Jornal Pires Rural – Edição 221 | SÃO PAULO, Outubro de 2018 | Ano XIII
“Acho que estamos num momento atemorizante desse que se propôs na discussão, ‘caos ou construção de uma nova ordem ou desordem da informação’. Houve um dossiê europeu, lançado a pouco, em torno da questão das fake news, e a primeira consideração que eles fazem é: “por favor, parem de usar a palavra fake news. Vamos falar desinformação”. Foi assim que Ivana Bentes iniciou sua fala no Seminário Jornalismo: as novas configurações do Quarto Poder, realizado na unidade do Sesc Vila Mariana em São Paulo, com cobertura do Jornal Pires Rural, em todas as palestras. Foram abordados temas sobre as práticas jornalísticas na atualidade e o desempenho da imprensa como agente de formação da consciência política e social.
Ivana Bentes, é professora e diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO- URFJ). Ensaísta, curadora e pesquisadora, desenvolve estudos na área de comunicação e cultura, também é autora de diversos livros, entre eles “Mídia-multidão”(Mauad) e “Ecos do cinema – de Lumière ao digital” (UFRJ).
Ivana expõe, “O que é fake news? Fake news é uma informação que se passa por notícia, ou usa a forma da notícia, com a intenção de malversar um fato. Ao mesmo tempo, é impossível pensarmos, discutir e debater fake news sem pensar nesse momento novo da entrada gigantescas de pessoas na produção da informação, na produção, inclusive, da notícia, que foi muito celebrada por todos nós, no campo da teoria da comunicação, no campo do jornalismo, que é aquele momento, certamente utópico e celebratório, do que seria exatamente a democratização do campo da comunicação, com as novas tecnologias, que esse ambiente de apropriação tecnológica, pelos mais diversos grupos e que, efetivamente aconteceu. Estamos vivendo uma experiência bastante nova, daí eu defendo o uso da palavra fake news porque, é muito bom quando você tem uma palavra nova pra definir algo que já existia, pois, malversação de notícias é só pegar a Veja, O Globo, Estadão, A Folha, qualquer grande jornal malversa a informação”, referindo-se as notícias falsas e fatos fabricados com a intenção de destruir reputações, dizendo ainda, que são práticas que sempre existiram na grande mídia e que agora estão ganhando novos protagonistas, sendo potencializadas com a internet e as redes sociais.
Crenças
Recentemente as iniciativas de checagem dos fatos pelas agências e da grande imprensa nos colocam diante de uma dualidade entre o que é verdadeiro e o que é falso, “trabalhamos hoje, com uma escala, inclusive de veracidade, que vai do verdadeiro ao falso. Entre verdadeiro e falso existe gradações que hoje, inclusive, as agências de checagem trabalham de forma muito interessante, nos mostrando que entre verdadeiro e falso, tem: exagerado, malversado, tem o inconsistente, o insustentável, tem o indemonstrável. Para o campo da comunicação, do jornalismo é muito importante, muito saudável. É uma pedagogia, que as fake news estão trazendo a um campo mais ampliado, essa suspeição em torno da verdade. Não vamos dizer que a crise da desinformação e a crise da verdade, ela é produzida pelo pós-modernismo, a culpa não é de (Michel) Foucault, não culpa de (Friedrich) Nietzsche, não é de nenhum desses grandes pensadores que já colocavam a verdade em ‘xeque’ há muito tempo. Sendo através de uma construção, e mais do que uma construção, talvez, ao invés do regime de verdade, tenhamos que debruçar sobre regimes de crença. O que a fake news explicita, é para além das pessoas quererem saber se algo é verdadeiro ou falso, elas querem afirmar suas crenças. Elas querem argumentos para afirmar o que elas já acreditam, que é o viés de confirmação que está presente em cada “meme” de fake news viralizado, automatizado em quantidade enorme de pessoas; “eu quero um meme pra viver”, elucidou a professora.
