No momento em que a crise ora política, ora de epidêmica, tem limitado avanços para o desenvolvimento do país, a imagem do STF (Supremo Tribunal Federal) tem chamado atenção quando vem a se manifestar. A imagem do modelo de tribunal, onde é mostrado os ministros reunidos decidindo sobre causas, é profundamente enganosa pois, “93% das decisões do Supremo Tribunal Federal são decisões individuais de cada ministro”, segundo Diego Werneck Arguelhes, professor e pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, que também afirma, “o acesso que alguns ministros têm na imprensa, são atitudes que produzem resultados fora do tribunal, dependendo do contexto, pode ser entendido como uma “ameaça” bastante crível e, consegue atiçar a opinião pública”.
A Corte Suprema
O Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou uma espécie de terceira Câmara Legislativa especializada, pois, o que temos constatado no Brasil, cabe a ele a última palavra, e não ao Parlamento. Qual é o papel de uma Corte Suprema em uma democracia? No geral, as cortes institucionais são responsáveis pela guarda da Constituição, em tese seriam a última instância a se pronunciar em torno de conflitos sobre o nosso pacto social. A primeira grande corte neste sentido é a norte-americana, idealizado sob os auspícios do século XVIII, após a independência inglesa. Nesse período o judiciário não passava de um apêndice do Poder Executivo, a idealização da ‘Supreme Court’, nos Estados Unidos foi o precedente para a criação de diversas variações de tribunais constitucionais que temos hoje espalhados pelas democracias ocidentais. Esse modelo institucional só existe em uma democracia.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal é uma dessas variações. A sua gênese se dá no final do século XIX com a Constituição promulgadas em 24 de fevereiro de 1891, que institui o controle da constitucionalidade das leis, onde se dedicou ao STF os artigos 55 a 59. Do ponto de vista técnico o STF passava a exercer a função de pesos e contrapesos da infante República. De lá pra cá muita coisa mudou e neste momento em que a crise política tem limitado avanços para o desenvolvimento do país, o STF tem chamado atenção quando convocado a se manifestar em nome, processos que envolvem atores do Parlamento.
A imagem
Desde o julgamento do Mensalão a imagem do STF transmitido pela TV Justiça “convenceu” a população de que aquele modelo de tribunal prevalece para julgar os processos. Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor e pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, “a imagem do Supremo reunido é profundamente enganosa, porque o Supremo não funciona assim de fato. Trata-se de um Tribunal assoberbado, pois, em 2006 eram 120.000 processos, depois da reforma do judiciário atingiu 60.000 processos/ano”. Invariavelmente o Tribunal precisa se adaptar a esse número enorme de processos, pois, 93% das decisões do Tribunal são decisões individuais de cada ministro, com a chancela do Tribunal, Diego continua, “esse Tribunal raramente se reúne para julgar os processos. Assistimos a um cenário com debates acalorados, levamos a pensar como é que os ministros conseguem conviver no dia seguinte e no entanto se verificamos os dados, 10% delas são unânimes e há discordância em apenas 2% delas, com mais de um voto vencido”, revela.
Juízo monocrático
De acordo com Diego, o relator do processo quase sempre vence. “Há vários estudos em andamento sobre isso e, talvez a interpretação mais plausível para o volume de processos que o STF recebe é que não tem tempo real para analisar. Mas a realidade, ocorre com ministros sozinhos decidindo um grande volume de processos sem saber o que está acontecendo no gabinete ao lado, uma fragmentação que não é capturado pelo plenário. Desde início da crise política em 2014, a relação entre poder individual de ministros no plenário, ganha uma versão aprofundado de 2015 pra cá e, o que se tem revelado é como o Tribunal monta sua agenda e escolhe quando decidir, os mecanismos quase inexistente de responsabilização e, garantir de fato respeitar regras, e, ainda, o poder de agenda do relator e as manifestações dos ministros na imprensa”, abordou Werneck.
Poder de agenda
Como exemplo ele cita a liminar mais famosa em 2015, foi do ministro Gilmar Mendes, suspendendo sozinho a posse de um ministro do governo Dilma, decidido numa sexta-feira à noite. Na prática isso garantia que mesmo que ele quisesse levar esse caso a plenário, não aconteceria em menos de duas semanas. “O que ocorre com liminares no Supremo é que os ministros mudam o ‘status quo’ de uma forma tão significativa numa decisão cujo ‘time’ é só dele. A apreciação pelo plenário também é uma decisão que só depende desse ministro. Ele pode atrasar a apreciação pelo plenário, não é comum que atrase muito mas, é perfeitamente possível” afirmou Werneck.
Outro exemplo ganhou atenção na mídia a liminar na qual o ministro Luiz Fux garantia auxílio moradia para magistrados e nunca foi levado ao plenário. “Essa é uma decisão que se sustenta numa decisão individual. O pedido de vista mais famoso foi o de Gilmar Mendes sobre o financiamento de campanha. Neste pedido o ministro já tinha perdido maioria forjada contra seis votos pela inconstitucionalidade de financiamento eleitoral por empresas, chamou atenção do país pra algo que já era conhecido, se a gente considera que o maior prazo possível que o regimento já concedeu pedido de vista foi de 30 dias. Mas há dezenas de casos de vista com 15 anos de espera, exceções, mas existem”, observou Werneck.
Outra situação que ficou evidente na crise é o poder de agenda do delator que tem que dar o primeiro passo para liberar o processo do julgamento, isso aflige os advogados. “O acesso que alguns ministros têm na imprensa, a possibilidade de anunciarem avisos, conselhos, ameaças. Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello recorrem a este tipo de comunicação. Como aconteceu com o caso que passado algumas horas da prisão coercitiva de Lula, determinada pelo juiz Sério Moro, o ministro Marco Aurélio já tinha dado declarações criticando, algo que é vedado pela magistratura. Essas atitudes produzem resultados fora do tribunal, dependendo do contexto, pode ser entendido como uma “ameaça” bastante crível, consegue atiçar a opinião pública”, apontou Wernek.