A partir de sua vivência pelas ruas, Gustavo Ansia, tira sua inspiração para produzir sua arte. Logo ao ser registrado em cartório, teve uma “intervenção” em seu sobrenome alemão, descendente das famílias Hansem Dibbern, acabou registrado como Ansi. “Ficou estranho esse Ansi mas aí, pensei em colocar um ‘a’ no final. Virou Ansia, acabei gostando, agora é meu nome artístico”, definiu.
A intervenção não parou apenas no nome, Gustavo, têm uma leve tendência a modificar lugares monótonos. Limeirense, nascido em 1991, trabalha atualmente como serigrafista. É morador do bairro Ouro Verde, onde estudou nas escolas tanto municipal (Egle Maria Ciarrochi) quanto na estadual (Irmã Maria de Santo Inocencio Lima). Gustavo foi um dos artistas selecionados para participar da exposição Bienal Naïfs do Brasil, realizada pela unidade do Sesc de Piracicaba, é voltada para as expressões artísticas de caráter popular, autodidata e espontâneo. Agora, em 2018, a exposição foi inaugurada em 17 de agosto e ficará aberta a visitação até 25 de novembro.
As obras enviadas por Gustavo à Bienal Naïf foram duas pinturas em tinta acrílica e látex sobre papelão, denominadas: “Despedida” e “Alagados”, essa recebeu uma estrela de menção especial. Ele é o único limeirense participando da exposição. “Meus trabalhos vem das ruas, das vivências que tenho com meus amigos, andando de skate. Minha essência vem daí, do meu contato com a cultura Hip Hop”, disse.
Conversamos com Gustavo Ansia na porta do Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho, no centro de Limeira, onde pudemos conhecer um pouco de sua trajetória, seus mestres, suas inspirações e o caminho que deseja percorrer pela arte. O artista chegou até o local em um bike branca, com um boné rosado e uma “intervenção” da tenebrosa cena da porta, do filme de Stanley Kubrick, “O Iluminado”, estampada em sua camiseta.
Gustavo afirma que os elementos da cultura negra como o Hip Hop, RAP e grafites e ainda a prática do skate definem sua maneira de viver. “Foi através de um amigo, que não é negro, conheci o movimento Hip Hop. Conheci o grafite e fui pra rua pintar e estudar o que era produzido mas, nunca senti o interesse em entrar em uma faculdade de artes visuais. Cheguei a fazer, pela Oficina Carlos Gomes, um curso de pintura em aquarela e depois de desenho e pintura, que desisti depois de 2 semanas, pelo fato de gostar de um trabalho autodidata, sem formação acadêmica, gosto de desenhar e pintar de forma intuitiva”, destacou.
O artista russo Wassily Kandinsky, e pintores expressionistas como o holandês Willem De Kooning, são as fontes de inspiração de Gustavo, “talvez eu sou uma reinterpretação desses artistas, mesmo não tendo o estudo e tal. O grafite até hoje me incentiva, como eu desenvolvo meu trabalho na rua, de forma que as pessoas consigam enxergar um artista que é influenciado pelo movimento autodidata do grafite”, observou.
Bienal Naif
“O Naif, pra mim era uma coisa que eu não entendia. Quando eu entrei na Bienal Naif, eu não sabia o que era Naif, um amigo meu, Wesler Alma me disse: ‘olha, tem essa seleção de artistas Naifs’. Eu não conhecia ainda. A minha ligação com o Naif é essa ideia de que eu faço as coisas de forma intuitiva, autodidata, mas eu me considero uma pessoa que já perdeu a ingenuidade e a pureza do que eu faço. Quando eu conheci o Naif, achei interessante essa ideia de querer reivindicar o espaço e os direitos políticos (através da arte). Por esse lado, eu tenho uma forte referência. Em 2016, entrei pela primeira vez na Bienal, essa ideia política, também consegui expressar de forma bem Naif, nos meus trabalhos. Interessante é que eu fazia há um bom tempo e não sabia o que era uma arte Naif”, revelou.
Segundo Ansia, a narrativa de sua arte tem uma “poética das cores. É uma das coisas que mais prezo em meus trabalhos”. Os materiais que ele usa como suporte para sua expressão são variados, “antigamente quando eu fazia grafite era só parede, porque meus trabalhos eram feitos nas ruas, com o passar dos anos fui conhecendo outras vertentes da arte contemporânea, vi que estava preso e precisava de um suporte que fosse pra frente e comecei a experimentar outros materiais com madeira, tela, recortes de papelão, comecei a testar alguns objetos, fazer algumas esculturas, utilizar fios, galhos e a fotografia”, descreveu.
