O mês de maio de 2018 vai ficar registrado na história brasileira pois, nas principais estradas brasileiras estavam ocorrendo pequenas paralisações do tráfego por caminhoneiros, reivindicando melhorias para o setor.
As manifestações, ganharam corpo e adesão de quem não é do setor e achou justa e pertinente tais reivindicações dos caminhoneiros, como taxa dos pedágios, insistente alta do óleo diesel e valores das tabelas de frete. Quando os caminhoneiros resolveram parar todo e qualquer caminhão nos acostamentos das estradas estaduais e federais e, só sair quando fossem atendidas suas reivindicações pelo Presidente da República, Michel Temer, a situação ficou dramática. Foram 10 dias de paralisações tendo o governo que atuar com as Forças de Segurança para desmobilizar manifestantes.
Primeira convocação
Em Limeira, a situação não foi diferente. Quem passasse pela rodovia Anhanguera podia ver os caminhões parados pelos acostamentos e entrada da cidade, enquanto a pista estava livre, era um carro ou uma motocicleta que passava raramente, ninguém ou quase ninguém transitando pelas estradas. Em contra partida, na área rural, vendo o que estava acontecendo, estavam os produtores rurais reunidos, para de alguma forma apoiar essa manifestação dos caminhoneiros, pois, afinal, muitos tem caminhões e todos tem tratores que utilizam o óleo diesel para abastecimento e estavam sofrendo com as sucessivas altas – houve um aumento em mais de 50% em 12 meses.
Essa reunião de produtores tendo uma afinidade entre si, criaram o grupo Comando Agrícola na rede social WhatsApp. Por volta das 21h da quarta-feira, 23 de maio de 2018, foi divulgado um vídeo do grupo Comando Agrícola, convocando todo produtor rural com seu trator para se juntar ao movimento dos caminhoneiros, parados em Limeira, para o dia 24, quinta-feira às 12:30. O grupo iria-se reunir, primeiramente, na frente do bar do Galo, no bairro dos Pires e depois seguir até a entrada principal de Limeira, na rodovia Anhanguera. Guilherme Hergert, porta voz do vídeo, dizia; “Vamos fazer uma passeata pacífica de modo ordenada como está sendo em todo país. O pessoal de Limeira, concordamos em participar, para dar força aos irmãos caminhoneiros e aos irmãos produtores rurais que estão no mesmo barco que nós”.
Conforme a convocação, por volta das 13h, cerca de 60 tratores e 12 caminhões saíram do bairro dos Pires em passeata, (esse evento foi transmitido ao vivo pelo canal do Facebook do Jornal Pires Rural). Eles se locomoveram pela av. Major José Levi Sobrinho, sentido centro e fazendo o percurso inverso, seguiram diretamente para a rodovia Anhanguera, sem antes falar com os vários veículos de comunicação presente para registrar esse acontecimento peculiar para os produtores rurais. O grupo de produtores permaneceu com seus tratores na beira do acostamento da Anhanguera, somando corpo aos caminhoneiros parados, que a essa altura estavam no terceiro dia e os suprimentos como comida e água estavam se esgotando, assim, ajudaram a criar uma corrente e mobilizar comércios e apoiadores da causa, para doar mantimentos, água, banheiros químicos, a liberação de banhos nos postos de combustíveis, próximos aos pontos onde havia maior concentração de manifestantes, entre outros itens básicos, pois, a paralisação não tinha prazo para encerrar.
