A comunidade Nossa Senhora Aparecida da Parada, bairro Barreiro Farto, Artur Nogueira (SP) é fruto da realização de uma graça recebida à pedido da senhora Maria da Rocha Ferreira de Camargo pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida pela cura de seu neto.  

João Sarpa, neto de Maria da Rocha Ferreira de Camargo conta sobre a graça recebida. “Ela teve um neto que nasceu de sete meses, então fez a promessa pela sobrevivência dele. Ela já não tinha mais posses, tinha passado os bens para os filhos. Aquele terreno (da igreja) era de um dos filhos – Mateus Ferreira de Camargo com quem ela morava. Ela começou arrumar dinheiro para fazer a capela. A primeira igreja saiu da ponta dos seus dedos, do crochê. Ela fez (igreja) com o dinheiro do crochê. Depois da capela pronta e da primeira missa ela entregou pro povo. Ela já construiu num lugar aberto que era pra todo mundo. Ela não tinha mais nada a ver com aquilo lá. O povo que cuidou, que fez o que bem quiz daquilo – ela apenas participou na comunidade. Isso colaborou demais para a religiosidade daquela comunidade.  Até então naquela época, era difícil pra pessoas vir na missa, a catequese era domiciliar. Depois da inauguração da capela teve as celebrações constantes, o povo, o bairro pôde participar. Uma neta dela, a Hilda de Sá começou dar catequese e a comunidade começou evoluir, crescer com as missas, os terços, a catequese, as festas. A festa da Parada até um tempo atrás tinha excursões de ônibus para ir a Festa de Nossa Senhora Aparecida do bairro da Parada – da parada do trem”. 

Na foto, dona Maria da Rocha Ferreira de Camargo; a placa da festa de 50 anos da comunidade; a toalhinha de crochê comercializada para arrecadar fundos

Jurandir Mantovani descreve a parada: “Na frente da igreja tinha uma plataforma cercada de madeira e cheia de terra, nivelada mais ou menos na altura do degrau do trem – ali não era uma estação. Quando o trem vinha de Artur Nogueira para Engenheiro Coelho, a turma chegava lá no maquinista e falava: ‘Eu vou descer na parada’. Chegava na parada, o maquinista diminuía a velocidade do trem, não parava. Daí a pessoa pulava em cima daquela ‘plataforma’ na frente da capela; por isso todos passaram a reconhecer o local como Parada”.  

“A vó Mariquinha morou junto com a minha mãe que era neta dela, por catorze anos. Lá em casa tinha uma poltrona antiga que ela ficava sentada ali fazendo crochê o dia inteiro. Eu dormia com ela. Era uma pessoa calma, tranquila, fumava cachimbo e fazia crochê, usava óculos; a gente escondia o cachimbo dela. Ela tinha a ponta do dedo preta de tanto colocar o cachimbo assim e apertar o fumo. As crianças escondiam os óculos dela ou então ela estava de óculos e ficava procurando. Ela faleceu na casa de um filho, o responsável por cuidar dela porque tinha ficado com aquelas terras onde é a igreja”, contou Edna Boer Sarpa, bisneta de Maria da Rocha Ferreira de Camargo. 

Edna Boer Sarpa e João Sarpa

Desde antes da catequese João se lembra de ir na missa lá a pé. “Eu morava perto. Depois veio as festas e se criou a diretoria. A segunda capelinha inaugurada em 1969 já tinha festa. Inclusive eu tenho o livro Ata das reuniões, os cartazes das festas”. 

Jurandir Mantovani, nascido e criado no bairro Barreiro Farto, contou sobre as suas memórias  na comunidade da Parada, por telefone.  “Eu fiz a catequese com a Hilda Ferreira de Camargo, na igrejinha pequena que foi a minha avó Maria da Rocha Ferreira de Camargo que construiu. Ela era casada com o meu avô José Mantovani depois que ele ficou viúvo; eles não tiveram filhos. Com a minha avó Maria Esperanza ele teve seis filhos. 

A vó Mariquinha que deu o espaço de terra e construiu a igrejinha pequena. A igrejinha era virada para a porta da venda – pro lado de Engenheiro Coelho (SP) -, aquela posição atual foi o Monsenhor Edson Vieira Lício que pediu. Os meus irmãos não tem muita recordação disso porque eram maiores e trabalhavam na roça e eu era mais novo e vivia lá na igreja, eu gostava muito e ficava por ali. Era só o pessoal dali mesmo, não tinha gente de fora. As famílias Ferreira  de Camargo, família Mantovani, os Bervinte, os Neves, os Vicensotti, os Esperança. 

Tinha a escola que ficava entremeio as duas vendas que eram bem próximas; uma venda com a frente para a estrada e a outra venda com a frente para a escola – quem vem do açougue vinha direto e passava em frente a venda do Osvaldo Cardoso. A venda do Plácido Boer ficava na estrada Engenheiro Coelho/Artur Nogueira. Nós íamos na escola na época que tirou a linha de trem – nós brincávamos na linha do trem, era muito divertido. 

