Atentos às discussões que envolvem as comunidades tradicionais indígenas, hoje, no Brasil, incluímos o assunto na pauta do Jornal Pires Rural, de forma que traga luz a realidade no Estado de São Paulo. Com a intenção de elucidar informações das comunidades indígenas rurais que estão muito próximas geograficamente, entrevistamos por telefone, Newton José Rodrigues da Silva, zootecnista e extensionista rural da Casa da Agricultura (CDRS) de Santos (SP), possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutorado em Halieutique – École Nationale Supérieure Agronomique de Rennes e doutorado em Aquicultura pelo Centro de Aqüicultura da Unesp. Com a experiência de Newton, na Cati (CDRS) desde 1984, a frente da Extensão Rural e a Assistência Técnica – Ater, podemos fazer uma leitura da Extensão Rural em território indígena, no Estado de São Paulo viabilizada pelo Projeto de ‘Desenvolvimento Rural Sustentável’, Microbacias II com financiamento do Banco Mundial em parceria com o governo do Estado de São Paulo através da Cati – CDRS.
A quase totalidade das propostas de investimentos em projetos comunitários envolve a geração de renda, abrangendo a produção agropecuária, a produção de artesanato, a prestação de serviços na área da cultura, alimentação, turismo de base comunitária e muito mais.
As aldeias indígenas rurais do Estado de São Paulo situam-se em cinco macrorregiões geográficas: Baixada Santista, Litoral Norte, Vale do Ribeira, Oeste & Sudoeste Paulista e Grande São Paulo. Trazemos dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério da Justiça, Coordenação Regional do Litoral Sudeste, dados atualizados do número de aldeias, etnia, terra indígena, situação fundiária e Unidades de Conservação; gentilmente disponibilizado pelo extensionista rural Newton Rodrigues da CDRS de Santos.
JPR: Como aconteceu a implantação do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável, Microbacias II na Baixada Santista?
Newton: O Microbacias II facilitou muito a extensão rural e a assistência técnica – Ater indígena, porque agora existe os recursos para investir nas atividades e havia um compromisso com os indígenas que era o que se chama de etnodesenvolvimento, que é todo financiamento, as ações, respeitando a cultura, as tradições, de cada etnia. Voltado para o fortalecimento da própria aldeia, do coletivo, de acordo com as suas tradições étnicas e culturais. No seio do Microbacias II, as exigências burocráticas da parceria Banco Mundial e Cati – a operacionalizadora pelo governo do Estado de São Paulo – havia uma série de exigências para atender esses dois parceiros. Que na verdade acaba quebrando o compromisso com os indígenas que iam acabar excluindo uma série de aldeias do Estado de São Paulo do acesso ao recurso.
O primeiro filtro é a terra tem que estar homologada, ou seja, regularizada, esse é um problema porque excluiu várias aldeias do Estado, principalmente na Baixada Santista onde tem uma concentração de vinte e nove Aldeias – houve uma exclusão muito grande de aldeias no primeiro filtro. O segundo filtro foi a exigência de associativismo. A associação é uma organização que é do nosso mundo, não indígena. E, junto com a exigência da organização de uma associação vem uma série de outras exigências burocráticas, como por exemplo, prepara-los para fazer tomada de preços, fazer a elaboração dos projetos de etnodesenvolvimento, fazer a elaboração de projetos comunitários, criando custos de abertura e manutenção da associação para os indígenas.
O Banco Mundial junto com a Cati queria terceirizar inicialmente essa parte do Programa de Microbacias II, havia um grupo de extensionistas muito identificado com os indígenas que na pessoa do Abelardo Gonçalves Pinto – um extensionista aposentado da Cati – ele coordenou em todo o Estado de São Paulo e, eu fui um monitor desse Projeto na Baixada Santista. Estou publicando, com ele, agora, dois textos, um para o capítulo de um e-book organizado pela Unicamp, trata-se de uma análise que a gente faz do Microbacias I e do Microbacias II, e, também para uma revista de um Grupo de Extensionistas do Brasil, só sobre a terra indígena.
