- Artigo de Felipe de Oliveira Campos
Em um contexto de enorme desigualdade e grande desemprego, o sonho – da parte que ainda consegue sonhar – de uma parcela da juventude atual é o ingresso à universidade, normalmente a pública. E eu, claramente como um apaixonado pela educação, não fui diferente, afinal morando perto do campus da FCA (Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp) e da FT (Faculdade de Tecnologia da Unicamp) sempre morri de curiosidade de o que era essa suposta universidade. É dessa forma que minha história começa com a universidade pública.
Minha trajetória, como um filho da escola pública desde sempre, é acompanhada de lugares com falta de investimento, com muitos sonhos (que deixaram de ser cultivados), e com muito desejo de mudança. No fim do meu ensino fundamental II eu já tinha uma ideia certeira que iria cursar Letras, provavelmente na Unesp ou na Unicamp. Ainda em seu fim, eu fui ligado a algumas organizações estudantis da Unicamp, como a Enactus e o Asas que faziam projetos para promover mudanças sociais no município e aquilo me encantou, foi ali que eu entendi que parte do meu papel era conseguir promover também essa mudança social e eu precisaria estar na universidade. Mas, para isso eu precisaria entrar em uma escola que me desse amparo, portanto, eu me inscrevi no vestibulinho da ETEC Trajano Camargo, uma escola pública de muita qualidade e, foi lá que parte do meu sonho começou a mudar.
Estudando no técnico em Administração, comecei a perceber papéis que bons gestores poderiam executar, no entanto, isso sempre me prendeu ao setor privado e, eu sempre estive ligado a institutos públicos educacionais, logo, aquilo não fazia sentido para mim, mas ainda era uma curiosidade. Aos poucos, eu vivi certos eventos que me chamaram atenção, como um corte de verbas das universidades públicas em 2019, um sucateamento e mudança da grade estudantil na ETEC e em escolas públicas, a Reforma do Ensino Médio e, isso foi gerando um maior desejo de mudança, foi aí que entendi, Letras talvez não caberia mais em mim. Eu gostava do curso, não talvez pelas matérias mas, porque eu entendia que dentro de uma sala de aula eu poderia mudar a vida das pessoas e foi então, que o técnico em Administração me levou a fazer a escolha que atualmente me defini; o Bacharel em Administração Pública.
Entretanto, antes da tal aprovação no vestibular, conseguida no tempo vigente, houve muitos conflitos e problemas. Os últimos dois anos foram extremamente difíceis para o mundo todo, vivenciando a pandemia e principalmente no quesito da educação, isso foi ainda mais ampliado. Foi algo que todos ficaram despreparados, tiveram de mudar rotinas, adiar ou adiantar projetos e tudo foi saindo fora do eixo. Isso, a princípio, me assustou pois, eu comecei a perder parte do interesse em determinadas matérias na escola – e que seriam importantes para minhas sonhadas aprovações – tive dificuldade em voltar a me concentrar nos estudos. Contudo, eu sabia que não podia desistir do meu sonho de poder ser um aluno e agente de transformação (algo muito falado por inúmeros alunos do meu curso, algo importante que compartilhamos em comum).
No ano de 2021, precisava me esforçar o máximo para conseguir retomar meus estudos e dar uma “virada de página” na situação de 2020, desanimado com a escola, ou melhor, desanimado com a vivência na pandemia pois, eu não conseguia me acostumar com a frieza que esse evento trouxe, estando distante de meus professores (que se esforçaram mais que tudo) e de meus amigos. Portanto, fui atrás de ajuda psicóloga para que minha mente pudesse se manter focada em meus estudos e conciliar minha vida social e emocional. Assim, conheci, a incrível psicóloga Juliana Chinaglia, que certamente é uma das pessoas que mais sou grato por ter me mantido com uma sanidade nos últimos tempos. Afinal o ano passado foi meu último ano de curso, precisando, por conseguinte, do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), simultaneamente aos estudos para o vestibular e, isso certamente não fora nada fácil.
Comecei, então, criando rotinas de estudo em janeiro – mês que ainda não tinha aulas – e tentando me adaptar à medida que as aulas voltaram. O ano como um todo fora muito instável, passei por conflitos, inseguranças, medos que me fizeram achar que tudo aquilo era um sonho distante e, frustrações propriamente com o setor que admiro, isto é, as políticas públicas. Tudo isso era necessário ser bem trabalhado com minha psicóloga e comigo mesmo e, então, fui tentando conciliar, principalmente quando as aulas começaram a voltar presencialmente e ter contato com pessoas, até o temido mês de novembro, quando os vestibulares deixaram de ser uma data, para virarem realidade.
Passaram-se novembro, dezembro, janeiro e em fevereiro fui surpreendido com três aprovações em universidades paulistas (Unicamp, USP e UFABC), nas quais todas constavam o mesmo curso e o mesmo desejo: o de Políticas/Administração Pública e de mudança social. Decidi ser aluno da Unicamp, aqui em Limeira, depois de tanto medo e tantas lutas que precisei passar. Coloquei o desejo de atuar na transformação dos ideais que acredito e, creio que o mais importante, seja como eu poderei mudar minha comunidade, desde já. Estou participando de organizações na universidade que atuam em projetos sociais voltados para comunidade limeirense. Pretendo continuar fazendo projetos que possam democratizar o acesso à universidade pública – que afinal é de todos – e continuar na luta pela transformação social.
O mais importante, creio eu, é conseguir motivar outros jovens a seguirem os seus sonhos, sejam na universidade ou não, mas acreditando no seu papel de transformação social e sendo protagonistas de suas próprias histórias. O Felipe de 15 anos que decidiu cursar Administração Pública está – assim como o de 18 – muito orgulhoso da atual rotina que tem, mas ele ainda sabe que isso é só uma pequena parte da luta. Ainda é preciso construir novas histórias, levar a classe pobre a ocupar lugares como a universidade, mostrando a possibilidade da concretização de sonhos e a não manutenção de uma ideologia que nos expulsa de lugares tidos como eruditos e que são cruciais para o nosso desenvolvimento e crescimento. Sendo assim, a minha história com a universidade pública começa muito antes da minha aprovação, mas não termina de forma alguma com ela. Ela só dá continuidade ao sonho que pretendo ainda continuar expandindo, até que outros possam sonhar comigo.
- Felipe de Oliveira Campos, estudante de Administração Pública, Unicamp