Jornal Pires Rural – Edição 215 | SÃO PAULO, Abril de 2018 | Ano XIII
O Sesc Pompeia é um centro de cultura e lazer localizado na Vila Pompeia, zona oeste da cidade de São Paulo. Seu projeto arquitetônico foi desenvolvido pela arquiteta Lina Bo Bardi em 1977. A inauguração ocorreu em 1982. O Sesc oferece visitas guiadas para que a população interessada possa receber informações com dados históricos, tanto sobre a formação da vila como do projeto arquitetônico. O Serviço Social do Comércio – Sesc, criado em 1946, pelo Decreto-Lei n° 9.853/46, em que o Presidente Eurico Gaspar Dutra autoriza a Confederação Nacional do Comércio a implantar o Sesc. Sendo assim, surge uma instituição brasileira privada, mantida pelos empresários do comércio de bens, serviços e turismo, com atuação em todo o âmbito nacional, voltada prioritariamente para ao bem-estar social dos seus empregados, porém, aberto a comunidade, em geral. A unidade do Sesc Pompeia, aparece quando a instituição completa 40 anos de fundação, a instituição adquire uma área, em meados de 1960, em negociações com a prefeitura da cidade de São Paulo, sendo a única aquisição de terreno na história do Sesc, até hoje.
Antigamente, a Pompeia era uma grande chácara do Barão de Bananal, que dá nome para uma rua paralela ao Sesc Pompeia. No início do século XX, existe um parcelamento da chácara, várias indústrias se instalaram no bairro. Acredita-se, que esse loteamento tenha relação com a crise do café e o interesse de industrialização nessa área da cidade de São Paulo. Não por acaso, quem se interessou pela compra foram industriais porque, a linha férrea já estava construída, existia a proximidade com o rio Tietê (naquela época era navegável), existiam na localidade olarias (que extraíam o barro do Rio Tietê) e se estendiam desde a Penha até a Pompeia. Então, conclui-se que o barro que foi usado na construção dos galpões da unidade do Sesc Pompeia, que abrigou uma fábrica de tambores dos Irmãos Mauser, são dessas olarias e o cimento do bairro de Perus.
Depois de instaladas as indústrias no bairro, ocorre uma situação concomitante, transformando de fato a vila em área industrial pois, os operários construíram suas casas próximas às indústrias — essas construções estão conservadas ao longo da rua Barão de Bananal compondo a característica que forma o bairro. Neste processo de industrialização, o local onde está o Sesc, por ter sido uma fábrica de tambores até 1938, e posteriormente sede da Ibesa-Gelomatic fabricante das famosas geladeiras a querosene, a arquiteta Lina Bo Bardi vai usar os antigos tambores, produzidos pela fábrica, como uma linguagem de identidade visual da unidade. O processo de industrialização tem uma queda a partir da década de 1960 e algumas fábricas ficam devolutas. Aí, entra a figura do Serviço Social do Comércio, enquanto instituição. Os galpões são fechados, fecha a indústria Ibesa, ficam os galpões vazios e, tem um processo que a própria população que trabalhavam nessas fábricas, com a ausência de um espaço de lazer, ocupam os prédios vazios para se encontrarem, jogarem bola, numa ocupação informal à beira do Córrego Preto.
Sesc
Quando o Sesc foi criado (a instituição Sesc tem mais de 70 anos), a saúde do trabalhador começa a ter cuidados em pequenos furgões que o Sesc levava serviços. Mas, os serviços prestados pelo Sesc, passam a ser efetivos, quando constituído num edifício, para que as pessoas se desloquem até a unidade mais próxima. Nesse processo, uma série de unidades vão sendo criadas. O Sesc Pompeia aparece quando a Instituição completa 40 anos, todos os terrenos onde estão as unidades são terrenos públicos, somente essa unidade teve sua área comprada com recursos próprios da instituição.
