Conversamos com o palhaço Salsicha do Circo Teatro Biriba, ou melhor, Waldir Gonçalves Roque, ele logo nos avisou “27 de março é comemorado o dia do Circo, você sabia? Circo não é uma coisa só, existe várias vertentes, cada um tem sua atividade específica. Existiu o circo cinema que era o cidadão que não tinha uma companhia grande com sua família, mas tinha uma tenda, um telão e um projetor e visitava as localidades onde não haviam cinemas e todo dia apresentava um filme diferente, isso foi muito comum antigamente. Depois, teve o circo de tourada ou circo de rodeio, que é o circo voltado para touradas e montarias com animais. Também existe o circo de variedades que são os exemplos do Tihany e do circo Stankowich que só apresentam números circenses como trapezista, malabarista, mágicos, globo da morte e tem o circo de teatro que é a minha especialidade”, emendou.

Dentro do circo centenas de crianças sentadas aguardam o espetáculo começar
Antes da pandemia: Público escolar conferindo uma das peças teatrais do Circo Biriba antes da pandemia

Waldir Gonçalves Roque é neto de Hermógenes Aleluia Roque, o palhaço Sarrafo, que 1953 colaborou com o primeiro programa circense na TV Brasileira, o Circo do Arrelia pela TV Record de São Paulo. Waldir, hoje, diretor do Circo Teatro Biriba – Centro de Artes Cênicas, relata sobre a vida de seu avó Hermógenes, “ele iniciou a vida no circo em 1943, construindo um pavilhão de painel de zinco, muito comum para a época, com capacidade para 200 pessoas, na cidade de Buri (SP) e por razões políticas não pode funcionar na cidade. Ele toca o circo para a cidade vizinha, em Santo Antônio da Platina (PR), onde estreia um espetáculo com números de magia, ventríloquo com bonecos, esquetes cômicos e encenação de peças teatrais. Esse pavilhão durou até 1954 porque na cidade de Ibaiti (PR), depois de um temporal ele foi completamente destruído, dando tempo somente de meu avô salvar sua esposa e os filhos e sair dali pra não morrerem afogados. Nessa mesma cidade, eles conseguem montar seu primeiro circo de lona de pano, o qual tinha o nome de Percy Circo (o menor circo do mundo), em homenagem a sua filha caçula e, no ano de 1965 passa a se chamar Circo Teatro Biriba, numa junção com o palhaço Biriba da cidade de Ribeirão Preto”, falou. Durante a carreira, seu avô Hermógenes foi radialista, tipógrafo, comentarista, ventríloquo, palhaço, ator, compositor, instrumentista e se tornou uma personalidade referência no mundo do circo, até que em 1982, na cidade de Americana (SP), ele falece causando grande comoção entre seus muitos amigos de circo, comparecendo no velório companhias como o Circo do Piranha e o Circo do Veneno, revela Waldir. 

Antes disso, no ano de 1970, Waldir estava nascendo em Ibaiti (PR), mesma cidade em que o circo de seu avô foi destruído, “por coincidência eu vim a nascer na cidade de Ibaiti (PR), sendo a terceira geração da família circense. Eu já iniciei o meu caminho no circo e, vivo dessa atividade até os dias atuais, com os mesmos ideais que meu avô criou há 77 anos, que é levar entretenimento, lazer, alegria e cultura às pessoas”, disse.  

Waldir recorda de um tempo em que as duplas sertanejas não tinham lugar para se apresentar, “cerca de 40 anos atrás, não havia festa de peão, não existia cache para os artistas receberem pra fazer show, existia bilheteria, onde metade da bilheteria ficava com o circo e a outra metade para os artistas. Nessa época era muito comum as duplas sertanejas se apresentarem nos circos. Cada dupla tinha uma música carro-chefe, que também era encenada numa peça teatral. Então, as duplas faziam seu show cantado no circo e depois a dupla, juntamente com os artistas do circo, encenavam um teatro, de acordo com a história da música. Exemplo, a dupla Zilo e Zalo tinham uma música carro-chefe chamada  ‘o milagre do ladrão’. Eu com quatro anos de idade fazia o personagem do garoto retratado na história, que contava a vida de uma família muito pobre com um filho deficiente, onde o pai blasfemava a todo instante e a mãe era muito religiosa. Outra dupla, também que me recordo era Canário e Passarinho, muito renomada da cidade de Franca, com a música ‘o ladrão de galinha’ e, eu já interpretava as peças teatrais ao lado dessas duplas. Conheci esse pessoal todo; Leo Canhoto e Robertinho, Tião Carreio e Pardinho, Craveiro e Cravinho, Zico e Zeca, Alvarenga e Ranchinho, Tonico e Tinoco, mais tarde Milionário e José Rico, João Mineiro e Marciano, as Marcianas, Chitãozinho e Xororó,  Cesar e Paulinho, estavam sempre no circo do meu avô”, Waldir sustentou.