O telefone que tinha na venda do Osvaldo Cardoso era um fio que vinha da cidade até ali, era o número 14, eu me lembro até hoje. Nós íamos assistir televisão na venda – o único lugar que tinha –  e o meu tio Vitório Esperança era muito engraçado, ele queria saber quem é que tratava do pessoal dentro da televisão. E o Osvaldo dizia pra ele que dava os pratos de comida pra tratar da turma depois que nós íamos embora. Eram situações bem engraçadas, antigas. 

E quem deu educação religiosa pra turma toda foi o padre César Bianco. Eu era um moleque de dez anos e andava com esse padre César a pé, passando de casa em casa e ele fazia questão de benzer todas as famílias – a turma adorava ele. Inclusive foi ele quem deu a vocação religiosa pra eu ser padre. Ele insistiu comigo que eu tinha condições de ser ordenado padre. Aí eu vim para a Congregação dos Padres Estigmatinos em Ribeirão Preto (SP)- a mesma Congregação do padre Bianco – há 50 anos atrás. O padre arcebispo de Curitiba Moacyr José Vitti me trouxe lá da casa da dona Dóia (Cecília Scandolara de Faveri) e do seu Júlio (de Faveri) para o seminário.  

Eu morava no seminário e fui trabalhar aqui para o irmão do padre José Anselmi (1914-1994) ele que recebeu o milagre de Gaspar Bertoni, o fundador da Congregação. Ele colocou a relíquia na boca do padre José porque ele não passaria daquela noite. Ele tinha uma úlcera no estômago e o médico tinha chamado todos os padres para prepará-lo para a morte. Ele tomou essa relíquia com consentimento do médico. No outro dia cedo, ele estava andando. Inclusive quatro médicos assinaram o milagre que ele recebeu. 

Depois eu levei o padre José Anselmi – eu era o motorista dele – em Campinas pra pegar o avião pra ser testemunha viva do milagre do padre Gaspar Bertoni. Ele foi testemunha para que o padre Gaspar Bertoni se tornasse Beato Gaspar Bertoni. Virou Beato e hoje ele é Santo Gaspar Bertoni, canonizado por João Paulo II em 1 de novembro de 1989. 

Isso aconteceu em Casa Branca (SP), internado lá, ele recebeu a relíquia. Em Casa Branca tem o Seminário Nossa Senhora do Desterro.

Eu não cheguei a ser ordenado, eu fiz o primeiro ano de Filosofia. Eu me tornei diretor ecônomo do seminário. O seminário ocupava quatro quarteirões, é muito grande até hoje. Os meus colegas de estudos são hoje diretores do seminário, vigário da paróquia. Eles vieram esses dias na minha casa em quatro – dois são auditores da Diocese do Rio de Janeiro. Nós temos um grupo chamado ex-seminaristas, temos contatos por todo o Brasil, mantemos uma amizade muito boa. 

Tinha o padre João Batista Firmino (já falecido) que vinha direto fazer a festa na Parada, ele ficava lá na casa da dona Dóia – eu o ajudei a ser ordenado. Foi muito bacana a minha vida aqui. 

Aí na Parada eu conheço todo mundo. Quando eu morava no seminário, por seis anos, eu levava todos os 36 seminaristas e os padres pra jogar bola na Parada porque nós tínhamos um time de futebol. O campo de futebol era em frente a venda do Plácido – do lado de baixo da estrada – do Belisário Neves. Os seminaristas ficavam alojados três, quatro, em cada casa e os padres também. 

E todos os anos os padres daqui iam fazer as festas na Parada enquanto eu estava no seminário. Na semana do dia 15 de agosto era a semana da novena que eles faziam antes da festa. Os padres daqui de Ribeirão Preto que rezavam a missa toda noite na igreja. 

O padre Edson Vieira Lício passou a dar mais atenção para a comunidade da Parada. Lá aconteciam festas grandiosas demais. Todos trabalhavam. Eu era o menorzinho da turma. A gente fazia uma alvorada de fogos às 6 horas no dia da festa, era uma camionete lotada de fogos. E tinha um morteiro que soltava as 21 bombas dinamites – a gente amarrava elas numa trava de futebol e ela ia caindo no chão e estourando. O som podia ser ouvido lá no bairro Pederneiras em Mogi Mirim (SP), no bairro Muniz em Artur Nogueira. Era uma época muito festiva, muito bonito. 

A turma colocava as fotos dos falecidos nos pés de Nossa Senhora pra ser abençoado no final da procissão. A igreja tinha sido ampliada e cabia muita gente dentro. Aquela torre que tem na igreja atual, fui eu e o falecido Júlio de Faveri, esposo da dona Dóia, que fizemos – ele pedreiro e eu servente. 

Ao lado da capela antiga tinha o coreto. A Banda da Corporação Musical 24 de Junho (completou 100 anos), tocava na procissão e nesse coreto todo ano no dia da festa. 

