Denis Zabin é biólogo e morador do Bairro dos Pires, em Limeira, SP, iniciou sua pesquisa no mestrado em 2020 pelo Instituto de Botânica de São Paulo, o objetivo do trabalho é elucidar a diversidade do cogumelo Favolus na Mata Atlântica. Os cogumelos fazem parte do reino dos fungos pesquisados pelos micólogos, o tema é bem amplo e na entrevista que fizemos com Denis dividimos em duas partes, publicado na edição do Jornal Pires Rural 258
na primeira parte abordamos os cogumelos silvestres comestíveis da Mata Atlântica e agora, na segunda parte, retratamos qual importância da micologia para a vida na terra. Leia a seguir;
Os fungos são organismos eucarióticos, ou seja, suas células possuem o material genético (DNA e RNA) envolto por um núcleo, o que os incluí no domínio Eukarya (classificação acima de reino). Como exemplo podemos citar os cogumelos, os bolores e as leveduras. “É um reino completamente a parte, com características únicas e hábitos de vida bastante diverso. Cogumelo é um termo vernacular que remete às estruturas reprodutivas macroscópicas de alguns fungos, como representantes dos filos Ascomycota e Basidiomycota, no entanto, de forma mais estrita, poderíamos chamar de cogumelos apenas as espécies pertencentes à ordem Agaricales dentro de Basidiomycota, a quais nos lembramos quando pensamos em cogumelos, caracterizada na maioria das vezes pela presença de um estipe e um píleo, como no caso do Champignon, por exemplo, bastante característico”, explica Denis e complementa, “Em um trabalho publicado em 2017, pesquisadores apontam à partir de estimativas para uma diversidade entre 2,2 a 3,8 milhões de espécies de fungos no mundo, dentro dessa diversidade, 22 mil espécies seriam cogumelos, e desses, 2.189 possuem registros confiáveis de comestibilidade. No Brasil, um estudo levanta o número de 5.719 espécies de fungos, existindo na Mata Atlântica cerca de 3.017 espécies, no entanto, outro trabalho mostra que de todas as quase 4 milhões de possíveis espécies existente no planeta, 14% disso existiria no Brasil, o que mostra que ainda temos muito a descobrir dentro do nosso território nacional”, revela.
A micologia
Denis explica a importância da micologia para a vida no planeta, “uma das principais funções ecossistêmicas cumpridas pelos fungos é a decomposição. Eles participam promovendo a ciclagem de nutrientes nas matas, degradando os restos orgânicos, as folhas, os troncos, os detritos animais, juntamente com as bactérias e outros microorganismos, são principais agentes responsáveis pela decomposição da matéria orgânica morta. Se não fossem por eles, nós estaríamos vivendo num monte de resíduos e detritos. Além dos fungos decompositores temos os fungos micorrízicos, que formam associações simbióticas com raízes de quase todas as linhagens de plantas, envolvendo uma troca de nutrientes entre eles, com os fungos possibilitando o aumento da disponibilidade de certos nutrientes, como o fósforo, para as plantas, enquanto essas fornecem açúcares simples para os seus companheiros fúngicos, além disso, a rede formada pelas raízes e o micélio, o corpo vegetativo dos fungos, forma uma rota para passagem de sinais químicos e elétricos entre plantas vizinhas. Existem também os fungos endofíticos, que também formam associações simbióticas com plantas, capazes de colonizar quase todos os tecidos vegetais, podendo conferir às plantas maior resistência ao estresse hídrico e proteção contra patógenos e herbívoros. Outros grupos funcionais importantes e interessantes, seriam os fungos parasitas, os fungos entomopatogênicos, que são aqueles que parasitam insetos, podendo até alterar o comportamento deles, algo super incrível, e inclusive possuem um enorme potencial para o controle biológico na agricultura”, observou.