Ao mesmo tempo que o Microbacias II criou essa oportunidade da gente constituir um grupo de extensionistas dentro da Cati, para o trabalho com comunidades tradicionais, o próprio Projeto tinha lacunas que excluíam várias aldeias, isso pra nós, também foi um problema. No Estado de São Paulo, naquele momento, havia quarenta e seis aldeias, por problema fundiário, falta de homologação, o primeiro filtro, caiu pra vinte e uma aldeias aptas a ter acesso ao recurso. O segundo filtro, foi a exigência da associação (de produtores). Os quilombolas se adaptaram muito melhor a essas exigências porque eles já tinham tanto a terra homologada como tinham a prática de associativismo. A cultura dos quilombolas é outra, diferente do indígenas que tem uma organização interna fundamentada no caciquismo, uma outra lógica, eles também tinham o problema fundiário. Então, do total de quarenta e seis aldeias, onze delas conseguiram o acesso ao recurso do Microbacias II.
JPR: Como tem se dado a Ater depois da finalização do Microbacias II, sem recursos?
Newton: Todas as onze aldeias estão muito fortalecidas com os recursos do Microbacias II. O Ater indígena no Estado de São Paulo tem um marco, que é o Microbacias II que trouxe o financiamento mas, ele veio com exigências do mundo dos não indígenas, até por questão legal e jurídica. Aqui na Baixada Santista nós trabalhamos com as aldeias como extensionistas, independente do fato de estarem homologadas ou não, fazemos cursos com eles de Turismo de Base Comunitária, damos assistência técnica para a criação de peixes, para o plantio de pupunha, para hortas, por exemplo. Para receber recursos a terra tem que estar homologada, então, o dinheiro tem que vir por outra fonte, de emenda parlamentar, de compensação de alguma empresa que está impactando alguma área indígena.
Nós começamos um trabalho no sentido de viabilizar aqueles investimentos que foram feitos. Por exemplo, a Aldeia Aguapeú, de Mongaguá (SP), lá foi financiado a compra de barcos (fica perto de um rio), o plantio de pupunha, o plantio de frutíferas, uma unidade de processamento de banana – essa aldeia é muito organizada, então, nós passamos a dar uma assistência para essas pessoas que pegaram esses recursos e, para as outras aldeias a assistência como antes.
JPR: Como estava a Ater nas aldeias até a chegada da pandemia?
Newton: Antes de chegar a pandemia, nós tivemos um fenômeno político em 2019, isso foi extremamente negativo para todo esse trabalho, em todos os territórios que tiveram sucesso, onde foram montadas redes sociotécnicas, as redes de profissionais que tinham alguma relação de trabalho com os indígenas; nós da Cati, os técnicos das prefeituras e principalmente a Funai. Os técnicos da Funai e os indigenistas viam com ressalvas esse Projeto da Cati porque eles já apontavam que havia o problema de não atender as aldeias não homologadas e também, o fato do associativismo ser uma exigência. Ainda assim eles apoiaram o Projeto Microbacias II e entraram com a gente em tudo isso, inclusive a respeito das próprias diferenças étnicas que existem nas aldeias. Isso foi muito importante porém, em 2019, a entrada do presidente Bolsonaro tirou o Cristiano Hutter, coordenador regional da Funai – coordenação leste que inclui todo o Estado de São Paulo e Rio de Janeiro – e colocou um militar.