As barracas, a quermesse, o bingo, tinha muito frango e leitoa assado, eles colocavam tanto no bingo como no leilão – o Júlio de Faveri era o leiloeiro. Também se leiloava animais vivos. Não tinha aquele barracão de festas ao lado da igreja, foi feito depois que eu vim embora. 

Em Artur Nogueira tinha a igreja da Parada e a paróquia Nossa Senhora das Dores, tinha capela no Muniz, capela no São Bento, capela nos Correias em Engenheiro Coelho, capela nas Palmeiras; mas festa igual se fazia na Parada era muito difícil”. 

Por que as festas da Parada eram especiais? “A Parada era muito especial porque esse padre César Bianco que iniciou as missões aí, ele é responsável por muitas vocações religiosas do povo da Parada. Os mais antigos vão se lembrar muito bem que esse padre era querido por todos. Ele ia de batina preta visitar as casas, ele benzia as pessoas, ele benzia os animais”, contou Jurandir Mantovani. 

A estrada de ferro Sorocabana (1921- 1960) foi desativada com a retirada dos trens. “Quando desativou esse trem eles puseram um carrinho com quatro rodas que rodava em cima do trilho pra transportar os empregados da ferrovia pra fazer a manutenção. Eles deixavam o carrinho ali na Parada aos sábados e domingos. Então eu, o Airton e mais uma turma do Tico Mateus, o Toninho, íamos lá, soltava aquele carrinho e ficávamos brincando. Nós íamos até no Vitório Esperança – lá tinha uma subidinha e ficava difícil pra gente empurrar, puxava de volta e vinha até aqui no terreno do meu pai. A gente lotava aquele carrinho. E tínhamos um bambu comprido pra auxiliar o movimento – era a nossa diversão. E quando a gente via que o trem estava vindo, numa turma a gente arrancava o carrinho de cima da linha para o trem não bater. É uma história muito bonita!”, contou Jurandir, com alegria. 

“Depois do terço à noite, nós, crianças ficávamos sentados na escada da igreja brincando de passar anel, jogar bolinha de vidro – os velhos e as crianças todos juntos, passava o tempo, a conversa era legal. Era uma vida rica em conhecimento. Na escola da Parada a gente fazia os três anos, o primeiro, o segundo e o terceiro; todos numa sala só. Depois os alunos iam pra Artur Nogueira na escola Francisco Cardona onde fazia o quarto-ano – não tinha outra escola na cidade. O nome do diretor da escola era Sebastião Mateis”, contou Jurandir. 

Para buscar informações sobre o casal Júlio e Cecília Scandolara de Faveri (Dóia), a dedicação e fé à Nossa Senhora Aparecida da Parada falei com o filho Luiz de Faveri. “Eu me lembro da segunda capela, eu fiz a catequese e a primeira comunhão lá. Eu dei curso de batismo, fiz reuniões de jovens onde se discutia o Evangelho por uns dez anos – até uns sessenta jovens se reuniam toda quarta-feira. 

Quando foi pra construir essa igreja aí, o meu pai, Júlio de Faveri era o presidente da comunidade. A frente da construção era num outro sentido e o padre Monsenhor Edson Vieira Lício queria que mudasse a posição da porta. A primeira planta dela era desenhada como uma cruz. Mas não dava a largura e foi feito (construído) mais larga pra poder caber a velha construção dentro dessa atual. O comprimento da igreja que tinha essa ai deu na largura – a largura dela é maior que o cumprimento da outra.  

Em 1986 eu era o presidente e o João Sarpa era da diretoria quando foi comemorado 50 anos da comunidade. E nós achamos que deveria se fazer um centro comunitário para fazer as festas. Eu, como presidente encabecei e construi o centro comunitário com a ajuda da população. 

Eu e o João fomos atrás de comprar os bancos pra igreja porque não tinha. Fomos em São Paulo, de ônibus, chegamos lá na casa de um homem que disse que fazia os bancos. O homem mostrou umas fotografias (risos) de serraria e o homem chorou, contou, contou. Saímos de lá, eu falei pro João: você não sabe de outro homem que faz banco? Ele falou: ‘Mas por que?’. Porque esse é mentiroso. Esse aí é papo furado. Aí conseguimos no Rio Grande do Sul, por telefone, por intermédio das nossas amizades em Engenheiro Coelho – eles tinham feito uns bancos, a gente pegou o endereço. E compramos os bancos. Trouxeram, montaram e envernizaram na igreja – são esses bancos que estão lá. 

A igreja que tinha era pequena, ampliou, fez um centro comunitário grande, nós fizemos a festa de 50 anos. A gente conseguiu uma placa que está na parede até hoje. E falando dos 50 anos, da população que vivia aí, as famílias: Scandolara, Mantovani, Mateus, Faveri, Esperança, Vicensotti, Boer, Cardoso, maior parte descendentes de italianos – misturou com os brasileiros e formaram famílias e ficou tudo aí reunido. 

A minha mãe nasceu aqui ao lado da comunidade. O meu avô morava com um cunhado dele, o Jorge Terezani que era um capitalista – o meu avô era meeiro do cunhado. Tem dois irmãos do meu pai que casou com as filhas do Jorge Terezani. O meu pai casou com a sobrinha. A minha mãe era afilhada de batismo da Mariquinha (se emociona). 