O fungo em nossa vida
A manipulação dos fungos de uma maneira mais direta em nosso dia a dia está na produção alimentar, em exemplos como o pão, vinho e queijos, Denis esclarece, “não teríamos grande partes dos produtos que são feitos a partir da fermentação alcoólica como cerveja, e outras bebidas alcoólicas, pães, missô, shoyu e alguns produtos lácteos. Os fungos são muito importante nesse quesito. Por outro lado também são importantes ao serem causadores das micoses de importância veterinária e de importância clínica para os humanos. Temos fungos na nossa pele o tempo todo, chamados de espécies comensais, que estão associados a gente mas, não causam nenhum dano aparente. As grandes micoses de importância clínica, como a candídiase, histoplasmose ou a paracoccidiodomicose, por exemplo, se manifestam em sua grande maioria em pacientes imunocomprimidos ou num estágio avançado de debilitação”, descreve o biólogo.
Na biotecnologia a importância dos fungos está relacionada ao seu arsenal enzimático, com as enzimas sendo as proteínas que os fungos usam para digerir a matéria orgânica. “Imagine um pedaço de madeira, um material super resistente, firme, difícil de ser decomposto, devido à presença da lignina, um dos componentes da parede celular das plantas e, os fungos são um dos poucos organismos que são capazes de digerir esse material. Pensando assim, podemos usar as enzimas que os fungos produzem para aplicação na indústria madeireira, da celulose. As enzimas facilitam a degradação de resíduos tóxicos industriais, materiais muito difíceis de serem descartados, de forma ambientalmente correta e, os fungos são uma fonte de enzimas que podem ajudar nesses processos de decomposição. Na medicina temos a Penicilina, o primeiro antibiótico descoberto no mundo que teve origem a partir de um fungo do gênero Penicillium. Tem toda uma história legal por trás da descoberta da Penicilina, quem tiver interesse vale a pena pesquisar mais a fundo. Está na lista dos medicamentos essenciais pela Organização Mundial da Saúde, é ainda um antibiótico muito usado. Temos também o taxol, um composto isolado de um fungo endofítico, um dos principais medicamentos utilizados no tratamento do câncer. Os fungos são uma fonte incrível de compostos, de enzimas, de alimentos, é um universo que não nos cansamos de nos surpreender a cada ano”, relatou Denis.
Importância para agricultura
“Os fungos sempre estiveram presentes na agricultura, no solo, no composto, às vezes é olhado como um inimigo por conta das doenças causadas por eles nas plantas ocasionados por algum desequilíbrio mas, eles possuem um enorme potencial, seja na introdução de inóculos de fungos micorrízicos ou fungos que atuam na decomposição da matéria orgânica aumentando a disponibilidade de nutrientes para as plantas, ou pela aspersão de culturas de fungos entomopatogênicos, capazes de parasitar besouros ou outros insetos herbívoros, como espécies de Beauveria. Mais e mais a importância da saúde do solo, da cobertura do solo, da microbiota, de trabalhar com a compostagem na roça têm se mostrado mais aparente, seja pela otimização de processos biológicos, como a decomposição e disponibilização de nutrientes, e a formação de associações simbióticas, como também na manutenção da umidade e estrutura do solo, por exemplo. O Brasil aos poucos começa a ficar a par dessas aplicações. Na agricultura produzimos resíduos orgânicos, através da poda, capina do mato e todo esse material, que um dia foi visto como descarte, pode estar sendo utilizado para produzir um composto orgânico para utilizar no cultivo, trazendo nutrientes e microorganismos, é uma questão da visão direcionada para o assunto. Trazer a cobertura morta, a palhada, o plantio direto para o campo, terá muitos benefícios e com isso terão os fungos continuamente presente. O solo, é tudo para o agricultor, para a produção de comida. O solo é o grande ator, é ali em que tudo acontece, é ali que a raiz precisa-se desenvolver, ali que a raiz pode-se associar com algum fungo ou microorganismo simbionte, é ali que os nutrientes estarão se mineralizando e se tornando disponíveis para as plantas. Trabalhar numa agricultura sustentável é conseguir ver como as coisas ocorrem de verdade, é entender a relação harmoniosa que acontece no ambiente natural e trazer esses processos que ocorrem nas florestas ou em outro habitat natural, para dentro do campo, colocar tudo trabalhando junto e não trabalhar na contramão desses processos de uma forma que não se sustenta ao longo prazo. Acredito que falta uma visão mais holística para agricultura”, Denis argumentou.
