Jornal Pires Rural – Edição 202 | CAMPINAS, Agosto de 2017 | Ano XII
Professora Dra. Fabíola Sulpino, graduada em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP; Mestrado Profissional em Economia da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP; Doutorado em Saúde Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP e trabalha como especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Dra. Fabíola participou do Fórum “Pra onde caminha o SUS?” que aconteceu em agosto na Unicamp, em Campinas, onde iniciou sua participação traçando um breve histórico sobre o investimento com saúde pública no Brasil e alguns fatores que, futuramente, pressionará o financiamento da saúde.
O financiamento do SUS está previsto na Constituição Federal. Consta que o Sistema Único de Saúde – SUS, seria financiado com recursos da Seguridade Social como Saúde, Previdência e Assistência – estas são várias contribuições sociais da classe trabalhadora e dos empregadores. Esse fundo público formaria o montante de recursos inicialmente, até que, se regulasse a regra de 30% desse fundo público, para ser destinado ao financiamento do SUS, aí seria preciso aprovar essa regra pra fundamentar efetivamente o repasse.
“Na Constituição Federal o texto original é dessa forma. Na década de 1990, ocorre um caos total, as Leis de Diretrizes Orçamentárias – LDO – que dão as regras do orçamento para o que vai funcionar no próximo ano repetiam os mesmos dispositivos que estavam na Constituição Federal – 30% para a saúde. Mas, na prática isso jamais aconteceu. Em 1992, o Ministério da Saúde – incluindo o SUS, passa por uma crise de financiamento muito grande, o Ministério da Saúde é obrigado a buscar o fim do Fundo de Amparo ao Trabalhador e empréstimos para poder pagar despesas de Assistência a Saúde. Em 1994, ocorre o veto presidencial do dispositivo que falava dos 30% de recursos para a saúde. Outro problema para a época, além de ter o problema da crise de financiamento grave numa Federação como a nossa, não sabíamos qual era o gasto com saúde no Brasil, com o SUS em construção”, afirmou Fabíola Sulpino.
Nessa época, veio o debate sobre o repasse que acabou com recursos de vinculação da saúde. “Uma forma para garantir recursos mínimos ao financiar o SUS foi vinculação, ou seja, a Emenda Constitucional 29 define uma regra de aplicação da seguinte forma; a União através do Ministério da Saúde deveria aplicar em saúde um montante empenhado do ano anterior, acrescido da variação do PIB – essa era a regra da União no caso de estados e municípios. Que é a regra que está valendo onde se aplica 12% das receitas de impostos estaduais, IPVA, ICMS, nos municípios IPTU, ISS, acrescido daquelas transferências que são obrigatórias como fundos de participação municipais. Todas essas transferências que a Constituição diz ser obrigatória da União para o município e para o Estado, acrescido dos impostos arrecadados localmente formam um bolo e, o Estado tem que aplicar 12% dos recursos em saúde e os municípios 15%”, explicou profª Fabíola.
Essa é a regra que a Emenda Constitucional 29 trouxe e estabeleceu um período de transição de 2000 a 2004 – a Emenda 29 e a Lei complementar será reavaliado pelo período de 5 anos estabelecendo-se a mesma ou se mantém ou se altera.
O gasto com a saúde
O SUS foi criado em 1988 com uma crise de financiamento. Nessa época não havia sistema de informações para saber dos gastos. Somente em 2012 a Emenda Constitucional 29 nos possibilita saber qual é o gasto com a saúde. Em 2000, houveram muitos debates sobre o financiamento da saúde, “porque nunca se deixou de debater o financiamento da saúde desde que o SUS é SUS. A Lei não trouxe nenhum centavo a mais para a saúde, ela definiu as despesas, o que foi muito importante porque se não disser o que são recursos públicos para a saúde, muitos gestores colocavam o que não podiam ser considerados como despesas, como clientela fechada, plano de saúde do servidor, hospital de servidores, etc. A Lei ainda estabelece punição como suspensão da transferência constitucional, ou seja, deixa de receber o Fundo de Participação, se não aplicar o mínimo na Saúde ficando obrigado a repor o valor no ano seguinte”, destacou Fabíola.
O problema do financiamento da saúde continua grave, “lamentavelmente veio a Emenda Constitucional 86 mudando a regra da União – ao invés de calcular o mínimo que o Governo Federal aplica em saúde, com base na receita corrente bruta, passa para receita corrente líquida. Muda a regra de aplicação – não é mais o valor empenhado – passa a ser um valor escalonado, um percentual até 2020 da receita corrente líquida da União. Na prática o resultado disso foi que em 2016, com 13,6% da da receita corrente líquida, veio a crise econômica e a receita diminuiu. O que o Ministério da Saúde gastou em 2015 correspondia a 14,8% da receita corrente líquida daquele ano e em 2016, 13,6% de uma receita menor. Com a transição das regras e a crise econômica tivemos um prejuízo com a Emenda Constitucional 86”, lamentou.
Continuou Dra. Fabíola, “todos tristes com a emenda 86 achando que não dava pra piorar tivemos que contar com a PEC 95 do Senado Federal, a Emenda Constitucional 95, a PEC 241 da Câmara – que tramitou numa velocidade recorde. Na vigência do que foi chamado novo regime fiscal, as aplicações mínimas em saúde e educação passam para 15% da receita corrente líquida, congelando, corrigido pelo IPCA – na prática mantém o mesmo valor ao longo dos próximos 19 anos (para saúde e educação)”, ela avaliou.
O grau de prioridade
Essa trajetória toda nos mostra qual foi o grau de prioridade ou não do SUS. Em 2015, o conjunto de municípios aplicaram além do mínimo, 55% a mais que o mínimo no montante de recursos. Estados aplicaram 13%. Em alguns anos a União aplicou um pouco a mais, mas, na maioria dos anos ficou no limite, sem nenhum esforço a mais. “A apuração da aplicação mínima era feita com base no volume empenhado (reserva do orçamento para pagar aquela despesa). A vinculação foi importante para nós porque, embora tenha participação no Produto Interno Bruto – PIB , o que aconteceu quando vinculou, foi que conseguimos ampliar o recurso, porque a saúde embora tenha estabilizado em relação ao PIB, apesar do baixo esforço da União para além do piso, a vinculação, a variação nominal do PIB foi importante para o montante de recursos destinados ao longo dos anos. O que conseguimos é muito pouco comparado com outros países”, assegurou profª Fabíola.
“As nossas perspectivas para o futuro no que diz respeito a investimentos para a saúde é que a regra da Emenda Constitucional 29 permanece. Para a União, passa a valer a regra da Emenda Constitucional 95 – que estabelece um teto para despesa primária do Governo Federal. A partir de agora passa a ser corrigido apenas pelo IPCA ano a ano – congelando a despesa primária”, destacou a professora e avaliou ainda, “se aplicássemos a regra da Emenda Constitucional 95 por um período que antecede a formalização do congelamento de investimento para a saúde – 15% da receita corrente líquida de 2002 – e congelássemos esse valor a partir de 2003, hoje, ao invés de termos 1,69% do PIB, teríamos uma aplicação de 1,15%. Resolvemos projetar para o ano de 2036, assumindo um cenário de crescimento de 0,1,2 ou 3% de crescimento do PIB e estabelecemos uma proporção do crescimento da receita para ver o que aconteceria. Fazendo os cálculos entre as regras do investimentos para a saúde, a Emenda Constitucional 95, que está valendo, só é melhor que a Emenda 86 se o PIB brasileiro não crescer durante os próximos 19 anos”, apontou Fabíola Sulpino.