No dia seguinte, após uma goleada do Palmeiras, com direito a gol de bicicleta, do atacante alviverde Rony, frente ao time do Cerro Porteño (Paraguai) por 5 a 0, valendo vaga para as quartas de final na Libertadores da América, pela quinta vez consecutiva e terceira sob o comando do professor Abel Ferreira, o técnico português esteve presente na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo. O treinador participou do evento que reuniu uma multidão de palmeirenses, sendo ovacionado e se emocionou ao falar de sua família e do Palmeiras. Além disso, ele participou de uma sessão de autógrafos do livro “Cabeça Fria, Coração Quente”, que escreveu conjuntamente com seus parceiros de “equipa técnica”; Carlos Martinho (responsável pela análise de equipe), João Martins (responsável pela preparação física), Vitor Castanheira (responsável pela ligação à base) e Tiago Costa (responsável pela análise de adversário), o qual foi o redator da obra literária.
Arena Bienal
Após um hiato de quatro anos, a Bienal do Livro retorna de forma presencial, apresentando como Convidado de Honra, Portugal, o que casou perfeitamente com o convite para o técnico de futebol Abel Ferreira participar de um bate-papo, aberto ao público, com mediação do embaixador português no Brasil, Luís Faro Ramos. Estavam presentes mais de 500 pessoas, a maioria torcedores alviverdes, para assistir a conversa onde Abel Ferreira falou de seu comportamento na beira do campo, dizendo ser um coração mole, mas quando o apito soa, ele se transforma. Em cerca de 40 minutos, o bate-papo ainda teve futebol, novela, comida, fundamentos e a importância da educação. Acompanhe:
“Boa tarde a todos! Quero dizer que estou mega nervoso, mas quero cumprimentar a todos, independente do vosso time. Estou aqui como ser humano, como uma pessoa que gosta de ler, gosta de crescer, gosta de aprender. Respondendo a pergunta do Luís e, agradecendo a Bienal por esse convite, quando nós queremos muito uma coisa e lutamos, lutamos, persistimos e insistimos nós conseguimos”, iniciou.
Estudos
“Com os meus pais, havia uma coisa que era inegociável, estudar era inegociável. Eu jogava futebol e minha mãe obrigava a lavar a roupa quando eu chegava em casa. A roupa estava suja de terra, porque eu não jogava no gramado, jogava na terra. Minha mãe me obrigava a limpar meu equipamento. Se eu queria jogar futebol tinha que fazer isso, se não, deixava o futebol de lado mas, o estudo era sagrado, não havia negociação; estudava ou estudava, estudava.
Eu repeti um ano na escola, por isso fiz em cinco anos, não tenho vergonha de dizer isso e, durante esses cinco anos, eu nunca fiz férias. Em cinco anos eu nunca fiz férias. Os meus colegas iam todos para as baladas, iam todos se divertir e eu, nesses cinco anos estudava para ter a minha licenciatura, porque acreditava quanto eu melhor me instruir, melhor ser humano ia ser, melhor profissional ia ser, melhor filho ia ser, melhor homem ia ser. E, a partir daí, de meus vinte e dois anos, quando acabei a minha licenciatura, me dediquei 100% de minha atenção ao futebol. Fiz uma carreira, posso dizer boa no futebol e, fui tirando também os meus cursos de treinador nesse período.
Então, gostaria de compartilhar com vocês, dizer a quem tem filhos ou pra quem é jovem; por favor, não cometam o erro de deixar de estudar. Se vossos pais trabalham para vos dar essa facilidade, agarrem-na com unhas e dentes. Se há algum conselho que eu vós possa dar aqui e agora, nessa feira, que tem muito a ver com literatura, com estudos, com educação é; agarrem essa oportunidade com unhas e dentes, porque é a maior ferramenta que o ser humano pode ter, é sua formação, educação enquanto homem”.
Família
“Eu me afastei fisicamente dois anos de minha família e a palavra família para mim significa um conjunto de pessoas onde podem se suportar. Um conjunto de pessoas que no momento de dificuldades vão se ajudar. E, família eu tenho duas; a número um é minha esposa e minhas filhas e a número dois, vocês sabem, eu trabalho nessa família, onde me aturam quando estou chato, quando estou feliz, quando estou triste, quando estou contente, são eles que me aturam. E, o conceito de família é mesmo esse; é um conjunto de pessoas que nós podemos contar, é um conjunto de pessoas quando nós precisamos sabemos que estão lá. Isso foi algo que nós criamos dentro da família Palmeiras, dentro de nosso elenco, dentro de nosso time, dento do CT. Estamos juntos em todos os momentos, nos bons e nos maus.
