Jornal Pires Rural – Edição 223 | São Paulo, Dezembro de 2018 | Ano XIII
Wilson Gomes, não tem formação como jornalista, é doutor em Filosofia e, professor de jornalismo há 30 anos, o tema o qual abordou para o seminário “Jornalismo: as novas configurações do quarto poder” foi sobre uma sociedade hiperconectada, abordado de uma maneira teórica. “Na época do ‘hiper’ temos muitas coisas, temos um cidadão hiper participante, por exemplo. A minha geração viveu na ditadura militar, a participação política era baixíssima, uma época de ‘hipo’ (pouca) informação, tanto na diversidade quanto na quantidade de fontes de informações. Hoje, saindo do hipo para a hiper é uma vitória, naturalmente, deveria ser bom ter uma sociedade de pessoas hiperinformadas, hiper conectadas, hiper participantes, deveria ser uma sociedade hiper democrática, certo? Infelizmente, as coisas não estão assim, se pegarmos o ideal de uma sociedade hiperinformada, é o chamado cidadão socrático, um sujeito que tem níveis consideráveis e consistente de informação qualificada sobre os pontos que lhe interessa, para tomar decisões políticas bem informadas. Isso faz parte de qualquer manual de vida democrática sobre o ideal do cidadão. Outra observação é sobre ‘hipo’, uma das coisas é a educação, as pessoas tem nível baixo de escolarização no Brasil, então, isso é um problema para uma sociedade democrática. Estamos abaixo, pouca distribuição do capital cultural para que as pessoas pudessem alcançar e desfrutar informação e posição crítica. Comparativamente com o quadro da sociedade da década de 60, estamos melhor, temos cada vez mais gente escolarizada, educada, isso é uma hiper democracia”, avaliou Wilson.
Produção de desinformação
Entretanto parece que as coisas estão mais complicadas, por exemplo, as pessoas numa sociedade hiperinformada e hiper conectadas, sabem mais? De acordo com o professor, “se pensarmos em fake news, bolha informativa, radicalização parece uma correspondência dessa sociedade hiperinformada. Fake news é um fenômeno interessante, no sentido de que não é simplesmente questão de notícias falsas e, sim produção de falsas notícias. Eu sou um sujeito que trabalha em ambientes digitais, que produz em mídias digitais, é importante ser intelectual público nesses ambientes, onde se trava grande parte da vida política do Brasil mas, eu estudo profissionalmente isso. Eu tenho lá um cercadinho de feios, sujos e malvados que eu uso para espiar o que acontece nesse submundo. Por exemplo, agora estou aqui e infiltrado em mais cinco grupos radicais no WhatsApp, acompanhando tudo. Então, a circulação de falsa informação, coisas que finge ser informação mas que é desinformação, é assombroso. Chegou a um ponto que o Facebook lançou um prêmio para pesquisadores, no WhatsApp, com preferência para o Brasil, México e Índia, que paga 50 mil dólares para pesquisar a desinformação no WhatsApp, que se constituiu o inferno da política brasileira. As pessoas são muito informadas mas dizem, ‘Não! Há baixa escolarização’. Olhando os grupos de WhatsApp, acho que não existe mais desinformação circulando, do que as que circulam nos grupos de médicos e advogados pelo WhatsApp. Que são a vanguarda da retaguarda política entretanto, são pessoas formadas. A desinformação não acontece pela baixa escolaridade”.
A bolha informativa
Wilson descreveu sobre a produção de informação, cada vez mais em grupos identitários e homogêneos, que se fecham em “bolhas”, e segundo ele, é fora do comum a intensidade de informação que circula nesses grupos, para afirmar suas crenças, mesmo sendo a mais estapafúrdica opinião, então, se produz informação o tempo todo, enquanto um conjunto de pessoas ficam monitorando tudo que se publica nos grandes jornais, nos pequenos jornais, em sites alternativos e até em sites de produção de fake news, “a indústria do fake news é uma indústria informativa”, afirmou. “Circula imensamente material durante o dia inteiro, à noite preciso desligar o celular porque não consigo acompanhar tamanha intensidade. Não é falta de informação circulante, não é falta de material, o fato é que esse material é de ‘bolha’, produzidos para satisfazer as necessidades psíquicas-políticas, aquilo que chamamos de viés de confirmação, ou seja, eu preciso de materiais que confirmem a minha fé, aquilo que eu já acredito, aquilo que confirme a minha identidade. Há uma grande circulação desse material, isso não necessariamente produz coisas boas. Além da radicalização, a medida em que o tempo vai passando, nesses grupos homogêneos, a posição que vai se estabelecer nesse grupo vai ser a mais radical, após uma ano, tende a ser mais radical do que há 6 meses atrás, sejam causas legais ou ruins não importam, qualquer pesquisa vai mostrar isso, eles vão cada vez mais se radicalizando nesses grupos homogêneos”, revelou.
