Finalizando os estudos na Etec Trajano Camargo – Centro Paula Souza, o Trabalho de Conclusão de Curso Técnico em Eventos das alunas Beatriz R. Milke, Ingrid de Souza, Júlia S. Carlos, tem como objetivo revivificar a história do bairro dos Pires, Limeira (SP), através da criação de um website que servirá como guia turístico, contendo informações sobre lugares como: igrejas, escolas, comércio local e o cemitério; levando conhecimento e visibilidade. O TCCT, em sua elaboração buscou exibir a problemática social do bairro rural, levantando as questões históricas além do lento processo da miscigenação, os hábitos, os costumes.
As alunas fizeram levantamento bibliográfico, dando grande relevância para a conclusão final e depoimentos, utilizando como referência a obra “De colonos a proprietários: a saga de formação do bairro dos Pires”, de Maria Cristina dos Santos Bezerra (2002). Em contraponto o grupo criou e aplicou um questionário como técnica de pesquisa e entrevista com moradores mais antigos para apresentarem situações que os incomodam no bairro e as mudanças ocorridas.
Com base nas experiências vividas no bairro em questão, pelas autoras do trabalho, foram levantadas questões sobre o possível desaparecimento da identidade cultural do bairro dos Pires. As autoras ainda ressaltam que, apesar da grande contribuição para a população de Limeira, o atual morador rural é intensamente afetado pelo descuido da prefeitura no que tange a ausência de sinal telefônico, a restrição da disponibilidade de transporte público e a destruição da cultura germânica.
O trabalho realizado, espera a movimentação do turismo no local, bem como o reconhecimento da prefeitura sobre o descaso dos instrumentos de utilidade pública a fim de proporcionar mais investimentos para a região. O grupo idealiza uma realidade em que o bairro tenha sua cultura preservada ao mesmo tempo que goze de acessibilidade e desenvolvimento, promovendo um acolhimento entre as partes envolvidas.
A aluna Júlia reside na área urbana, já conhecia o bairro dos Pires antes de conhecer suas colegas do grupo, Beatriz Milke e Ingrid de Souza. “Ao me encontrar com a Beatriz e a Ingrid (ambas moradoras do bairro dos Frades) eu via a dificuldade delas em relação ao transporte. Eu levantava às 6h e minha mãe me levava ou eu pegava o transporte público pra chegar na escola. Elas, acordavam às 4h e tinham que pegar o ônibus até o terminal urbano e depois seguir até a escola. Quando a aula começava às 8h eu podia dormir uma horinha a mais, elas não, acordavam no mesmo horário. Eu dizia, estou tão feliz em poder dormir mais uma hora e, elas não podiam dizer o mesmo”, contou.
O grupo percebeu essa problemática que envolve os jovens que residem na área rural e através de uma disciplina de Turismo,foi quando tomaram a decisão sobre o título do Trabalho de Conclusão de Curso. “A gente estudou sobre turismo, a nossa coordenadora Franciane, nos contou sobre o projeto do Programa SP para Todos, da Secretaria Estadual de Turismo e Viagens (Setur-SP), trata-se de um totem que disponibiza um QR CODE com informações turísticas da cidade. A gente também pensou na parte tecnológica ao construir o projeto, um website e englobou os elementos da problemática vivida pela Beatriz e pela Ingrid, e também o fato do bairro ser tão rico com potencial turístico. Fomos incentivadas pela nossa coordenadora”, afirmou Júlia.
Júlia enxergou o potencial turístico a partir do que viu considerando o olhar do bairro dos Pires a partir do urbano. “Eu já conhecia, eu tenho uma amiga que mora lá. O diferencial pra mim é ver a comunidade, o quão unidos são, os vizinhos sempre presentes quando precisavam. Já sabia das dificuldades do acesso ao sinal de internet e a limitação do acesso ao transporte público”, destacou.
As autoras levaram adiante a pesquisa teórica e as entrevistas com moradores e entendeu a cultura como mote de desenvolvimento para a comunidade e que a comunicação e visibilidade pode atingir positivamente todos os envolvidos.