Segunda convocação
No dia 25, sábado, novamente os tratoristas, como foi denominado o movimento dos produtores, foi convocado para uma nova passeata. Dessa vez, suas máquinas iriam sair da praça central Toledo de Barros, em Limeira. Por volta das 13h, o grupo seguiu novamente para a entrada principal de Limeira, com cerca de 30 tratores e 60 veículos, que foram se juntando no meio do trajeto (a saída da praça Toledo de Barros e a chegada à Anhanguera (também transmitido ao vivo pelo canal do Facebook do Jornal Pires Rural). Cerca de 20 minutos após os tratoristas chegarem, surge um grupo de 100 motociclistas, vindo de outro bairro de Limeira, seguidos por mais 40 carros de passeios e vans de transportes de passageiros. O trevo da Anhanguera ficou tomado de populares, manifestantes, curiosos, produtores e suas famílias em apoio a greve, que mostrava força e gerava impacto em abastecimento e transportes por todo o país. Os efeitos a essa altura, sentido pela população, incluía, redução de frotas de ônibus, falta e disparada de preços em postos de gasolina, cancelamento de aulas em escolas e universidades, voos ameaçados por falta de combustível, alimentos escassos nas prateleiras dos supermercados e centros de abastecimento e a interrupção da produção nas indústrias, em todos os setores. A pauta inicial dos grevistas, que estava concentrada em questões econômicas, como o custo do óleo diesel e dos fretes em prol a categoria, é ampliada e o discurso anticorrupção, que inclui vozes em apoio a uma “intervenção militar”, ganhava força.
A união em 2020
Dois anos após esses acontecimentos, fomos atualizar os fatos referente ao grupo Comando Agrícola. Ouvimos João Ricardo Ivers, Marcel Fagotti, Daves William Setin e Bruno Magri, que entusiasmados com a progressão e coesão do Grupo desde a sua organização inicial afirmam: “Eu acho que o agricultor de Limeira nunca foi tão unido como está hoje – antes do Grupo a união acontecia apenas nos seus bairros”, afirma Ivers.
Após aquela situação da greve nacional dos caminhoneiros, o Grupo teve como maior aliado o WhatsApp, através desse meio e nesse, é que acontece toda a comunicação entre eles. “O Comando Agrícola começou em apoio a greve dos caminhoneiros. A gente foi apoiar os caminhoneiros e vimos (depois que passou) que com a comunicação através do WhatsApp é muito fácil você organizar alguma coisa e divulgar. Aí se percebeu o tamanho (do grupo), formou o Grupo Comando Agrícola”, Ivers citou.
O Comando Agrícola tinha a necessidade de realizar um encontro presencial que reunisse de fato todos os membros do grupo e suas famílias, então, foi organizado a 1ª Festa do Agricultor no mesmo ano da formação do grupo. Em 2019 aconteceu a 2ª Festa do Agricultor e, em 2020 não aconteceu por causa da pandemia. “Depois, quando teve a campanha para Presidente da República, o Grupo Comando Agrícola também apoiou a campanha do Bolsonaro, indo para a praça Toledo Barros com seus tratores, levando seus familiares e levantando a bandeira do Brasil, apoiando. A gente percebeu que somos muitos. A visibilidade da união entre os agricultores de repente, surgiu. Eu acho que o agricultor de Limeira nunca foi tão unido como está hoje – antes do Grupo a união ficava apenas nos seus bairros”, disse Ivers. Segundo Daves Setim, antes da formação do Grupo, era muito difícil unir os produtores e conversar porque tratava-se de muita gente para uma conversa presencial.
Reação, disposição e trabalho
Em 2020, o Grupo se fortaleceu novamente em apoio a erradicação do coronavírus através da iniciativa da realização de pulverizações nas ruas do município de Limeira. “No início da pandemia teve a pulverização feita pelos agricultores na Europa. Nós vimos na imprensa. Artur Nogueira, SP, foi a primeira cidade na região a fazer a pulverização e em Aguaí, SP, os produtores já se mobilizaram rapidamente porque é uma cidade pequena com propriedades agrícolas em volta, e muitos pulverizadores. Lá, eles faziam a cidade inteira toda quinta-feira. Então, foi lançada a pergunta no Grupo: “ vamos fazer aqui em Limeira? A resposta: “Vamos”. O Comando Agrícola veio fazer aqui em Limeira. Procurou o apoio da prefeitura. Na primeira pulverização não botaram fé não, achavam que não ia surgir tanto efeito. A gente sabe que o efeito da água com o cloro mata as bactérias (trata-se da mistura de água com o cloro de piscina, uma coisa simples), só que o que a gente viu em Aguaí, foi que a conscientização da população valia muito mais do que aquela área que estava sendo desinfectada. Porque quando a pessoa vê tudo o que está acontecendo, ela se conscientiza melhor; vimos isso em Aguaí. Foi mais simbólico do que talvez a eliminação do vírus naquele local. Quando a gente fez a primeira aplicação viram o sucesso e a repercussão que deu. Vieram alguns políticos querer entrar e ‘sentar’ na janelinha”, Ivers disse.