Sobre a Bienal, ele conta como é participar da exposição em Piracicaba, “em 2016 foi minha primeira participação e agora, 2018, eu tive a honra de participar pela segunda vez. Foi ótimo, um dos movimentos que eu mais me identifiquei. Eu me inscrevi, levei meus trabalhos, eles fazem uma seleção, é tudo muito bem organizado, trabalham com muita seriedade. Ao final eles devolvem as obras aos artistas ou a obra fica para o acervo deles quando são premiadas. São três prêmios aquisitivos e outros três prêmios de incentivos, que são remunerados aos artistas e passam a fazer parte do acervo do Sesc. Eu tive a oportunidade e a honra de receber a “menção especial”, as duas vezes que eu participei. São obras que se destacam na exposição, pelos critérios do Sesc”, contou.
Nas ruas
Ao utilizar as paredes para as suas intervenções, Gustavo, considera o que tem ao redor do local escolhido, como por exemplo, qual a opinião dos vizinhos sobre arte e cores, preferência dos habitantes da casa, se não é habitado, ele procurar dar visibilidade ao local. “Acho que o espaço público tem que ser valorizado, que faça mudar algo dentro de nós”. Ele compara o contato das pessoas com as obras de arte com a nossa alimentação, “tudo o que colocamos dentro de nós, vai fazer uma diferença (em nosso organismo), assim, o espaço público deveria ser ocupado por pessoas corajosas para expor suas ideias (artísticas), assim como fazem os pastores nas praças, os artistas poderiam ocupar para mudar a visão das pessoas. Ter performances ou alguém tocando ou cantando”, ele avalia.
Realizando intervenções artísticas nas ruas desde 2003, quando conheceu o grafite, os elementos pictóricos de Gustavo mudou com a experiência, “eu fazia letras de grafites, com o passar do tempo fui evoluindo, foi virando linhas cursivas, linhas entrelaçadas, virando formas geométricas e meu trabalho se tornou uma obra abstrata. A mudança é constante”, salienta. Entretanto, relata que desde criança faz desenhos, afirmarmos que ele tem essa facilidade, Gustavo não concorda e diz; “acho que é uma dificuldade. É difícil desenhar, é difícil pintar. Pra mim não é fácil. Sempre tive essa dificuldade mas, eu gosto muito. Não gosto de aprender o que é certo, prefiro continuar na dificuldade do que fazer meu trabalho ficar fácil de produzir, aí perde a graça”, questionou e frisou, “tenho amigos como o Wesler Alma, que me apresentou o grafite e o Gilio Mialichi (professor de artes plásticas da Escola Municipal de Cultura e Artes “Maestro Mário Tintori”, de Limeira), eles me ajudaram a escrever textos, a concluir as ideias dos projetos para os salões de artes, mostraram artistas de arte contemporânea, são pessoas com quem tive a oportunidade de trocar experiências. Tem outros caras que me ajudam com ideias incentivadoras para continuar a fazer arte”.
Inquietudes e incertezas
“Eu me pergunto em qual ambiente artístico me encaixo, até hoje eu tenho essa busca de tentar encontrar um espaço. Eu guardo pra sempre o que uma amiga me disse, que eu tenho um olhar inquieto, em meus trabalhos tem certas incertezas. Não tem nada definido o que eu faço, estou numa busca constante. Há 2 anos atrás, tentei me manter através da arte mas, a situação financeira ficou difícil pra caramba e arrumei emprego numa estamparia. Eu sou uma pessoa nova nesse campo artístico, talvez quando eu ficar velho eu consiga realizar o sonho (de viver da arte). A maioria de meus projetos estão em Piracicaba, tem alguns em São Paulo. Recebo convites por vários modos, desde amigos indicando ou até pela internet pelos trabalhos que foram feitos. Na maioria dos trabalhos, eu saio pintando muros por uma questão pessoal, eu vejo isso como um estudo e investimento e minha necessidade de criar alguma coisa. Sou eu quem compra o material a ser utilizado. Quando alguém me convida, depende do trabalho, se for em um quarto, é um trabalho específico pra pessoa, é como se eu fosse vender um quadro, aí eu cobro o valor do meu trabalho e levo meu material. Quando uma pessoa me pede pra fazer um trabalho no muro da rua, nesse caso meu trabalho é para o público, geralmente eu peço uma tinta pra passar um fundo na parede e o resto é comigo”, explicou.
Gustavo tem catalogado seus trabalhos separando em fotografias, objetos, instalações, pinturas em parede ou papelão e vídeos. “Faço os registros fotográficos dos meus trabalhos. Mas, teve alguns que já foram perdidos porque não consegui fotografar e já sumiu da parede ou eu rasguei ou queimei. Os trabalhos que eu não gosto, pra mim não faz sentido guardar ou dar pra alguém, então, costumo rasgar. Isso depende da fase de criação que estou passando na vida. No momento estou em uma fase de transformação, tentando encontrar um espaço novo na vida e no meio artístico. Isso é influência do momento político que estamos passando. É um momento de mudança interna, não depende de quem está lá na frente, depende de nós mesmos. É um momento de transformação. Talvez eu queime alguns desenhos hoje (risos)”, concluiu Gustavo.