E pra mim, a família número um é todo nosso equilíbrio, tudo aquilo que eu preciso para que o meu lado profissional e pessoal esteja em equilíbrio. Eu não gosto de falar do lado pessoal, porque é muito meu. Eu gosto que me julguem como treinador, se é bom se é mau, se é arrojado se não é. Como homem, poucas pessoas me conhecem, às vezes fico triste quando me julgam sem me conhecer. Acho que isso é covardia, quando te julgam sem te conhecer, julgam como homem e não como treinador. Para mim família é o meu equilíbrio, meu porto de abrigo, é aquele espaço, aquele ambiente que nós sabemos, aconteça o que acontecer eles vão estar lá para nós. Isso para mim é o que significa família”.
Nesse momento o treinador se emocionou e parou de falar por alguns minutos e Luís Faro Ramos disse, “todos compreendemos qual o significado de família para o Abel. Uma salva de palmas”.
O trabalho
Na sequência, Abel retorna sua narrativa, “a minha missão é ajudar os jogadores a serem melhores. Deixar o grupo melhor do que encontramos, essa é a minha função. O clube não te contrata só para ganhar, contrata pelo conhecimento, contrata pela experiência, contrata para melhorar aquilo já está sendo feito e, logicamente, nós sabemos que somos avaliados pelos resultados. O ser humano tem uma cabeça no passado ou fantasia o futuro. Muitas vezes nos agarramos no passado com coisas que erramos ou imaginamos um futuro que não sabemos e ficamos a sofrer por antecedência, eu não gosto disso. Eu gosto de viver o aqui e o agora, estou aqui com vocês e procuro viver de forma intensa. Essa é uma forma de ser e estar no futebol e, na minha vida. É aproveitar todos os momentos como se nunca existisse o amanhã e, o aqui e o agora tem muito a ver com isso, viver no momento presente, sem sofrer nem no passado, nem no futuro.
Há três dias atrás perdemos um jogo em casa, o adversário foi mais eficaz. Eu disse aos jogadores mantenham a calma, vão tristes embora, 24h, amanhã, estamos aqui para seguir o nosso caminho sem alterar uma vírgula, independente se a gente ganha ou perde. Três dias depois ganhamos de 5×0. Saiu tudo bem, tudo bem!”
Um conselho
“Se é que vos posso dar um conselho, eu sempre sigo essa frase na minha cabeça; ‘o que fazem os melhores’. Vejam vocês, como fazem os melhores. Eu gosto muito de ler biografias, não só de treinadores, como de jogadores, como personalidades. Eu acho que nós somos frutos de nossa experiência, eu gosto de ver bons treinadores, eu gosto de ver bons jogos, para depois questionar, perguntar porque fazem isto. Nunca tive problema nenhum, com nenhum treinador. Pelo menos nós, os treinadores portugueses, partilhamos uns com os outros pois, cada um faz aquilo que entende com as suas experiências e portanto, nós copiamos, nós adaptamos, nós inovamos e arriscamos. Algumas vezes vai dar certo e, outras vezes vai dar errado. É nesses momentos que nós começamos a duvidar de nós mesmos, é quando as coisas não nos correm bem, começamos a ter dúvidas de nós próprios. E, se há outra opinião ou conselho que vos possa dar, se há alguém que tenha que confiar em vocês, são vocês próprios. Se há alguém quem tenha auto estima por vocês, são vocês próprios. Se há alguém que tenha que gostar de vocês, são vocês próprios. Seja homem ou mulher, seja de que raça for, seja de que altura for, seja de que peso for, aprendam primeiro a gostar de vocês, tal e qual como vocês são”.
O futebol
“O futebol é uma sociedade que nós dependemos uns dos outros e, comparo com a nossa sociedade seja no Brasil, seja na Grécia, seja em Portugal, eu acredito que não há ninguém que seja feliz sozinho, nós precisamos de todos, nós precisamos uns dos outros. Muitas vezes me perguntam: ‘professor qual é a sua filosofia de jogo?’ Eu costumo dizer que não é uma filosofia de jogo, é uma forma de estar e de ser com minha vida e, de forma especial no desporto. É isso que faço, trago todos os meus ensinamentos, toda minha experiência. Eu queria dar um grande abraço aos meus jogadores, tem minha admiração e respeito, é um orgulho imenso. Vocês usam muito aqui a palavra amar; eu amo vocês! Eu amo mesmo os meus jogadores, como jogadores! Eu vim ao Brasil em 2011, entrei na parte norte do Brasil e juros que nunca pensei, nunca, em poder no futuro vir treinar por aqui. Às vezes temos planos para nossa vida mas, a vida tem planos para nós. Então, é agradecer, o que já fiz mais de uma vez. Aconteça o que acontecer no futuro, estarei eternamente grato a este país e, de forma muito especial a família palmeirense! Queria dizer também, que quando cheguei aqui fui muito criticado por não ter títulos, eu só quero dizer uma coisa a todos vocês: ninguém foi, antes de o ser! Portanto, o primeiro que aconteceu foi fruto de um trabalho de equipe, fruto de uma organização, fruto de um grupo muito bem estruturado onde tudo está sendo para ganhar, foi assim no passado, é assim no presente, vai ser assim no futuro!
