Jornal Pires Rural – Edição 219 | CAMPINAS, Agosto de 2018 | Ano XIII
O Fórum ‘Suicídio – Des/compassos da vida: números, atos e demandas’, teve o objetivo de promover o conhecimento e debate do cenário do suicídio, hoje, no Brasil. Fenômeno descortinado com grande visibilidade no ano de 2017, especialmente por suas dimensões crescentes e impactantes, ganhou espaço contundente nas grandes mídias e mídias sociais.
Aglaêr Alves da Nóbrega, do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, esteve no Fórum e participou da mesa: “Suicídio e dor na contemporaneidade: cenários nacionais e internacionais”. A apresentação trouxe dados referentes aos números de suicídios, do Ministério da Saúde, dados sobre os óbitos e o meio utilizado e, o relato de um caso de nome fictício para ilustrar como deve ocorrer o atendimento, nos serviços de saúde, quando constatado como tentativa de suicídio.
Segundo Aglaêr, a importância do Fórum diz respeito à importância de romper o silêncio sobre um tema cercado de tabus que ainda estamos aprendendo e precisamos aprender como abordar, como lidar, como ajudar. “Nós precisamos falar do tema suicídio para rompermos com esse silêncio e possamos conhecer o tema e compreendê-lo com profundidade. Descobrirmos qual são os determinantes e condicionantes que estão relacionados (ao suicídio), para que desta forma tenhamos nossas ações embasadas em evidências científicas. Mas, para que tudo isso ocorra é imprescindível que a gente coloque o terma do suicídio em nossas agendas. E é por isso que o tema suicídio, hoje, já está na agenda dos objetivos do desenvolvimento sustentável, com o objetivo de reduzir a taxa de mortalidade do suicídio no Brasil até 2030. Também está no Plano de Ação de Saúde Mental 2013/2030 da Organização Mundial da Saúde – OMS, no Plano de Ação e Saúde Mental de 2015 a 2020 da Organização Pan-Americana da Saúde e, desde 2016 faz parte da Agenda Estratégica do Ministério da Saúde” afirmou.
Aglaêr apresentou os números de suicídios pelo Ministério da Saúde: “Por que esse tema foi colocado na agenda do Ministério da Saúde? Porque a Organização Mundial da Saúde – OMS estima que mais de 900 mil pessoas tiram a sua vida a cada ano. É a segunda maior causa de morte entre os jovens entre 15 e 29 anos. No Brasil, são 11 mil pessoas que vão a óbito por ano por esta causa. Ela é a terceira causa para o sexo masculino e a nona do sexo feminino no Brasil.
Entre 2011 e 2015 nós registramos aproximadamente 176 mil lesões, destas 27% foram tentativas de suicídio e, destas tentativas 69% foram perpetradas por mulheres. O principal meio utilizado para a tentativa foram envenenamento e a intoxicação exógena. Dentre essas tentativas de suicídio 31% das mulheres e 26% dos homens já haviam tentado o suicídio anteriormente”, explicou.
Referente aos óbitos os dados do Ministério da Saúde são: “Com relação aos óbitos, nesse período de 2011 a 2016 foram registrados aproximadamente 63 mil mortes por suicídio no Brasil. Ao contrário do que nós observamos, na tentativa são os homens a proporção maior que vão a óbito. A taxa de mortalidade de suicídio por homens é de 8,7%. De 2011 a 2015, estamos observando um crescimento ainda discreto da taxa de mortalidade por suicídio no Brasil. Saiu de 5,3% em 2011 para 5,7% em 2015. Ainda precisamos entender o que está acontecendo. Quanto a faixa etária, no Brasil, nesse período que realizamos os estudos foi a população de 70 e mais 1 ano de idade que apresentou a mortalidade chegando a 8,9%. A população indígena é aquela que apresenta a maior taxa de mortalidade no nosso país. Quanto a proporção de óbitos, quando vamos observar a faixa etária mais acometida, a população indígena apresenta aproximadamente 45% dos suicídios, na faixa etária de 10 a 19 anos – quase oito vezes maior que as observadas nas raças branca e negra no Brasil”, revelou.
Sobre o meio utilizado: “O meio mais utilizado em ambos os sexos é o enforcamento. A intoxicação exógena acontece mais entre as mulheres. E o uso de arma de fogo é mais comum entre os homens. Esses dados devem ser levados em conta quando pensarmos em nossas medidas de prevenção. No Brasil, a maior proporção de óbitos por suicídio são provocados por solteiro, viúvo e divorciadas, chegando a 60% dos registros de óbitos”, avaliou.
Pelo Brasil afora
Segundo dados do Ministério da Saúde, temos registros de óbitos em todos os estados do país. O maior índice de mortalidade está localizado na região sul do Brasil – sendo o Rio Grande do Sul a maior taxa do país. “Para termos uma ideia, o Rio Grande do Sul corresponde a 14% da população brasileira e tem 23% dos óbitos por suicídio do Brasil. Seguido pelos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Piauí”, sustentou.
Para ilustrar como deve acontecer um atendimento no serviços de saúde, Aglaêr trouxe o relato de um caso com nome fictício: “Quando olhamos para esses dados não temos dimensão da dor e do sofrimento que estão por trás dele, por isso é imprescindível que nós possamos definir esse novo olhar, um outro olhar sobre o que está acontecendo para tentar entender e nos conscientizarmos”, disse.
Um relato, um recorte de um caso
“Tânia (um nome fictício de uma história real). A Tânia é uma adolescente que tenta o suicídio e vai ao atendimento de saúde. A família é orientada a levá-la ao Centro de Assistência Psicossocial – mas, não há registro de atendimento da Tânia no CAPs, isso ocorreu em 2012. Em junho de 2013, a Tânia é trazida por desconhecidos a uma Unidade de Pronto Atendimento, a suspeita é de violência sexual – foi feito um protocolo de atendimento. Em abril de 2015, a Tânia foi encontrada morta, enforcada, no terraço de sua casa. A Tânia passou duas vezes (pelo menos) pelo serviço público de saúde e foi registrado porque a tentativa de homicídio e violência sexual são (fatos de registros) obrigatórios em nosso país. Os dados da Tânia foi registrado mas, nós não podemos apenas utilizar os nossos dados para o preenchimento a título de informação. Os dados precisam da informação porque, embasado nesse conhecimento e nessas informações, nós formulamos as nossas políticas públicas de saúde e onde nós tomamos nossas decisões. Esse conhecimento precisa, e deve ser imprescindível, que ele leve a uma ação. Porque a tentativa de suicídio é uma grave notificação imediata, isso significa que ele precisa ser comunicado ao sistema de saúde nas primeiras 24h do atendimento – em qualquer ponto da rede (de atendimento de saúde) pública. Porque isso precisa ser feito? Não é só para o preenchimento de uma ficha e uma entrada no sistema de informação, é porque essa notificação precisa gerar uma ação dentro do serviço de saúde. Uma ação que leve ao acompanhamento, ao acolhimento, ao atendimento dessa pessoa, durante a crise e após a crise. Ela precisa ser acompanhada e nós precisamos estar atentos a isso, em nossos atendimentos, porque essa ação e esse registro vai levar nossas ações para um olhar individual para essa pessoa que pede ajuda e que precisa de ajuda. Precisamos estender nossas mãos para acolher essa pessoa, para levar conforto, trabalhar nas nossas vigilâncias, não só o registro e a qualidade do óbito (que é importante) mas também, trabalhar na nossa vigilância com amor e com solidariedade”, concluiu.