Cogumelos Mágicos
Os fungos também tem suas propriedades alucinógenas, utilizados por diversos povos em suas atividades culturais, ritualísticas ou medicinais. Popularizado no final dos anos ’60 os cogumelos Psilocybe cubensis e o Panaeolus cyanescens, são algumas das espécies conhecidas por conterem substâncias psicoativas como os alcaloides psilocibina e psilocina, compostos responsáveis pelos efeitos em nosso sistema nervoso central. “A diversidade de espécies de Psilocybe que ocorrem no Brasil, ainda é pouco elucidada. Nos anos ’60 houveram vários estudos em relação ao potencial terapêutico dessas substâncias, para tratamento de depressão, de adicções, estresse pós-traumático, mas com a questão da legislação anti-drogas, que foi logo promovida, após a contracultura, essas pesquisas acabaram sendo descontinuadas mas, agora estamos tendo um renascimento dessas pesquisas lá fora. Sabemos que a depressão é uma doença que acomete a sociedade atualmente de forma bastante relevante e séria, de difícil tratamento, com medicamentos que nem sempre são eficientes, que envolvem a questão da dependência, o desenvolvimento de tolerância, a dificuldade de parar o tratamento, pelo desenvolvimento de sintomas de abstinência após descontinuação do uso. A psilocibina não é adictiva, não possui efeitos físicos adversos em dosagens normalmente utilizadas, e esses estudos indicam o potencial terapêutico dessas substâncias quando utilizadas em um ambiente clínico, com suporte psicológico adequado, com acompanhamento prévio e póstumo para nortear o tratamento. É uma experiência que pode ser bastante intensa para alguns e sem acompanhamento psicológico, num ambiente clínico, pode ser complicado. Alguns estudos tem por base o tratamento de pacientes com tipos de depressão resistentes aos tratamentos convencionais, e melhora do bem estar em pacientes terminais com câncer, por exemplo, e, os estudos estão se mostrando bem favoráveis e positivos, acredito que temos um futuro muito promissor envolvendo essas substâncias”, sinaliza Denis.
Para finalizar questionamos quais seriam as consequências que um cogumelo tóxico pode causar ao ser ingerido, Denis alertou que dentre os registros de toxicidade relacionados ao consumo de cogumelos, “os efeitos adversos podem variar bastante, desde desconforto gástrico, que incluem dores abdominais, náusea e diarreia, mas podendo também ocasionar reações alérgicas, promovendo coceiras, e vermelhidão pelo corpo, até dores de cabeça, problemas neurológicos, como delírios, e também a morte, como no caso do consumo da espécie Amanita phalloides, que produz diversas toxinas, havendo complicações sérias e letais, se dão principalmente pela inibição das enzimas RNA-polimerases em nosso corpo, envolvidas na síntese de RNA mensageiro e consequente síntese de proteínas”, revela.
O biólogo deixa a dica; ”no entanto, apesar da importância em se ter cautela e de certificar quanto a correta identificação das espécies a serem coletadas visando o consumo, devido à toxicidade de algumas, não precisamos ter tanto medo ou receio. Algumas espécies comestíveis que ocorrem por aqui, inclusive em áreas antropizadas, possuem características bastante reconhecíveis. Fazendo uso de um material de referência para poder comparar, fica bem fácil de identificar, garantindo um pouco mais de segurança na hora de coletar. O importante é ir pesquisando, utilizando guias de campo, ou materiais confiáveis na internet, que existem bastante, e ir se familiarizando com as espécies mais comuns, aprendendo a reconhecer algumas estruturas diagnósticas importantes. E como sempre, se tiver dúvidas, nunca consuma!”, finalizou.