“O assunto bombou na internet, porque a população filmou dos prédios e compartilhou; foi uma ação que chamou a atenção dos políticos quererem colher ou louros”, Setin aborda. “Aí o pessoal perguntou: o que é que esse pessoal (políticos) estão querendo sentar na janelinha? Estava no momento de fazer mais uma pulverização. Vamos fazer outra? Nós notamos uma resistência dos produtores porque já teve político querendo pegar carona e sentar na janelinha. Fomos até a prefeitura e falamos em reunião: vocês vão ter que cercar a questão política pelo que o Grupo está fazendo. Vocês querem ajudar, ajudem, colaborem fornecendo os mapas, sem holofotes. Aconteceu a segunda e a terceira pulverização”, contou Ivers.
Com essa mobilização do Grupo, a ação mostrou mais uma vez que quando chamado para uma mobilização da categoria, o Grupo reage, se dispõe, e trabalha. “A gente viu que o Grupo realmente tem força, com bastante gente para trabalhar e se a situação é de ajuda, o Grupo consegue ajudar. Mas nessa ação, a gente tinha dificuldades porque a cidade de Limeira é grande e as máquinas de pulverização são muito sensíveis. Comparando o município de Limeira com o município de Aguaí que é uma cidade pequena e tem muito mais máquinas, aqui o trabalho se tornava muito mais difícil, porque tinha agricultor que saia de casa às 15h pra chegar às 18h na cidade, e chegava à 1h da manhã de volta”, revelou Ivers.
Hoje o Grupo Comando Agrícola traz consigo além de produtores rurais, técnicos agrícolas, agrônomos, e também empresários de vários segmentos do município. Fortalecido e no melhor momento de visibilidade e auto estima, puxado pelo resultado da eleição que elegeu o presidente Jair Messias Bolsonaro, perguntamos se o objetivo do Grupo é transformar o município de Limeira em agro?
Segundo Setim, o objetivo do Grupo não é transformar o município em agro. “A intenção não é transformar Limeira em agro. Limeira já é agro na sua origem. O município é o berço da citricultura, muitos fazendeiros que tem outras propriedade em outros municípios com cítrus, moram aqui. Os responsáveis técnicos, os agrônomos, os fazendeiros, que trabalham no agro, moram aqui. Muitos vivem da agricultura não no município mas, o berço foi aqui. Não seria transformar em agro mas não deixar de ser, manter. Somos um município com território rural grande, com bastante propriedades e renda gerada pela citricultura, soja e outra culturas. O anseio é não deixar de ser agro”, disse.
Para Bruno Magri, é muito importante que o produtor rural ganhe evidência no município e que a população entenda e respeite a importância do produtor rural. “Nós do sítio somos esquecidos porque tudo é voltado para a cidade. Somos lembrados somente no cumprimento da lei. Esses dias, eu, cortando um pé de goiaba pra máquina colher soja, quase fui preso por causa de um pé de goiaba”, descreveu Magri.
O agrônomo Fagotti responde que a maior preocupação é criar condições para que o pequeno e o médio produtor rural permaneça na área rural com renda digna. “A preocupação que temos, quando o produtor não consegue se manter financeiramente na propriedade ele arrenda a propriedade para a cana de açúcar. A partir daí ele fica nas mãos de uma usina ou um fornecedor, não agrega valor à sua propriedade, não gera mais renda, nem mão-de-obra e esse cenário é preciso ser reestruturado, reinventado. A nossa área agrícola já foi café, e citricultura. Hoje, a citricultura aqui não tem como ser, então, é preciso se reinventar para que as pessoas não vendam suas propriedades e saiam todas para a cidade. Achar opções de culturas na agricultura para os meninos ficarem na agricultura. Esse é o grande desafio do médio e pequeno produtor hoje”, destacou. Resgatar e manter a agricultura, um desafio que o Grupo Comando Agrícola tomou pra si.