“Quando eu entrei no projeto, comecei entender a importância da cultura. A cultura local é essencial para o ser humano, para ele se sentir pertencente. Os imigrantes queriam se sentir pertencentes ao lugar, eles chegaram e não esperaram a iniciativa do poder público, eles iniciaram a escola através da comunidade luterana para se sentirem em casa. Apesar da gente ver, ao estudar, as várias tentativas que teve de apagamento dessa cultura, tanto por eventos históricos que aconteceram no mundo ou por mudanças no município, como a proibição de falar a língua alemã e outras línguas durante a Segunda Guerra Mundial e o fechamento da escola alemã. Segundo a nossa coordenadora, a prefeitura financia a Festa Alemã, mas entendemos que é só uma parte do que poderia ser feito pela cultura da comunidade”, afirmou Júlia.
Beatriz Milke nasceu na área rural, bairro dos Frades, ela é descendente de alemães. Ela estudou na Escola Rural do bairro dos Frades e o ensino médio na Escola Estadual Rural Dorivaldo Damm, no bairro do Pinhal. Beatriz conta que não sabia a história do bairro e que na casa dela nunca se comentou sobre as origens da família. Perguntei: como é pra você, tudo isso que a Júlia disse sendo você descendente de alemães e tendo nascido na área rural? Beatriz respondeu, “na minha família eu nunca fiz questão de realmente saber sobre as nossas origens. Eu sou evangélica, não sou luterana, e eu fui duas vezes na Festa Alemã, em 2019 e 2022. Estudei na escolinha do bairro dos Frades, Alfredo Christiano Stahlberg, e sempre perguntei sobre o nome da escola, quem ele seria e, lá me diziam que Alfredo era parente da merendeira da escola, só”, respondeu.
Você se lembra como era retratado a localidade, a realidade rural durante as aulas? “Na escola dos Frades a professora falava da importância da laranja para o bairro”.
Não explicavam sobre as origens. Você acha normal? “Não. Eles deveriam falar com a gente desde pequenos sobre a importância da agricultura para todos que moram lá. Não só para o bairro, como para a cidade é muito importante. Só que além disso, falar desde pequeno porque eu comecei a ter interesse na questão de saber das origens da cultura alemã quando eu entrei no Trajano Camargo, no ensino médio. Isso aconteceu porque eu passava o dia todo na cidade e eu comecei perceber o quão diferente era morar no sítio e viver na cidade”.
O que mais lhe chamou a atenção? “Que ninguém conhecia o bairro dos Frades, só o bairro dos Pires. E os meus amigos não se conformam que só tem uma linha de ônibus para os moradores daquela região, o que impede os jovens de ir e vir quando precisamos”, completou.
Ingrid relatou as dificuldades que os adolescentes e jovens que vivem na área rural passam devido à distância percorrida para chegar aos lugares, com a oferta limitada de transporte público e também a dificuldade dos jovens que não participam de algum grupo, como das igrejas, ficarem isolados. São jovens que tem necessidade de socialização, que se preocupam com o seu entorno, que pensam em alternativas para os problemas sociais e que nem sempre são considerados. Ingrid conta que passou por constrangimentos ao aplicar o questionário com a proposta de um projeto para a comunidade. “Tipo, quem é você para achar que vai mudar a realidade? Foi possível ler essas reações”, contou Ingrid.
A participação dos jovens como atores sociais que ocupam espaços de interlocução política ou de participação comunitária os leva à transformação social a partir da comunidade, da própria experiência de vida e consequentemente garante futuros cidadãos que virão manter os valores, a cultura e a manutenção da comunidade. Aos adultos cabe assegurar uma passagem do jovem para a vida adulta integrando-o em uma determinada “ordem” social. Ou seja, os jovens são a possibilidade de solução para a exclusão social numa sociedade onde a lógica é dividir as pessoas e a população em incluídos e excluídos.