Quando os indígenas da Baixada Santista souberam que o Cristiano Hutter tinha sido exonerado eles ocuparam a sede da Funai, a Coordenação Regional Litoral Sudeste da Funai fica aqui em Itanhaém (SP). Vieram indígenas do Rio de Janeiro, de Avaí (SP), de todos os locais, e ocuparam por trinta dias dentro da sede e, o governo Bolsonaro falou, “se vocês continuarem aí nós vamos criminalizar vocês”. Na verdade, tem um Tratado Internacional que o Brasil é signatário da Organização Internacional do Trabalho, OIT, que diz o seguinte, “todas as ações governamentais que afetem os indígenas, eles tem que ser consultados”. Então, quando troca um coordenador regional, toda a comunidade indígena tem que ser consultada a respeito, de tudo o que se refere a ela. O Ministério Público entrou com a ação judicial solicitando informações. Os indígenas entraram com ação judicial exigindo que o Cristiano Hutter fosse mantido e o tenente do exército fosse retirado. O militar ainda está lá. O Cristiano foi para o Estado do Pará dar assistência indígena em uma empresa terceirizada pelo governo federal que retirou os recursos dessa empresa e, ele foi demitido – aí ele voltou.
Aqui na Baixada Santista, uma transportadora está duplicando a ferrovia e isso afeta tanto as aldeias de São Paulo, como afeta até o município de Itanhaém. Foi conseguido, depois de ação judicial e acordo com o Ministério Público, uma compensação ambiental. Agora, uma série de projetos estão sendo desenvolvidos – mas não é por ONG, não é por empresa, os próprios indígenas se organizaram e fazem a gestão dos recursos – através da organização, a Inter Aldeias e, eles contrataram o Cristiano Hutter, agora voltamos a trabalhar juntos.
JPR: Quais são os projetos viabilizados pelos recursos de impacto ambiental nessas aldeias devido a duplicação da ferrovia?
Newton: Eles tem um trabalho com abelhas sem ferrão, implantação de internet nas aldeias, um trabalho de recuperação das Casas de Reza das aldeias mas, só nas aldeias que são impactadas por essa obra da duplicação da ferrovia. A parte da Cati, estivemos com eles no ano de 2019, dando apoio nos projetos que foram implantados anteriormente, para não se tornar “um elefante branco”, para que funcionassem e, estava funcionando. Em 2020, a minha última ação em campo — estamos implantando a tilápia herbívora que come capim e vegetais — eu vinha trabalhando com essa espécie, produzindo a criação nas aldeias indígenas, porque elas não dependem de ração, depende do indígena cultivar e alimentar com o verde, em tanques fechados de recirculação de água — financiado pelo Microbacias — só que veio a pandemia.
O Turismo de Base Comunitária, foi a atividade mais financiada para os indígenas pelo Microbacias II na Baixada Santista, ele é um turismo que o visitante vai para conhecer a cultura indígena, eles (indígenas) oferecem o que eles são. Por exemplo, contando a história da etnia deles, a relação deles com o criador Nhanderu, eles ensinam as pessoas na prática do arco e flecha, na parte de jogos — são uma série de jogos e brincadeiras que eles chamam de trens chundaro (os indígenas jovens das aldeias), todos os treinamentos são para aguçar a percepção, o golpe de vista de quem anda no mato – e a parte de cultura, canto, dança, a comida típica.
O curso de Turismo de Base Comunitária, iniciado em 2018, proporcionou que cada aldeia fizesse o seu “roteiro”, porque quem define o roteiro no turismo de Base Comunitária não é o turista. O turista é um visitante que vai até lá para conhecer a cultura, são escolas, estudo do meio, tem aldeia que o visitante vê o cultivo de agrofloresta, passeia de barco com os indígenas apreciando o bioma da Mata Atlântica, a partir da ótica do indígena.
JPR: Conte-nos sobre o protagonismo político dos indígenas da Baixada Santista.