O Circo Teatro Biriba tem 46 peças diferentes

Artes cênicas

Na década de 90, o Circo Teatro Biriba continua na ativa sob direção de Derocy Roque (palhaço Cai-cai ), pai de Waldir. Nos final de 1999, Derocy Roque, decide deixar a vida circense, “meu pai se aposentou e eu segui em frente no ritmo dos espetáculos que eram divididos em três partes, a primeira tinha malabarismo, equilibrismo, trapezista na segunda parte era um show musical, onde o palhaço canta, toca guitarra, bateria e faz brincadeiras com o público e, na terceira parte, que é mais teatral, as comédias e dramas. Depois do ano 2000 eu parei com os números circenses de malabarismo, parei também com o show musical e priorizei apenas o teatro. Por isso eu troco o nome do circo para Teatro Itinerante Biriba – Centro de Artes Cênicas, capitaneado pela empresa W.G.R produções. Hoje a minha companhia tem 46 peças diferentes entre comédias, dramas e melo-dramas. Somos um teatro itinerante que visita cidades apresentando uma sequência de peças teatrais. Se ficarmos 50 dias instalados em uma localidade, todos os dias tem uma peça diferente para apresentar ao público”, explicou.

Diferença

“Somos diferentes do circo de tiro ou circo de variedade, que são aqueles circos de porte grande, que tem apenas um espetáculo com o palhaço, trapezista, globo da morte, dançarinas, mágicos onde todo dia você assiste a mesma coisa da mesma forma, é o exemplo do circo Tihany. O circo teatro é diferente, todos os dias tem uma apresentação diversa, justamente por ser um circo para atender cidades pequenas ou, às vezes, um bairro. Por ser, praticamente, o mesmo público é preciso ter um atrativo para trazer esse público ao circo todo dia, então, é uma apresentação diferente, nunca é o mesmo espetáculo”, destacou.

O Circo Teatro Biriba conta com um elenco familiar composto por vinte e duas pessoas, todas da família de Waldir, se dedicando a arte circense. No dia a dia, só existe a divisão de algumas tarefas, como exemplo, a pessoa que só mexe com as praças, que vê as localidades onde o circo vai se instalar, existe aqueles que montam o circo, fazendo o serviço braçal. Por ser um circo pequeno, “todo mundo faz tudo ao mesmo tempo, não tem divisão de tarefas. São pessoas tarimbadas que sabem o que tem que ser feito e como tem que fazer. É muito comum em nossas peças teatrais mudar os papeis dos atores, por exemplo, meu irmão fez papel de carrasco em uma cidade, na outra ele acaba fazendo o papel de fazendeiro bonzinho, encenando a mesma peça. 

Waldir continua, “como essa troca de função dentro do espetáculo, são pessoas que nasceram nisso, então, não tem tempo ruim, a coisa funciona muito bem. Tanto é que os grupos de teatro circense são admirados pelas companhias de teatro ou grupos de teatro das cidades, por essa agilidade que temos. Em nossos 46 espetáculos diferentes não tem texto, não tem roteiro, são coisas que conhecemos desde crianças, tiramos de letra e isso deixa muitos atores de novelas, atores de tv, muito intrigado com essa agilidade que o povo do circo tem ao fazer o teatro. Dentro do espetáculo, a minha função é de diretor artístico, sou ator profissional com DRT (documento do Ministério do Trabalho, para quem fez um curso profissionalizante de teatro reconhecido pela Delegacia de Ensino MEC), minha companhia toda são atores profissionais, eu também atuo como palhaço em quase todos os espetáculos”, explicou.

Um homem de chapéu de vaqueiro, terno, gravata, calça marrom e botas pretas está segurando uma corda na mão esquerda  enquanto pisa com o pé direito em um homem caído ao chão. O homem caído está com as mão na bota que está pressionando seu peito.
Todos os dias tem uma peça diferente