Dado a decisão de compra da área em 1973, foi feita a matrícula do terreno. A administração começa a pensar num projeto arquitetônico. Nesse entremeio, Júlio Neves, arquiteto que fazia os projetos para as unidades do Sesc, propôs derrubar tudo e começar o projeto do zero na Pompeia. Isso era comum na época, porque o modernismo Paulista era a renovação da paisagem. O Movimento Modernista de São Paulo, na década de 20 do século passado, se caracterizou por uma busca de uma identidade nacional singular, por meio da atualização das ideias estéticas, a partir da vanguarda europeia e do estudo do folclore brasileiro.
A nova obra já estava aprovada na prefeitura, faltava dar início. Só que, no último momento os galpões foram salvos por duas pessoas muito importantes por sua posição política. O coordenador regional Renato Antônio de Souza Requixa (1929-2016) e a antropóloga Glaucia Amaral. Requixa foi pioneiro nos estudos sobre lazer no Brasil, nasceu em Curitiba, se mudou ainda garoto para São Paulo junto com seus pais, formou-se em direito pela Universidade de São Paulo, logo depois conseguiu seu primeiro trabalho: orientador social do recém-nascido Sesc. À época, 1950, recreação no Brasil, era uma palavra associada à infância. Foi pouco compreendido. Sob sua direção, o Sesc tornou-se conhecido pelos ginásios, piscinas, quadras esportivas, criou-se as unidades móveis de orientação social, que ainda percorrem o interior levando cursos e espetáculos. Inaugurou centros de recreação e idealizou, ao lado de Lina Bo Bardi, o Sesc Pompeia.
Requixa tinha uma pessoa, considerada braço direito, que era a antropóloga Glaucia Amaral, ambos estavam tendo contato com empreendimentos da época, um na Califórnia (EUA), que transformava a função social em lazer. Vendo que a arquitetura antiga estava sendo resgatada para um outro uso, a requalificação, enviaram uma equipe do Sesc pra lá. Surge daí o questionamento sobre a demolição dos galpões da Pompeia, ser de fato necessário. Esse modelo também foi bastante usado em Manchester (Inglaterra) que foi palco da revolução industrial mundial.
Lina Bo Bardi
Dando uma volta ao tempo, (1914-1992). Lina nasce em Roma, em família que tem uma relação muito forte com a arte. Ela escolhe a arquitetura como profissão, pra uma mulher naquela época é algo bastante raro. Ela se forma em Roma e a faculdade tem direcionamento para monumentos históricos e, isso era o que a incomodava porque, era de uma família progressista, muito ligada ao partido comunista, achava isso um discurso fascista e resolve ir para Milão. Lá, ela trabalha em em várias revistas, sendo Domus, a mais importante. Em Milão teve uma formação complementar em design e design de joias, de móveis, figurino. Lina traz peculiaridades nos seus projetos, como por exemplo, trazer no desenho o visitante do Projeto tomando sol, uniforme nos funcionários.
Ela teve a experiência por ter passado por guerras, registra relatos, entra para o partido comunista, vira ativista. Em 1946, encontra Pietro Maria Bardi (1900-1999), já o conhecia por seus trabalhos, especialista em arte italiana e europeia, tinha relações de marchant, colecionador, e já era conhecido no Brasil. No mesmo ano que se conhecem, se casam e partem para o Brasil. Ele tem um trabalho a fazer no Rio de Janeiro. Assim começa a história com o Brasil porque, neste trabalho o Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello — jornalista, empresário, um dos homens públicos mais influentes do Brasil, nas décadas de 1940 a 1960, está em São Paulo e toma conhecimento da presença de Pietro no Brasil e o chama para uma conversa. Pietro recebe o convite no mesmo ano para ser curador e organizar a coleção de artes da elite industrial. Uma parte da elite paulistana que detinha a maior economia do Estado de São Paulo, estava fomentando a ideia de intelectualização porque, havia grandes museus mas, era preciso criar uma grande coleção em São Paulo. A coleção começa a partir das famílias dos barões de café, os quais detinham acervos de arte em suas mansões paulistas.
Assis Chateaubriand acaba encomendando o projeto do Sesc Pompeia para a Lina. Para o casal trabalhar em São Paulo, eles precisavam de uma residência. O bairro do Morumbi, era uma fazenda e estava sendo loteada. O casal ganha um terreno, e constrói em 1951, a Casa de Vidro e passam a morar em São Paulo.