O meu pai é filho de italianos e nasceu no sítio, na região de Araras e se mudaram pra cá. Eram em onze irmãos, um povo que até hoje tem facilidade pra fazer amizades. Então jogava futebol, ia no baile, acabou se casando. Eles se mudaram pra cá porque tinha uma fazenda grande propriedade do Castelar que resolveu picar em lotes. E o meu avô com os filhos compraram um pedaço de terra e vieram da região de Araras pra cá. Primeiro vieram os homens pra começar preparar a terra e fazer uma casa e as mulheres ficaram lá em Araras. Quando a casa ficou pronta (se emociona) mudaram, na época de 1940. Já tinha a capelinha. 

Eles vieram pra cá e fizeram amizades. O meu avô rezava terço e ia rezar na capelinha. Na época, em 1940, segundo falam e eu passei um pouco dessa vida, não tinha energia elétrica – era tudo iluminado no lampião, farolete. A turma ia na reza à pé. Ali do Arcaro Mantovani eram doze filhos. Dos Fernandes, a Zefa Lulu era mais de dez. O meu avô era onze filhos. Mais os da Cruz Andrade; então pra formar um grupo pra encher uma igreja era fácil. E não tinha muita diversão porque não tinha televisão – qualquer barracãozinho ou tulha depois que desocupava que saia a carga de algodão fazia um baile, então reunia aquele povo. Nos bailes tinha os músicos certos que tocavam sanfona, tocava pandeiro, outras coisas, sabe? Era aquele arrasta pé.  

O meu pai Júlio de Faveri se casou com Cecília Scandolara de Faveri em 1947. Em 1949 nasceu a Claudete, em 1951 nasceu o Luiz de Faveri, dali cinco anos nasceu a Izete de Faveri, em 1963 nasceu o Júlio César de Faveri – essa é a nossa família. 

A nossa educação era assim, quando tinha missa a gente era obrigado ir na missa. A minha mãe e o meu pai tiravam 200 litros de leite, cedo. A minha irmã ia arrumar a casa. Eu ia arrumar a charrete pra gente ir, (se emociona) era assim, era difícil. Dava três quilômetros e meio da capela na propriedade do meu avô. 

Conforme os filhos foram casando, foram adquirindo alguns bens, eles foram vendendo as partes uns para os outros. Quando o outro tinha condições, vendia, e comprava em outro lugar. Foi assim até o meu pai ficar de sócio só com um irmão – depois separaram. Meu pai comprou mais terra e a gente está aqui até hoje”, contou. 

Júlio de Faveri e sua esposa Cecília Scandolara de Faveri (Dóia) à frente da procissão

Por que sua mãe Cecília era conhecida por Dóia? “Ela era muito bonita quando era criancinha e as tias beliscavam ela (se emociona). E ela (reagia): ‘Dóia, dóia’. Ela falava que doía. E ficou Dóia. Ela é a mais velha das irmãs, por isso que as tias paparicavam muito ela”, contou emocionado. 

A dona Dóia é reconhecida na comunidade pelo amor ao próximo, expressão de fé e doação. A dedicação da sua mãe na comunidade era muito intensa. Me conte como você presenciou tudo isso. “A vida da minha mãe era a igreja. Ela nunca perdeu missa – podia ou não podia, tinha que ir na missa. O que fez com que a nossa família sempre fosse católica e dedicada, sempre ajudando. A minha irmã Claudete mora hoje em Goiatuba, mas ela deu muito catecismo aí e hoje ela é ministra de Eucaristia. A Izete também é dedicada”, contou.

A sua mãe foi catequista, ministra? “Não. A minha mãe era analfabeta. Quando veio o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização, 1968) que começou dar aulas pra adultos analfabetos, ela ia a pé ou alguém levava ou trazia da escolinha do lado da igreja – até aprender ler com os seus 50 anos. Aprendeu, foi alfabetizada. O pai foi na escola lá no Morro Grande em Araras. Não era só ela que se dedicava a comunidade porque as mulheres daquela época da minha mãe, todas elas eram unidas e ajudavam muito na igreja”, contou. 

As datas referentes a comemoração dos santos era um assunto muito sério na área rural. O dia do santo de devoção era um dia sagrado, digno de recolhimento e oração. “Quando fazia a festa do dia 15 de agosto, aquele tempo essa data era um dia santo. E o povo guardava o dia santo. Se o dia 15 fosse na segunda-feira a festa era na segunda-feira. O povo do sítio saia com lista, pegava muitos frangos e prendas. E sempre era nomeado um coordenador da festa e na sua casa, matava todos os frangos e deixava tudo pronto pra assar no forno de lenha que fazia pão no sítio – principalmente no Antonio Bervinte. As senhoras que rodeavam a dona Dóia, a prima, Yolanda e Amélia Vicensotti, a Tervina mulher do Antonio da Cruz, dona Aida do Dionísio da Cruz, tia Clementina mulher do Armando de Faveri e muitas outras que não vou me lembrar de todas elas – era um povo que se dedicava”, contou.