Newton: É impressionante a organização. Eles participam, por exemplo, do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, da Câmara Temática de Agropecuária, Pesca e Economia Solidária, do Conselho de Desenvolvimento Econômico da Região Metropolitana – Condesb que é vinculada ao governo do Estado. Alguns indígenas fazem graduação, através de um acordo deles com a Igreja Católica, que foi muito injusta e incorreta com os indígenas durante a colonização no Brasil – a Igreja cedeu vagas para os indígenas estudarem na Universidade Católica de Santos. Temos indígena que faz mestrado tendo que percorrer 80 km na estrada de asfalto e mais 20 km de estrada de chão batido, para chegar até sua aldeia. Tem gente que sai de Mongaguá, desce o morro, atravessa um rio, caminha até a estrada (rodovia) para pegar o ônibus, diariamente, pra chegar na Universidade em Santos. Eram trinta e seis indígenas no ensino universitário, caiu bastante o número porque há uma falha nesse projeto, onde se dá a bolsa de estudos mas, não se dá recursos para alimentação e transporte, ou moradia.
JPR: Não dá pra pensar nos resultados positivos obtidos com os indígenas sem levar em consideração o papel desempenhado pelas entidades e, de todos os profissionais envolvidos. Você pode traçar um panorama do que foi toda essa articulação para a obtenção desses resultados?
Newton: Antes de entrar no Programa dos indígenas, eu estava em um outro Projeto e observava esse trabalho dos indígenas aqui na Baixada, que não estava indo bem, o Abelardo que era o coordenador me convidou para entrar, “se você não entrar vai ficar difícil alcançar os resultados”. Mas eu estava em um projeto com o financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) do Estado de São Paulo e tinha que finalizar, apresentar o resultado técnico e fazer a prestação de contas desse projeto. Quando eu acabei, entrei no projeto dos indígenas e fizemos uma reunião, falei o seguinte para o Abelardo, “tem uma controvérsia colocada, a Funai não aceita o Programa de Microbacias II como ele é, com esses dois filtros, na questão fundiária e do associativismo. A questão é, se não resolver isso não tem Projeto, o Microbacias II não vai ser feito porque a Funai é muito importante”. A partir desse momento, a gente passou a dar um tratamento a Funai de ir para o campo com eles e dizer para os indígenas assim, “a gente só tem duas coisas a fazer. Uma, a gente assume esse Projeto de Microbacias II e tenta junto com os indígenas superar essas limitações trabalhando nas aldeias que pode e, nas que não, vai ter investimento a gente vai dar o suporte técnico de todos nós – a gente assume o Projeto e coloca pra funcionar. A outra, o que a gente pode fazer é falar para ao Banco Mundial e para a Cat; ‘muito obrigado’. Só que isso, quem tem que decidir são os indígenas” – isso foi dito em reunião com a Funai.
Nós passamos a visitar todas as aldeias junto com a Funai, então, você observa que a partir dessa controvérsia que havia, começou um movimento de cooperação que é trabalhar junto para superar os problemas. Esse esforço para a superação, já é a construção de uma rede de técnicos, juntos para superar um problema com os indígenas e entre nós. Aí, começaram as reuniões mensais aqui na Baixada entre esses técnicos para avaliar os resultados nas aldeias. E, todos os indígenas e todas as aldeias queriam o Projeto e a gente decidiu também fazer gestão no sentido de tentar quebrar a resistência da Cati e do Banco Mundial para financiar as aldeias não homologadas.
JPR: Quais foram as estratégias usadas para alcançar os resultados?
Newton: A estratégia era a Câmara Temática de Agropecuária, Pesca e Economia Solidária, aqui, do Condesb, a gente foi pra lá e debatemos. Fizemos um documento e um vereador da Câmara Municipal de Santos apresentou. No documento, a gente aborda com mais especificidade que os indígenas estavam em unidades de conservação, nós se quer poderíamos entrar, porque a Secretaria do Meio Ambiente fez a Cati assinar um documento de que os extensionistas não entrariam para trabalhar com os indígenas — fizemos um documento provando que onde tem mata, onde tem ganho ambiental os indígenas estão lá. Até hoje, isso não foi resolvido. A palavra final dos órgãos é de que não pode fazer extensão nessas aldeias e nem vai ter investimento.