Conteúdo
Na opinião de Ivana Bentes, essa realidade ela chama de ‘cultura da desinformação’ e criminalizar as tecnologias, as plataformas e os aplicativos não é a saída para a questão, que já transbordou o campo do jornalismo e deve ser discutida pela sociedade em geral, por exemplo, dentro das escolas e universidades. “Estão querendo acreditar que existe uma conspiração Latino-americana, da construção do comunismo que vai dominar o continente (a tal do URSAL). Então, como nós descontraímos crenças? Temos que fazer a discussão de forma mais ampla, como qualquer um pode difundir uma informação verdadeira, falsa, boato, estapafúrdia, crença, ou seja, isso é a novidade. Por isso, eu acho que a palavra fake news é interessante pois, ela aparece pós esse fenômeno, inclusive, ligada a eleição do (Donald) Trump, nos E.U.A., onde se produziu uma quantidade enorme de fatos inverídicos, que vinham responder o que as pessoas queriam acreditar.
Isso é um campo muito amplo muito além do campo da informação, da racionalidade, do jornalismo, dos profissionais que foram formados nas escolas de comunicação. O fenômeno é muito mais irracional, muito mais emocional e afetivo do que qualquer das nossas vans crenças de racionalidade. As pessoas falam como se ninguém estivesse ouvindo e, o que é dito não fosse passível de judicialização. A relação de um grupo de pessoas com um repertório muito limitado, só frequenta o WhatsApp, e o que acontece ali como se controla ou como se desmente? Uma quantidade muito grande, milhares de pessoas no Brasil, na Índia, é impressionante os dados em relação aos danos produzidos pelas fake news, nessa população de repertório limitado. Não sendo classista mas, as fake news também estão sendo produzidas ‘industrialmente’, por jornalistas profissionais como um novo modelo de negócio do jornalismo. Isso produz dados, produz acesso, produz clique, produz curtidas, ou seja, a economia do ‘like’, do curtir e da viralização em torno da fake news é um novo modelo de negócio da produção da informação”, disse Ivana, já indicando para uma nova ordem econômica ligado ao conteúdo.
Redes
“Plataformas como o Facebook e o WhatsApp tem o modelo de negócio deles ligado a fake news como um horizonte. Não à toa, foi após essas plataformas que as fake news viralizaram ao ponto de produzir danos, linchamento, reportar contra vacinas, então veja, a entrada de grupos com repertórios distintos, crenças distintas mas, capazes de automatizar as suas crenças, viralizar numa velocidade tão grande quanto as corporações, é incrível! Defendo que isso é algo interessante para a democracia, pois está colocando a democracia nesse o caos/ construção. Digamos que é um paradoxo que foi produzido pela própria democratização e expansão desse novo modelo de automação e velocidade. As plataformas hoje, são armas de destruição em massa e também de construção de novas formas democráticas. Mas, não se trata de condenar as redes sociais ou fazer como as grandes corporações de jornalismo estão fazendo, com um discurso repetido de forma preocupante, que dizem: ‘fake news são os outros. Nós os corporativos, nós os profissionais, nós os jornalistas zeladores da ética e dos bons costumes, estamos numa posição super confortável, não leio e nem faço das redes sociais referências de notícias’. Ao meu ver, isso é absolutamente enviesado, corporativo e uma tentativa de construção de reserva de mercado para uma ética jornalística que nunca existiu”, asseverou Ivana.
Para encerrar a professora apontou, “essas são as considerações que trago para o debate. O novo modelo de negócio em torno das fake news, a relação do “nós e dos outros” e ao mesmo tempo essa entrada de grupos com acesso ao Facebook e WhatsApp. Pontuando, gostaria de registrar aqui que o WhatsApp acabou de lançar um prêmio de combate a fake news e o Facebook também está se articulando em torno desse tema, que parece ter encontrado um ‘locus’ propicio para produzir dolo e estrago. A minha questão principal é que temos que fazer uma discussão decisiva na relação entre fake news e danos públicos, políticos e de reputação, até sobre a revolta contra as vacinas”. Qual o maior culpado: quem cria ou quem compartilha as notícias falsas? Para ela, toda a “cadeia produtiva” deve ser responsabilizada, inclusive judicialmente, desde quem produz, passando por quem financia, quem faz disso um negócio lucrativo e depois compartilha.