Eu nunca fui em minha vida o melhor, não era o melhor aluno da escola, não era o melhor jogador, eu me portava bem. Eu sei que a imprensa quer vasculhar o meu passado, ver se encontra coisa ruim que fiz, podem procurar onde quiserem, não vão encontrar. Porque na nossa vida, não é no futebol, é na nossa vida, até as rosas que é uma das flores que eu adoro, porque a orquídea também gosto, já disse que gosto. Na verdade, pode as pessoas acharem que eu na televisão sou um bocado “bruto”, eu sou o maior coração mais mole que existe. Só que eu me transformo, o arbitro apita e não sei explicar. Minha família diz ‘vai ver o que tu fizeste. Aquilo não é exemplo para ninguém’ . Vou pra casa, puxo a fita atrás, às vezes peço ao Tiago (Costa, responsável pela análise de adversário) mostrar o vídeo, eu olho, e fico com vergonha de mim mesmo! Tenho me esforçado mas, há coisas que são mais fortes do que eu”.
Da Grécia para o Brasil
“Lá nós falávamos em inglês, tínhamos 16 nacionalidades entre os jogadores (brasileiros, portugueses, ingleses, dinamarqueses), era um inglês que nós nos entendíamos. Quero vós dizer, pra quem não conhece (o time) PAOK, deve ser uma das torcidas da Europa mais fervorosa, o estádio chama-se “Tumba”, que quer dizer; onde enterramos os mortos. Era um estádio de uma atmosfera bem agressiva para quem nos visitava, com torcedores muito fervorosos. Tenho que dizer que os brasileiros são parecidos, tem torcedores bem fervorosos. Outra coisa a dizer, quando cheguei ao Brasil, reduzi a velocidade de minha dicção pois, se começar a falar o meu português, ninguém vai entender nada do que estou a dizer. Com 10 anos (de idade) eu sempre via novela brasileira, lembro de Tieta do Agreste, Roque Santeiro, Avenida Brasil foi uma das últimas que vi na televisão, confesso que era noveleiro. Então, eu entendo o Brasil todo, seja a região que for, entendo tudo o que vocês falam comigo. Mas os jogadores não estavam me entendendo, eu estava falando português, mas eles diziam que estava falado muito rápido. Então, comecei a reduzir minha velocidade de comunicação, depois com a facilidade com a língua, a adaptação foi muito fácil”.
A culinária brasileira
“A vossa comida é dez estrelas, os vossos doces vinte! Há um mês e meio fiz uns exames, deu aqui umas alterações e, a minha nutricionista falou; ‘professor, acabaram-se os doces!’ Sério? ‘Sim, você tem que reduzir os doces’. É um dos prazeres que eu tenho é comer doces! ‘Professor, tem que reduzir os doces!’.
Eu, hoje, tirei o meu dia e o meu tempo para doar, essa também é uma missão enquanto treinador, por isso estou aqui a falar e, queria dizer aos torcedores do Palmeiras, a nossa família, muito obrigado ao vosso apoio, muito obrigado pelo vosso carinho. Continuem a torcer pelo Palmeiras, a sofrer pelo Palmeiras, nos bons e nos maus momentos. Porque eu acho que isso o Palmeiras é diferente, nós não precisamos criticar os outros para nos sobressair.
E, com respeito a todos os nossos adversários, aos que são de outros clubes continuem a torcer ao vosso clube, continuem a respeitar vosso clube, porque o futebol existe para nos unirmos, para que cada um possa pertencer a uma família, algo que o identifique e, isso não significa que nós tenhamos que nos desrespeitar. Por isso a todos que estão nessa sala, de uma forma especial e carinhosa um abraço a todos os palmeirenses mas, todos os outros ídolos e todos os outros clubes merecem meu respeito, merecem minha atenção e continuem a torcer de forma fervorosa aos vossos clubes. Eu sou do Palmeiras, eu gosto do Palmeiras, não pergunte porquê. Algo especial aconteceu, a magia fez dentro desse clube, dentro desse elenco e eu estou mudando minha vida desde que cheguei aqui”. Assim encerrou sua participação Abel Ferreira, se mostrando uma pessoa franca, cativante, responsável e muito profissional.
Colocando um ponto final na conversa, o embaixador português, Luís Faro Ramos, completou dizendo, “foi um grande prazer, falamos da língua portuguesa, de família, de esforço de vida, de vontade de vencer, desejamos a maior das sorte para você e para o Palmeiras também. É um orgulho para Portugal ter um técnico português de sucesso no Brasil”.