Trouxemos, junto com o Abelardo, um referencial teórico que se chama Sociologia da Inovação, é um referencial teórico elaborado na França, ajuda a compreender como um projeto fracassou ou porque obteve sucesso ou esse referencial serve também para se construir projetos. A Sociologia da Inovação tem um conceito que chama rede sociotécnica.
Nós lançamos a seguinte proposta, os técnicos da Funai, das prefeituras, da Cati; tem que constituir uma rede sociotécnica que vai viabilizar o Projeto Microbacias II. Isso que foi construído aqui na Baixada, a gente debatendo com os técnicos e mostrando esse referencial teórico. O Abelardo começou trabalhar a construção dessas redes sociotécnicas regionalmente. Por exemplo, no Vale do Ribeira foi construído uma rede sociotécnica onde está o Itesp, a Cati e, uma freira da igreja Católica, que trabalhava com os indígenas, também entrou pra ajudar — todos os técnicos e as pessoas que queriam ajudar no projeto montavam essa rede e, toda semana tinha o alinhamento de ação, o que fazer.
E, nas reuniões com os indígenas sentavam todo mundo junto. Quando surgia uma atividade fim, tem que legalizar a associação, ali juntavam pessoas da prefeitura para fazer. Precisava da assistência técnica para o plantio da pupunha, ali estava o técnico da Cati para fazer. Tem que ter o cara para trabalhar com o Turismo de Base Comunitária ou piscicultura, estava ali o técnico também. É uma rede de apoio que funciona e otimiza tudo. Não adianta você ser minha vizinha, morar a 20 metros de mim, você trabalhar com indígena e eu também, se a gente no máximo, dá bom dia e boa tarde. Entendeu ou não? A gente tem que estar em relação com a nossas instituições, com o nosso trabalho e a gente trabalhando juntos vamos potencializar resultados — nos apoiar mutuamente e conseguir apoiar os indígenas, é isso. Uma proximidade geográfica que é ativada pela rede sociotécnica, permite o espaço de cooperação entre os técnicos.
Essa forma de organização de trabalho começou pela Baixada Santista. O Abelardo entendeu que isso poderia ser extrapolado, então, ele encaminhou isso, levou para Avaí, para Registro, para Ubatuba, acabou que o Microbacias II, para as populações tradicionais, criou-se redes sociotécnicas de assistência técnica e extensão rural em cada uma dessas regiões. Foi isso, um referencial teórico. Até o mês de agosto, próximo, saem dois textos que são definitivos, analisando e explicando esse trabalho, como já citei anteriormente, organizado pela Unicamp e pelo Grupo de Extensionistas do Brasil, só, sobre a terra indígena.
JPR: O Projeto Microbacias II, como política pública, deixou frutos para além da Ater?
Newton: Termos como rede sociotécnica, é utilizado não só por mim, é utilizado pelo agrônomo extensionista de Itanhaém, pela gestora de economia solidária de Peruíbe; isso foi assimilado entre nós. Pra você ter idéia, eu fui à França e, conversei com o Bruno Latour sobre isso quando fiz o meu doutoramento lá na França, usei esse referencial teórico, na minha tese de doutorado. Eu vinha com isso na cabeça e seguindo a implementação disso. Foi a base teórica da construção das redes sociotécnicas de Ater, tanto para indígenas como para quilombolas, dentro do Microbacias II. O que a gente reivindica, obviamente, hoje, o Abelardo está na Associação Paulista de Extensão Rural assim como eu, é que o governo do Estado mantenha essa política de apoio as comunidades tradicionais.