Lina Bo Bardi desenvolveu três importantes projetos antes de chegar no projeto Sesc Pompeia: Casa de Vidro, o MASP e o restauro do Solar do Unhão, que abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia.
A Casa de Vidro – um projeto para entender a relação da Lina, a arquitetura, e o espaço. A visita na Casa de Vidro é necessária para entender o processo de pesquisa da construção e a vida do casal naquela casa, que ainda está em andamento. Lina, consultou Burle Max para o projeto de paisagismo da Casa de Vidro. A consulta ao paisagista era pra saber sobre as espécies que compõe o jardim, para certificar que as árvores plantadas, não tivessem o calibre maior que os pilares que sustentam a Casa de Vidro. O projeto de paisagismo da Casa, hoje, dá a impressão de que a casa está suspensa na mata. A sala da casa é o maior cômodo do imóvel, tem como simbologia da rotina de receber convidados, realizar reuniões, é o espaço social. O quarto tem um espaço super reduzido.
Em 1951, Lina se naturaliza brasileira. Começa então, se impor dentro daquilo que ela entende do que é ser brasileiro, valorizando a cultura, mais dos que os próprios brasileiros.
O projeto do Museu de Artes de São Paulo – MASP, foi finalizado em 1968, depois de onze anos. O projeto tinha um desafio: não esconder a vista (era a única condição do terreno) então, ela desenhou e construiu uma caixa e pendurou. Isso mesmo! A construção do MASP é pendurado! Pelo uso de material e tecnologia, ela inova. Quando os engenheiros foram retirar as estruturas de madeira do prédio do MASP, havia uma insegurança porque foi uma mulher que tinha projetado a obra e o medo de que tudo ruísse era latente.
Lina tinha personalidade forte, impositiva, apresentava uma postura necessária para uma mulher à frente de sua época num país da América Latina. Ela viaja pelo Brasil, se encanta pela Bahia, pelo sertão, em 1956, dá aulas de filosofia da arte. Visita outros estados e assim começa o encantamento pelo artesanato brasileiro. Ela percebe uma tecnologia algo muito avançada, dito arcaico mas, tinham uma sabedoria de lidar com o que estava disponível. Desenvolveu técnicas a partir da matéria de pesquisa e criou coisas que não existiam no design italiano, que para ela, era muito ousado. Lina, nomeia o artesanato brasileiro como design. Abre uma briga para instituir o Museu de Arte Popular pois, queria que este ficasse lado a lado com a arte europeia — questionando porque o mestre Molina é menos valorizado que um europeu. O trabalho, ao invés de obra, é fundamental.
Paralela a 5ª Bienal, ela monta uma exposição no Ibiraquera que tem uma relação com todo esse artesanato, chamando atenção do governador da Bahia, que a convida para restaurar o Solar do Unhão para abrigar o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), em Salvador. A partir dessa obra na Bahia, Glaucia Amaral, braço direito do coordenador regional do Sesc, chamou Lina para o Projeto Pompeia.
Lina, vai ao imóvel do Sesc para uma visita técnica. Ela chega num sábado e vê como é que as pessoas estão ocupando o espaço e encontra o jogo de bola das crianças na rua, teatrinho de bonecos, e diz: “É isso o que devemos manter, nosso programa está pronto”. A vida cotidiana e a conivência dos moradores foi o mote do projeto do Sesc Pompeia. A arquiteta manteve por nove anos seu escritório dentro da obra, convivendo diariamente com técnicos, artistas e operários. Logo no início dos trabalhos descobriu que a velha fábrica possuía uma estrutura em concreto armado, moldada pelo francês François Hennebique. Tratava-se de uma obra pioneira nesta técnica, no início do século XX e talvez a única até o momento.
Para abrigar o restante do Programa Sesc, sem demolir os galpões, seria necessário uma construção vertical. O aspecto rústico do concreto dialoga com o ambiente fabril e as passarelas aéreas conectam as torres do complexo esportivo, separaras por uma área não edificável, o leito do Córrego Preto (canalizado) passa pelo terreno que também é usado como espaço de convivência.
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