Sociedade hiperinformada
“As pessoas ficaram hiperinformadas porém, a esfera política melhorou? Assim funciona a história pública; cada vez mais polarizado, o centro político no Brasil foi desertado, as pessoas estão nos polos, apagando incêndio com gasolina, o discurso de ódio se espalhou nessa sociedade hiperinformada, as pessoas estão raciocinando e decidindo politicamente com ódio no coração. Estamos naquela fase, em que as pessoas pensam a política como uma guerra em que podemos dizimar os inimigos. Na situação que nos estamos, tem cada vez mais, aqueles que eu chamo de ‘idiotas motivados’, é um sujeito que se vê como um Asterix que está resistindo naquela vida gaulesa contra o avanço de romanos por todos os lados e assim dominando a sociedade brasileira. Por fim, a polarização não é uma boa coisa, precisamos de pessoas que criam pontes. Infelizmente, cada vez menos tem pessoas que criam pontes, cada vez mais encontro pessoas que queimam navios, que queimam caminhos. Cada vez mais pessoas com gasolinas e certezas. As certezas são imensas, o conhecimento não precisa ser muito grande mas, as certezas são gigantescas nesse país. Alguns podem achar que isso é legal. Para a democracia não parece um cenário promissor no futuro, já que a eleição se deu por pautas morais e não são pautas mais progressistas. Há uma virada ultra conservadora no Brasil são pautas reacionárias, não são nem conservadoras, a convicção geral é que se chegou longe demais no avanço de direitos, no reconhecimento das minorias, no respeito e agora dizem: ‘é preciso retornar onde nós estávamos porque desse jeito ninguém aguenta mais’. Chegou num ponto que essas ideias é o decisor eleitoral. O Afeganistão manda lembranças”, ele descreveu.
O que o jornalismo poderia fazer para melhorar?
Wilson brinca e fala “o que o jornalismo faz pra piorar já sabemos”, referindo-se a crescente indústria de mentiras das fakes news. Essa indústria precisa parecer que seus materiais sejam parecidos com os jornalísticos, para gozar de algum nível de credibilidade, e ainda, quem produz fake news supõe que o cidadão que consome notícias, não seja capaz de distinguir uma matéria jornalística de um material de fake news. “Isso pode estar ocorrendo porque o jornalismo está tão enviezado, tão feroz, tão parcializado que não tem mais essa distinção. Vários trabalhos tem uma linguagem factual, uma fotinho em cima e um título de chamada, tenho dúvida? Tanto faz o veículo, parece notícia, o sujeito não sabe distinguir mesmo. Tem ainda, o ponto que o jornalismo é parcializado por determinadas políticas públicas prediletas, em defesa disso, aceitam qualquer coisa que venha retratar o tema. O que o jornalismo poderia fazer pela democracia ou para nos retirar de nossa sociedade hiperconectada? O jornalismo não tem credibilidade sozinho, não fala sozinho, não tem voz de autoridade sozinho, o jornalismo tem que desafiar os seus competidores, é a primeira coisa, sejam eles a indústria de fake news ou sejam as pessoas falando e distribuindo conteúdo. Os competidores são sobretudo os editores dos jornais, não estou falando dos editores profissionais de jornais, estou falando daquele sujeito do seu grupo de WhatsApp, recebe e transcreve a notícia de um grande jornal, edita a notícia com um comentário, um discurso e uma posição e distribui a notícia já “(re)editorializada” pelos seus grupos ou “formigueiros” digitais que alimentam os seus fungos. Assim que funciona, o jornalismo tem que desafiar isso”, ponderou.
I had a dream
“O meu sonho é ver um jornalismo para pessoas que hesitem. Hoje, todo mundo tem certeza, ninguém mais hesita, esse é o país da certeza. Aquela coisa do ceticismo, que é um sistema que as pessoas retardam o seu julgamento, retardam a sua decisão, não vão decidir agora, pensem mais um pouquinho. Eu quero um jornalismo pra essas pessoas e não um jornalismo que empurra o sujeito para tomar a decisão agora, automaticamente, o efeito “miojo”. Eu quero um jornalismo que trata o complexo com complexidade, porque se o jornalismo não consegue produzir uma compreensão da realidade política brasileira ou do sistema democrático brasileiro, mais complexa do que o motorista de taxi que me pegou no aeroporto, pra que serve o jornalismo? Eu já tenho as opiniões do taxista, do porteiro do prédio, do cara furioso no WhatsApp, pra que serve o jornalismo? Qual utilidade? O jornalismo não consegue me colocar numa posição mais complicada, que me permite hesitar, me permite ver nuances, matizes nos fatos, mostrando a existência de um outro ponto de vista. Gostaria de ver um jornalismo simples na linguagem mas, que seja complexo, o mundo é complexo, a democracia é complexa, a sociedade é cada vez mais complexa. O jornalismo que simplifica o mundo é um jornalismo de partida, é jornalismo de estar jogando o jogo, de estar jogando para o lado, não importam quantos lados tenham. Em suma, o jornalismo pode curar essa sociedade hiperconectada, porém, hipo democratica. Quero um jornalismo que não me trate como adulto”, finalizou o professor Wilson.