Tem uma série de objetivos que foram alcançados, que na verdade não estavam traçados no Microbacias II, a metodologia de trabalho em rede não estava, por exemplo — ela permitiu que a gente fizesse, já é um ganho. Temos uma rede de cooperação que pode ser mantida. Pra você ter ideia, depois desse trabalho, nós conversamos com todas as pessoas ligadas a todas as religiões que a gente tinha conhecimento aqui na Baixada e fizemos o lançamento do “Observatório Indígena”. O dia da luta contra a intolerância religiosa é no dia 20 de janeiro e, o dia da consciência indígena é no dia 21 de janeiro. Fizemos um ato na concha acústica de Santos reunindo todas as religiões para esse ato e, ao mesmo tempo os indígenas presentes, que também tem suas crenças religiosas e tem que ser respeitados. O “Observatório Indígena” é resultado de toda essa aproximação que tivemos com os indígenas. Em 2017, criamos o primeiro Fórum Social da Baixada Santista. Em 2019, aconteceu o segundo. E, o Fórum Social passou a ser permanente e os indígenas participam também. Toda essa aproximação nossa com os indígenas permitiu que eles tivessem maior visibilidade, maior interação com outros movimentos e, esses movimentos passaram a dar apoio e com isso eles estão mais fortalecidos — é o impacto que eu vejo que não estava previsto; as redes, essa metodologia permite que se alcance isso.
Uma outra coisa, por mais que se reclame das associações, desse método, todos os projetos de financiamento para indígenas exige o associativismo. Então, uma parte dos indígenas tem conhecimento e estão preparados pra isso; é um outro ganho.
Mais um outro ganho que eu vejo, é a autoestima de muitos. Porque não tem precedente um Projeto que só na Baixada Santista investiu R$ 1.800 milhão. E, também houve uma melhora na estruturação de aspectos com o Turismo de Base Comunitária que gera renda, melhor aspectos de segurança alimentar como os impactos diretos que se esperava
Outros objetivos que foram alcançados, outros impactos que não estavam traçados, como tudo isso que falo da visibilidade dos indígenas e da inserção deles em outros movimentos como o Fórum Social da Baixada, como o “Observatório Indígena” foi criado, tudo isso me parece que não é um resultado direto desse trabalho de Ater, o trabalho de Ater ajudou muito porque se constituiu uma rede e essa rede é assim, por exemplo, o Microbacias não previa um engenheiro pra fazer o projeto, nós fomos atrás de um engenheiro e ele fez gratuitamente — ele passa a integrar essa rede. O Microbacias II não previa o pagamento de contador. Queria que o indígena tivesse associação mas, não tinha o dinheiro para pagar o contador. A contadora que entrou na rede faz de graça o trabalho; a gente conseguiu o apoio da sociedade aos indígenas. Eu acho que de alguma forma o envolvimento das prefeituras também aumentou, então, tudo isso quando o Bolsonaro botou o tenente aqui, era pra desmontar mesmo.
Consideração final:
Newton: “O que eu sempre falo é que a minha vida, na verdade, a nossa vida é feita de alguns marcos, eventos importantes que acontecem que nos dá uma outra visão de mundo ou aperfeiçoa a nossa visão de mundo. Acho que começar trabalhar com os indígenas pra mim me enriqueceu culturalmente, me deu uma visão de um mundo melhor, de trabalho coletivo e também em relação a espiritualidade. Adriana, eu nunca acreditei em Deus, nunca! Pra mim a ideia mais maluca que o ser humano poderia ter criado foi Deus — que eu achava que era uma criação humana. Mas convivendo com os indígenas, observando as práticas, a fé, eu passei acreditar em Nhanderu. Nhanderu é deus. Mas eles tem uma relação com Deus diferente da nossa, deus pra eles é sagrado, efetivamente sagrado. Deus pra eles é uma entidade que lhes dá fé pra viver, pra superar os problemas que eles vivem, desde que os portugueses chegaram nessas terras. Nhanderu tem uma presença continuada na vida deles, de fé constantemente, isso é deus com o nome de Nhanderu. Então, eu passei acreditar em deus por meio dos indígenas, Adriana. Eles me deram isso de presente”, concluiu Newton Rodrigues.