Jornal Pires Rural – Edição 202 | CAMPINAS, Agosto de 2017 | Ano XII
No livro Impeachment Presidencial e a Nova Instabilidade Política na América Latina os meios de comunicação passam a ter o papel de watchdog dos interesses da sociedade e desenvolvem o chamado jornalismo investigativo
João Feres Junior do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro esteve presente no Fórum Permanente de Políticas Públicas e Cidadania realizado pela Unicamp, onde abordou o tema “Das ruas às urnas? Percepções dos cidadãos sobre os rumos da democracia brasileira: de junho de 2013 aos dias atuais”
João Feres Junior do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP -UERJ), é cientista político e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) – que faz o levantamento do Manchetômetro (www.manchetometro.com.br), um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política e não tem qualquer filiação com partido político ou grupo econômico. João esteve presente no Fórum Permanente de Políticas Públicas e Cidadania realizado pela Unicamp, onde abordou o tema “Das ruas às urnas? Percepções dos cidadãos sobre os rumos da democracia brasileira: de junho de 2013 aos dias atuais”, focando a mídia, a corrupção e o impeachment no Brasil.
Analisando dados da cobertura da mídia durante o impeachment de Dilma Rousseff, publicado no Manchetômetro, João recorreu, em seu estudo, aos argumentos do cientista político argentino Aníbal Pérez-Liñan, que foi um dos protagonistas na América Latina a tratar a questão do impeachment focando o importante papel da mídia no processo. O argentino tenta explicar a instabilidade política vivida pela América Latina, que resulta em substituições de presidentes através do impeachment, e não mais pelo Golpe Militar, como era no passado. “Os países latinos americanos implantaram o sistema de presidencialismo de coalizão, eivado de um problema essencial de construção de estrutura, um conflito entre os poderes executivos e legislativo”, explicou João. O termo presidencialismo de coalizão, seu artigo original, vem de Sergio Abranches (sociólogo, cientista político e escritor), “o sistema foi apresentado como um modelo problemático, com problema estrutural de estabilidade e vulnerabilidade”, exclamou João. Entretanto, outros estudiosos no Brasil, como exemplos; Angelina Figueiredo e Fernando Limongi, refutam a imagem negativa e fatalista da maneira de governar através do presidencialismo de coalizão. “Os autores mostram, com dados sólidos, que há estabilidade e governabilidade no presidencialismo de coalizão brasileiro, através do comportamento dos deputados, votando de maneira disciplinada, de acordo com as orientações partidárias, e que a presidente (Dilma Rousseff) de fato governava, em grande medida controlava a agenda e tinha um grande poder de agir no legislativo”, relembrou.
O papel da mídia
“Quando Pérez-Liñan, escolhe vários casos e tentativas de impeachment (Brasil, Venezuela, Guatemala, Equador, Paraguai, Peru, Argentina e Bolívia), revela condições gerais para que o impeachment seja aprovado através da exploração de escândalos de corrupção pela mídia, a ativação de movimentos populares contra o governo, movimento anti-corrupção, a perda de popularidade do presidente, perda da unidade da base parlamentar, são fatores que conduzem ao impeachment nos países”, descreveu João. Pérez-Liñan vê o comportamento da mídia e da América Latina de forma homogênea em seu livro (Impeachment Presidencial e a Nova Instabilidade Política na América Latina) e destaca que o processo de democratização trouxe a constitucionalização da liberdade de expressão e a profissionalização dos meios de comunicação, que antes eram ligados ao clientelismo político. Os meios passam a ter o papel de cão de guarda (watchdog) dos interesses da sociedade, vigiando o governo para que não viole o interesse público e desenvolvem o chamado jornalismo investigativo, para investigar casos de corrupção, principalmente nas estatais e se tornam independentes do poder político.
Manchetômetro
Segundo João, essa explicação de Pérez-Liñan não se aplica ao impeachment de Dilam Rousseff, ao analisar o comportamento da mídia no Brasil. “Contando o número de publicações dos 3 maiores jornais impressos do Brasil e do Jornal Nacional, na TV, as opiniões que são contrárias e neutras, sobre Dilma, desde o começo do seu governo até quando ela é removida do poder, há uma proporção de 3 negativos para 1 neutro. Em abril de 2015, os 4 jornais publicam 500 matérias negativas sobre o governo Dilma. Quando o Michel Temer assume a presidência, a mídia imediatamente passa a dar uma cobertura muito menos negativa para seu governo, tanto que os neutros estão ‘colados’ nas negativas. Levando-se em conta a continuação da crise política, os ministro de Temer foram alvo de várias acusações de corrupção, além da crise econômica. As variáveis contextuais não mudaram, o que mudou foi a cobertura da mídia. Tanto a intensidade quanto o valor da abordagem. Se a mídia fez um papel de watchdog em 2015, depois de maio de 2016 ela não o fez, então a tese de watchdog não se verifica. Essa é a conclusão lógica”, afirmou João.
Outra analise parte da exposição pela mídia em relação a políticos que não são presidentes. “No caso do senador Aécio Neves, durante o ano de 2016, ele foi acusado 6 vezes de estar envolvido em corrupção e nesse período a quantidade de matérias contrárias e neutras sobre ele, estão empatadas com 20 por mês, cada. Enquanto para Luis Inácio Lula da Silva, as matérias contrárias chegaram a 300, sendo que ele não ocupava cargo no governo. Foram 15 vezes mais material negativo para Lula do que para Aécio”, revelou João, pelos gráficos do Manchetômetro.