Luiz teve uma educação religiosa quando a igreja tinha as filhas de Maria e os Marianos. “As moças iam na missa de branco, com uma fita azul no pescoço e outra na cintura também. Os homens jovens solteiros eram os Marianos tinham uma fita azul. As casadas usava uma fita vermelha que simbolizava o coração de Jesus”. 

“De 1960 até 1980, a procissão era muito rigorosa: as mulheres de um lado, os homens do outro, todos andando um atrás do outro; no meio só os andores e o padre”, disse Luiz. O São Benedito ia na frente de Nossa Senhora Aparecida? “(risos) Não vou falar muito porque uma vez não colocaram o São Benedito na frente, sem querer, e deu uma ventania que quase acabou com a festa – depois que viram (risos)”, contou. 

Sônia Bonatti e Luiz de Faveri

Qual era o trajeto da procissão? “Tinha uma estrada de chão ao lado da Estrada de Ferro da Sorocabana – passava onde é a estrada hoje – do lado de cima tinha uma estradinha municipal ela ia sentido Artur Nogueira até na entrada do Antonio Mantovani (aproximadamente 1 quilômetro). Aí virava à esquerda, passava a linha de ferro e descia na estrada de rodagem (pavimentada com pedregulho). Já de volta, vinha até na entrada da venda, passava no meio das duas, subia e vinha de encontro com a igreja – sempre às 13 ou 14 horas. Quando chegava, fazia uma celebração e a banda tocava porque às vezes acontecia da missa ser antes da procissão. Porque depois tinha o leilão, as festividades, a banda pra tocar. A banda acompanhava a procissão tocando. Hoje não tem mais isso. Era muito bonito. Nós sempre tivemos o privilégio que a nossa comunidade é Nossa Senhora Aparecida (se emociona), é muito querida”, disse Luiz de Faveri. 

José Carlos Vicensotti é bisneto de Maria da Rocha Ferreira de Camargo. “Eu me lembro um pouco dela. Ela fumava pito, todos os netos se lembram desse detalhe (risos). Ela picava o fumo de corda, enchia lá e acendia, então fazia crochê com o pito na boca. Eu me lembro quando construiu essa igreja por cima da outra. Foi levantando as paredes em volta e ainda usando a anterior. Reuniu toda a vizinhança com trator lá e foram desmanchando a capela de dentro e retirando o material”.

Ana Scarpa Vicensotti, sua esposa diz: “Na capela derrubada foi usado materiais de reuso devido a precariedade de materiais da época. A minha cunhada lembra que a vó pegava o pito dela, subia no carroção e ia pedir doações para os vizinhos. Podia ter doação de tijolos, ela levava”. 

Ana Scarpa Vicensotti e José Carlos Vicensotti

“O padre quiz a escritura do terreno em 1993. Ele chamou pra fazer a regularização da escritura. Fez a retificação de área tirou 3 mil 555 metros que eles doaram pra igreja”, contou José Carlos. 

José Carlos é filho de Avelino e Maria Madalena Sarpa Vicensotti ele diz que a relação com a comunidade era uma convivência muito bonita. “A gente não via a hora de chegar a festa porque aquela época fazia uma roupa nova e comprava um calçado. Era um acontecimento. Os frangos doados eram limpos manualmente pela comunidade reunida e levava pra assar na padaria Nossa Senhora Aparecida de Artur Nogueira, do Adauto Conservani – ele assava os pães de madrugada e quando clareava o dia tinha que chegar com os frangos lá e ele cedia a padaria pro pessoal trabalhar – não cobrava nada. 

Um pessoal de Americana esperava o envio do cartaz da festa porque eles tinham preferência de vir comer frango caipira assado. Não existia quase frango assado, não existia as granjas de aves como se tem hoje – frango assado era uma novidade”. Ana chama a atenção: “Há quarenta, cinquenta anos atrás isso não existia. A leitoa ou frango assado se comia só em ocasiões especiais, como casamento ou Natal e Ano-Novo e na festa”. 

As casas mantinham nos altares os santos de devoção. “Na minha casa tinha sim as imagens, ficavam em cima da cômoda, rezava o terço, as vezes trazia a novena passando nas casas. Quando começou a Novena do Natal foi uma revolução porque tinha umas pessoas que estavam com a amizade abalada e a novena emocionou a todos.  E voltaram as amizades, uniu a comunidade – trouxe a fraternidade. Teve também as missões, eu tinha uns 20 anos e também mexeu com a comunidade, reuniu o povo que estava afastado. Chamou a atenção aqueles padres que vieram. A última que teve foi com o padre Élcio Medeiros”, afirmou José Carlos. 

