, datilografada em forma do mapa do Brasil, sobre o comportamento do brasileiro frente a cultura norte-americana que invadia o país com os filmes, as músicas e as roupas, “…no fundo penso que o mundo está caminhando para ser um só: não seremos brasileiros, ou americanos ou africanos – seremos terráqueos…”, ele escreve em certo momento do texto.

Fato que surpreende é ver seu “Curriculum Vitae”, sem precisar a data, onde ele cita que era um artista contratado, em 1984, pela gravadora EMI – Internacional – Rio de Janeiro, integrante do Grupo Legião Urbana, com certeza esse é o momento em que decide seguir somente a carreira musical e tudo mudaria em sua vida.

Em seus cadernos de colégio, ele escrevia sobre uma banda imaginária liderada por Eric Russell, nome inspirado nos filósofos Bertrand Russell e Jean-Jacques Rousseau e no pintor Henri Rousseau, foi por isso que resolve adotar o nome artístico Renato Russo, usado como integrante da Legião Urbana. As primeira influências musicais de Renato vieram de seus pais, era habitual ouvir música clássica e jazz. Aos 8 anos ganha de natal o “Álbum Branco” (The Beatles), em outra fase passou a ouvir Bob Dylan, ao descobrir o movimento punk, ouvia Sex Pistols, Buzzcocks,  Siouxsie & The Banshees e The Smith, são esses os discos que fazem parte do acervo da exposição, além de The Doors, Beach Boys e Menudo. O gosto literário é eclético, em seu apartamento foi encontrado livros de Shakespeare, Agatha Christie,  J.R.R. Tolkien, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. O cinema era para Renato sua opção, após encerrar a carreira musical, teve acesso a uma cinematografia de vanguarda, em sua vida, para ele filmes marcantes foram Perdidos na noite (John Schlesinger, 1696) e a Bela e a fera (Jean Cocteau, 1946).

Profeta ou messias?

Renato Russo definia-se simplesmente como um cantor de rock, um músico e um artista que expressa o que pensa e sente. Considerava a idolatria algo perigoso para o público, que cedo ou tarde se decepciona, ao descobrir que seu ídolo tem “pés de barro”. No entanto, a franqueza de seu discurso e o caráter contundente de suas letras tinham, e ainda têm, a capacidade de despertar empatia e admiração. Suas canções tornam-se amigas, inspiram recomeços, expõem desajustes, trazem esperança e aliviam a dor. Renato Russo se mantém presente através de suas letras atemporais e, após quase 22 anos de sua morte, sua discografia segue sendo redescoberta, e novos fãs se juntam à Legião.

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