Armando a lona

“Além de ser o palhaço Salsicha, também sou secretário, mexo com as prefeituras, faço a parte das relações públicas, tenho o dever de estar com as praças em dia, para onde o circo vai. Isso se tornou muito burocrático nos dias de hoje, devido ao acidente ocorrido na ‘Boate Kiss’, na cidade de Santa Maria (RS), onde faleceram mais de 200 jovens. Até então, já vinha ruim para o circo, muito documento solicitado, a partir desse incêndio então, aí lascou tudo, ficou muito difícil. Hoje, um circo precisa de três engenheiros responsáveis por armar o circo; um engenheiro civil, responsável pela estrutura do circo, emite um documento chamado ART (anotação de responsabilidade técnica), preciso de um engenheiro Eletrecista, responsável pela parte elétrica do circo, com outro documento ART, para que a companhia de força e luz venha no poste do circo e instale a energia para o circo. Nenhum desses engenheiros emite “brigada de incêndio”, isso é para o engenheiro de segurança, ele vai atestar, através de um curso para as pessoas que trabalham no circo, que elas estão aptas a agir no momento de pane, de incêndio, evacuar área, esses são os brigadistas. Isso faz parte da documentação enviada para o Corpo de Bombeiros emitir o AVCB (auto de vistoria do Corpo de Bombeiros). Hoje, no município de São Paulo para um circo poder abrir a bilheteria e receber o público, precisa apresentar 32 documentos diferentes”, detalhou.

Pandemia

Waldir mora em Americana (SP), ele comentou que tem uma casa na cidade, “são pouquíssimos os circos que a pessoa trabalha nessa atividade e tem uma casa em uma determinada cidade, a maioria reside no fundo do circo”, disse. Levantando a questão que a pandemia afetou em cheio toda cadeia de eventos, festas, parque de diversão, exposição e com o circo não foi diferente citou, “teve casos que o circo da Bahia, por exemplo, estava no estado São Paulo, lá em um terreno e já está há um ano parado, sem poder trabalhar, ficando numa situação terrível. O pessoal ficou muito desamparado, teve casos de trabalhador de circo precisar recorrer a fundo social, a igreja, para ter o que comer. Inclusive eu e alguns colegas, mais estruturados, nos unimos para ajudar, no início da pandemia, com cestas básicas aqueles que a gente sabe que ficaram numa situação sem poder comprar comida para os filhos. Esse não foi o meu caso, eu posso me considerar um privilegiado graças ao nosso Deus Pai Todo Poderoso. Diante dessa pandemia não está fácil pra ninguém, as minhas contas não deixaram de ser pagas, o alimento não faltou na minha casa e sou muito agradecido”, ele relevou.

Cena com quatro atores representando uma freira religiosa, um empresário segurando uma pasta preta, olhando para uma mulher sentada com uma criança no colo e o pai da criança em pé olhando para a mulher sentada
As peças teatrais são comédias, dramas e melo-dramas

Ação Cultural

Segundo Waldir aconteceu que “dia 16 de março de 2020, o circo Biriba estava chegando na cidade de Cravinhos (SP), próximo de Ribeirão Preto (SP). As estacas estavam batidas, pronto para erguer a lona e estrear na cidade. Era uma segunda-feira, foi publicado um decreto proibindo os eventos no Estado de São Paulo e, desde então, estamos com a atividade suspensa devido a pandemia. Recentemente, tivemos na região de Campinas (SP), a fase amarela, inclusive o circo Biriba ia pra cidade de Limeira, realizar um trabalho através do Proac (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado SP). Em Limeira, o circo seria armado no campo do Gigantão (no bairro da Cecap), onde iríamos ficar dez dias seguidos, apresentando 10 espetáculos diferentes, com entrada franca, ação realizada pelo governo do Estado de São Paulo. Estava liberado pela Prefeitura, para capacidade de 150 pessoas por sessão, estava tudo certo, de repente mudou de fase amarela para laranja, de laranja para vermelha e foi suspensa a autorização para estrear o circo em Limeira. No momento estamos gravando em vídeo os espetáculos para disponibilizar para as cidades, inclusive Limeira está incluída, uma vez que eu não pude ir com o circo, foi cancelada a autorização, então, vamos gravar os espetáculos e disponibilizar os links em parceria com as secretárias municipais de cultura das cidades de Limeira, Iracemápolis, Santa Barbara d ‘Oeste, Artur Nogueira, Conchal, Cravinhos e região do Vale do Paraíba; Roseira, Santa Branca e Igaratá. Nessas localidades eu iria com o circo mas, devido a pandemia, fomos obrigados a fazer esse trabalho experimental, pra ver o que vai acontecer. Todos os espetáculos serão gravados sem público, o que quebra nossas pernas, porque o palhaço conta piada, é um circo teatro, acho que vai ficar meio chato sem a interação do público mas, é o que temos, então, vamos fazer. Esses espetáculos gravados são através do Proac, fomos contemplados. Aliás, a minha companhia está consecutivamente no Proac desde a sua criação em 2006. Para essa gravação alugamos uma estrutura provisória, porque nossa lona não caberia na área que montamos os palcos do nosso circo em Nova Odessa (SP), exclusivamente para essa filmagem. Logo estará disponível para o público das cidades citadas poderem assistir pela internet as gravações de nosso Circo Teatro Biriba”, concluiu Waldir.

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