A comunidade de Nossa Senhora Aparecida da Parada é uma comunidade de dedicação, devoção e que não pode quebrar a tradição: “Colocar o São Benedito atrás de Nossa Senhora, na procissão, virava uma tempestade, um temporal que quase acabava com a festa. Vinha ventania, chuva brava. A ordem é: a Cruz, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida. Desde sempre eu ouço isso, que chovia muito no dia da festa, dava tempestade; não tinha um ano que não acontecia. Em 2015, estava uma seca como agora, o padre Elcio Medeiros chegou e falou: ‘Vamos desafiar isso aqui. Vamos colocar o São Benedito atrás (risos)’. As pessoas falavam: ‘Eu estou com medo’. Acredita que começou sair a procissão, começou chuviscar? Aí apavorou todo mundo: ‘São Benedito não está indo na frente! Foi o padre que mandou! (risos)”, contou. 

Ana se mudou para Artur Nogueira depois do casamento e foi se aproximando dos trabalhos na comunidade. “Quem ajudava mais era o Zé porque tínhamos as crianças pequenas e tinha que cuidar. Ele ajudava na leitura e nas festas. A gente participava na paróquia Nossa Senhora das Dores, só tinha uma paróquia; eu já estava ajudando na liturgia. O padre Eder Justo nos convidou pra sermos ministros aqui na comunidade. Quando tinha uma solenidade a gente era convidado e ajudar servir lá também. Quando dividiu as paróquias ficamos pertencendo à paroquia Santa Rita de Cássia, como ministros”, contou. 

José Carlos conta que quando as celebrações eram feitas pelo Monsenhor Edson Vieira Lício, o padre não tinha carro, uma pessoa da comunidade era escalada pra buscar. “Quando os adventistas comprou a fazenda, numa ocasião, ele estava fazendo a homilia, ele tremia um pouco assim: ‘Pessoal temos que ter cuidado que nossos inimigos estão se instalando’. Eu me lembro de quando estava construindo a primeira cozinha do salão ao lado, no domingo ele chegou – tinha uma diretoria, a construção começou sem avisar ele, talvez -, ‘Como que está construído isso ai? Pode parar! Pode parar! (risos)’. Meu avô falou: ‘Não tem ninguém trabalhando hoje’. 

Meu avô materno, Francisco Daniel Sarpa gostava de contar piadas e na época da politica todas as quartas-feiras tinha reza do terço na capela. Tinha o ministro da palavra que era o Dionísio da Cruz Andrade, a comunidade era grande. O povo vinha pra reza mais cedo e já sentavam assim em volta da capela e ficavam contando piadas e as vezes virava pro lado da política que era Arena e MDB – o assunto fervia (risos). Depois que terminava a missa no domingo, nossa! Saia o povão assim e fazia várias rodinhas conversando, ninguém ia embora muito rápido”, contou.

“Foi diminuindo a participação nos encontros das quartas-feiras e ficou perigoso. Numa ocasião, uns vinte anos atrás, ia acontecer uma reunião com o padre e algumas pessoas e o padre ficaram presas mantidas reféns dentro da igreja pelos assaltantes que vieram roubar a camionete de uma pessoa. Aconteceu um segundo roubo de camionete, quando a pessoa chegou pra abrir a igreja com um vizinho, os assaltantes chegaram, puxaram o motorista pra fora do carro e levaram o carro. 

Os terços, as novenas fazem falta porque é o encontro das famílias. Hoje, são poucas as pessoas que participam. Tem os loteamentos que tem as reuniões adventistas, Assembleia de Deus, tem a igreja da Congregação Cristã no Brasil; a participação de católicos é mínima”, contou Ana. 

José Carlos faz a conta da participação na comunidade pelo número de filhos das famílias. “Eram vinte famílias dos Neves; Sarpa oito famílias; os Boer, os Cardoso; os Mantovani; os Vicensotti; os Ferreira de Camargo; os de Faveri; os Esperança; os Fernandes de Souza”, afirmou.

Maria Esperança se casou em 1985, ela veio da comunidade Santo Antônio, no Muniz. “Em 8 de agosto de 1986 nasceu a minha filha Dalila então eu não vim participar na festa. No próximo ano eu vim participar – antigamente tinha dois festeiros (dois casais) na organização -, terminada a festa de 1987 foi anunciado o nome dos festeiros: Hélio e Maria Esperança e a Inês e Osvair. Eu não sabia nem como começar os preparativos. Eu já tinha amor por Nossa Senhora e vim pra cá e fui engajando porque aqui já tinha a reza do terço, a celebração com o Dionísio Andrade, e o movimento de canto”, contou. 

Pergunto qual é a sensação de ser festeiro e fazer parte dessa missão tão importante? “É a responsabilidade de correr atrás da parte religiosa, das compras. Quando começou chegar a lista e o programa da festa eu já fiquei encantada. Aí já fomos nas casas e pegamos as doações para Nossa Senhora. A pessoa já fica o ano inteiro falando que vai doar pra Nossa Senhora. Ela pede uma graça, vai doar pra Nossa Senhora – entendeu? Um bezerro tá ruim lá, fala assim: ‘Vou doar pra Nossa Senhora’ – o animal sara e doa. Daí começou chegar leitoa, gado, bezerro. Tinha carreta de trator cheia de arroz, porque o povo clamava por chuva: ‘Chove que a gente doa um saco de arroz’. Eu nunca tinha visto aquela devoção – lá na comunidade Santo Antônio eu não via isso. 