Comparações
Seguindo com seus argumentos, João Feres contraria a homogeneidade que Pérez-Liñan faz da América Latina, refutando a tese de que a mídia aumenta a intensidade da exploração de escândalos quando o presidente tem baixa popularidade e a performance econômica é fraca, relembrando o que ocorreu no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. “Com baixa popularidade, péssimos indicadores econômicos e potenciais escândalos de corrupção (‘privataria’ tucana), nunca foram explorados pela mídia” e quando “Lula chega no final de seu segundo mandato tendo altíssima popularidade (80%), ótima performance econômica, teve intensa exploração do escândalo do Mensalão, que foi construído pela mídia (inclusive o nome), e que constantemente tentou implicar Lula, além de atingir o PT”, relatou.
Pérez-Liñan também afirma que a mídia se comporta de maneira estratégica, sendo um filtro, mas nunca como ator político, seu comportamento revela um crescimento exponencial dos ataques e tem a lógica do feeding frenzy (uma situação em tentar obter o máximo possível de informações, especialmente de forma desagradável). João refuta esse pensamento de Pérez-Liñan, comparando dados de uma pesquisa popular à época, “a aprovação do Fernando Henrique, quando acaba seu mandato estava com 36% de ruim/péssimo e 26% de ótimo/bom. Os indicadores econômicos eram todos piores que o final do primeiro mandato de Dilma; a percepção de mal-estar da economia era grande, teve a privataria tucana (estudos mostram que o país teve um prejuízo de pelo menos R$ 2,4 bilhões com as privatizações, durante o governo FHC). A propina a Jereissati (empresário cearense Carlos Jereissati, proprietário da Infinity, comprador da Telemar, hoje Oi), Banco do Brasil perdoa dívida de Gregório Preciado, ex-sócio de Serra; uso de arapongas por José Serra (no Ministério da Saúde, utilizou os serviços de detetives, pagos com dinheiro público), Ricardo Sérgio de Oliveira (economista, ex-tesoureiro das campanhas de Serra e FHC, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e amigo de Serra) mantinha negócios com fundos de pensão (Previ e Petros). Nada disso foi explorado pela mídia”, declarou João. Essas afirmações foram baseadas no livro “A Privataria Tucana” de autoria do jornalista brasileiro Amaury Ribeiro Júnior, ex-repórter da revista ‘Isto É’ e do ‘O Globo’. João Feres também recorda Protógenes Queiróz, ex-delegado da Polícia Federal, eleito deputado federal em 2010 pelo PC do B – SP. Quando deputado, Protógenes Queiróz entregou ao presidente da Câmara, pedido para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre irregularidades em privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. “Baseado nas denuncias do livro de Amaury Ribeiro, Protógenes conseguiu colher um número mínimo de assinaturas para uma CPI. A mídia se negou a noticiar o conteúdo das denúncias ou mesmo a noticiar os esforços de Protógenes para colher as assinaturas – que recebeu a adesão inclusive de alguns PSDBistas”, ressaltou. “A grande mídia resistiu a incluir o livro “A Privataria Tucana” do Amaury Ribeiro Júnior em suas listas de mais vendidos, que estava fazendo enorme sucesso. Pra falar com todos os pingos nos ‘is’, a CPI acabou não acontecendo por um acordo do PSDB com o PT ”, recordou João.
Análises sociais e políticas
Para finalizar o professor destaca que Pérez-Liñan acaba por reproduzir a imagem que os meios de comunicação divulgam de si mesmos, o que está muito longe da realidade de ser um comportamento de agente político no Brasil. João Feres avisa,”sem democratização da comunicação não há democracia possível. As grandes empresas de comunicação brasileiras não se comportam como cães de guarda (watchdog) do interesse público, mas como auxiliares dos partidos políticos de direita e de centro direita. O jornalismo investigativo, quando há, é extremamente parcial e sempre interessado em implicar a esquerda política e poupar a direita. Trabalham muito mais próximos do registro da pós-verdade do que do modelo de jornalismo clássico, mesmo que utilizem esse ideal para legitimar sua própria conduta” completou.
O pesquisador reafirmou que a grande mídia brasileira não segue duas características fundamentais identificadas por Pérez-Liñan; Primeira: Ela não tende a explorar escândalos quando o presidente tem baixa popularidade e a performance econômica é fraca. Segundo: O comportamento da mídia também não segue a lógica do feeding frenzy, ou seja, o crescimento exponencial de ataques, “ou melhor, somente segue quando os escândalos atingem a esquerda. Vide os exemplos ligados ao PSDB como a privataria tucana, os escândalos do tremsalão e Alstom, em SP, ou das 7 acusações de corrupção das quais Aécio Neves foi objeto em 2016”, frisou.
“Nós que fazemos ciências sociais precisamos prestar atenção aos fenômenos. Se não integrarmos a questão da mídia em nossas análises sociais e políticas, algo que sociólogos e politólogos se negam a fazer reiteradamente, estamos nos cegando perante um problema central da democracia contemporânea, no Brasil e em nossos vizinhos. O cidadão comum só fica sabendo da corrupção ou de um crime que aconteceu na cidade, através da mídia. Uma sociedade de milhões de pessoas tem uma existência completamente midiática. Não podemos tratar a mídia como algo neutro, pois ela não é! Repito, temos que integrar a questão da mídia em nossas análises sociais e políticas, não podemos deixar de fora da equação uma parte muito importante, caso contrário, estaremos contribuindo, inclusive, para que as coisas continuem a ser como elas são, porque estou convencido de que a falta de democratização da mídia brasileira é o principal problema da nossa democracia, se isso não for resolvido, não vamos resolver a questão democrática”, asseverou João Feres Junior.