Teve a procissão, a festa. Depois que colocava o andor ali na igreja de volta que o povo vinha agradecer as graças recebidas. O que puseram no andor me deixou muito comovida e emocionada de tantas pessoas que receberam graça e eu nunca tinha visto o quanto. Eram muitas fitas, velas da altura das pessoas, tinha pé de gesso, mãos, cabelo cortado, taça; pra você ver quantas graças que o povo recebe dessa imagem que é Maria. Eu falo que se a gente tivesse um espaço, nós teríamos uma sala de milagres. A gente foi dando fim, queimava. Por que, vai guardar aonde? Antes de mim já queimava porque o fogo é sagrado. Muitas crianças vinham pagar promessas vestidas de anjo. Eu me lembro de uma vez ter visto uma pessoa vestida de noiva”, contou Maria.  

Sonia de Faveri participa da conversa e diz: “Era um momento de fé, de religiosidade e também pra diversão. Tinha a Ceia de Natal aqui na igreja que o Luiz de Faveri organizava”. Maria explica: “Eu organizava a parte religiosa com uma programação, o roteiro com cânticos de louvor, de Natal, e a proclamação do Evangelho. Organizava a igreja para a ceia virando os bancos e deixando espaço no centro pra mesa, porque lotava. Depois vinha o Papai Noel com os presentes. Na ceia era servido pão e vinho”, contou. 

Maria Esperança, Welber, Vitória, Dalila, Sonia, Camila, Luzia e Jair

Jair João Vieira e a esposa Luzia chegou na comunidade em 1997. “Eu trabalhava na granja em Conchal (SP), passei aqui, estava escrito que vendia chácaras. Eu estava me aposentando, comprei a chácara e comecei participar porque eu estou aqui por Nossa Senhora Aparecida – eu, quando nasci, fui desenganado pelo médico com dois meses de vida. A minha mãe Amélia era muito devota de Nossa Senhora Aparecida e fez um pedido: se conseguisse salvar seu filho, esse seu filho ia ficar dois anos se vestindo de mulher e não ia cortar o cabelo e ia levar a sua foto para Nossa Senhora Aparecida. 

Depois de duas semanas do pedido, eu já melhorei, devagarzinho – naquele tempo que o atendimento médico era difícil. Depois de dois anos ela tirou minha foto com os cabelos cacheados, grandes, vestido de mulher mesmo e fomos levar no Santuário. Ela sempre contando essa história pra mim. Daí eu entrei pra igreja onde eu morava, em Paulínia (SP) acompanhando tudo o que era do poder de Nossa Senhora. 

Quando fiquei sabendo de Nossa Senhora aqui eu disse: eu tenho que fazer alguma coisa por Nossa Senhora. Em 2000, eu e minha esposa Luzia nos mudamos pra cá. Sempre conversando com a comunidade, teve a procissão e sempre aí. Eles me convidaram pra vir, eu vim. Daí o padre Elcio Medeiros chegou um dia aqui e falou: ‘Eu preciso falar com vocês dois na matriz de Santa Rita’. A gente tomou aquele choque. Nossa! O que será que o padre quer? Ele nos convidou a fazer um curso para ser ministro. Ai, nossa! Minha esposa falou: ‘Não vamos, não temos capacidade’. Ele falou: ‘Não precisa responder o sim, hoje’. Eu falei: eu dou o sim agora. Eu já estava pensando em fazer alguma coisa porque eu estou aqui por Ela”, contou.

Depois da conclusão do curso de ministro, o que mudou ainda mais na vida do casal? Jair responde: “Mudou tudo porque onde eu estava não tinha a chance de fazer alguma coisa pra Nossa Senhora. Mudou porque nós viemos pra cá, feliz por fazer algo por Ela e Ela por mim”. 

A senhora veio de uma vida religiosa atuante de onde estava? Luzia responde: “Atuante eu comecei aqui. Fomos acolhidos graças a Deus! A Maria Esperança foi na minha casa e me perguntou: ‘Você quer ser catequista?’. Eu respondi: mas eu não entendo nada disso. ‘Mas você tem a sabedoria’. Eu fui catequista aqui por dez anos junto com a Sandra Custódio, eram bastante crianças na comunidade”, contou. 

Jair conta um pouco mais sobre a sua trajetória religiosa na comunidade. “Os seminaristas da Missão Redentorista vieram de Aparecida para a comunidade Nossa Senhora Aparecida, ficaram instalados uns três rapazes no mês de outubro que é o mês da missão. Eles faziam celebração, andavam por todas as casas sempre com alguém da comunidade. No final ia convidando nas casas pra semana de oração na igreja e no último dia fazia a procissão com uma confraternização.  Por isso teve as missões dai lá na matriz de Santa Rita ia colocar a cruz maior e cada comunidade ia instalar uma dessa. Mas aqui já tinha uma antiga de outra missão da época do padre César Bianco. Depois da Missões fomos eu, a Luzia e a Conceição Pereira Belucci, nas casas rezar o terço, visitar os doentes e levar a eucaristia, antes da pandemia”. 

Conceição Pereira Belucci conta, por telefone, sobre o seu envolvimento e dedicação na comunidade Nossa Senhora Aparecida. “Fomos pra Artur Nogueira porque o meu filho gostava bastante de lá, ele era gerente de banco e visitava muito aquela cidade. Aí, a gente achou uma chácara, menina! Linda! Parecia um tapete. A gente batalhou e fez a casa. Mudamos lá em janeiro. Em maio eu já estava lá na igrejinha Nossa Senhora Aparecida. Quando eu cheguei pela primeira vez, a dona Dóia me apresentou para a imagem de Nossa Senhora. Nossa! Eu fiquei tão feliz. Ela pegou na minha mão: ‘É a primeira vez que a senhora vem?’. É. ‘Então, eu lhe apresento pra Nossa Senhora. Seja bem acolhida’. Falou umas palavras bonitas pra mim. 

Eu convidei o pessoal da igrejinha, a Luzia e o seu Jair pra fazer as orações na igreja. Era o tipo de uma novena. Toda terça-feira a gente fazia as orações por doze anos seguidos. Por exemplo, se a gente não alcançasse aqueles doze anos quem estava seguindo com a gente, continuava até completar. Foi uma benção de Deus, menina! 

A Luzia e o seu Jair, eu e o Hélio meu marido íamos como responsáveis. Rezava o Pai Nosso, Ave Maria, os cânticos, comentava a Palavra, às 7h30. Era  lindo! Iam dezoito pessoas. Um dia, a gente estava lá na igreja e o padre Eder perguntou quem podia ajudar no grupo de rua para convidar as pessoas pra fazer orações; eu ergui o braço e dei o meu nome e o do Hélio – onde eu vou ele vai também (risos). E nós seguimos esse grupo de rua. Menina! Mas cada coisa linda aconteceu nesse grupo de rua. Chegava a época de Natal, fazíamos as novenas – o encerramento uma hora acontecia na minha casa, outra na casa da Luzia, outra na dona Aparecida. A gente ia fazer visitas em catorze chácaras. E visitava os doentes, levava a eucaristia, visitava aquelas chácaras todas fazendo orações. Menina! Era lindo! Lindo! Você não imagina quanta coisa boa eu vivi naquele lugar. Deixou muitas saudades. 

Quando completou doze anos de oração (2004 a 2017) eu doei aquela cruz pra igreja – a cruz estava bem desgastada, era aquela doada pela mulher que fundou a igreja. O Jair pegou aquela cruz, talhou, diminuiu até aproveitar bem, sabe? Envernizou e deixou do tamanho de um crucifixo. Ele colocou em cima da cruz da igreja que eu doei. Em 2018 a gente continuou fazendo as orações. Veio a pandemia, fechamos a igreja. Não voltamos mais por motivos pessoais”, contou. 

Pergunto se foram muitas as graças alcançadas? “Você não imagina! Foram muitas as graças. Tinha uma senhora lá que dizia que quando ela morava ali naquela região, acontecia muitos relâmpagos, trovões, tempestades. Um dia ela disse: ‘Nossa! Até as tempestades sumiram. Foi uma benção as orações’. O padre Elcio deixou vir a comunhão, por duas vezes ao mês a gente recebia a eucaristia. A Luzia e o seu Jair são ministros da eucaristia, eles preparavam e a gente recebia”, disse Conceição. 

A história oral aqui descrita impressiona pela riqueza de detalhes e a intensidade da fé expressada. A comunidade da Parada foi construída pela e, na fé, à Nossa Senhora Aparecida, isso não será apagado, por isso, persistem as memórias e com ela o sentido de viver em comunidade.

O pessoal mais novo atuante na comunidade sabe que tem uma missão super importante que é manter a tradição. Pergunto para Dalila, filha de Maria Esperança: Dá pra encarar? Dalila responde com firmeza: “Dá pra encarar devido à tradição mesmo. Meu avô ajudou na construção, então o que eu vi e tento passar para as minhas filhas – a Vitória já está engatilhada. Eu me casei aqui. O meu marido também faz parte, a minha irmã, minha mãe e meu pai, então tudo é a tradição mesmo. Se não fosse, não seguiria não”. A filha de Dalila, Vitória diz: “Tem um valor sentimental, pelo sentimento de que todos sempre estiveram aqui. Todos cresceram no mesmo lugar e a gente (mais novo) quer crescer como todo mundo cresceu”. 

Maria Esperança, a avó diz: “Sem contar que ela é um milagre de Nossa Senhora. Ela nasceu ‘morta’, essa menina não ia nem andar, nasceu com falta de oxigênio e ficou na UTI. Quando falaram isso pra mim e pra ele (pai) e a mãe dele (avó), o chão abriu assim. Nós fizemos tanta novena, tanto pedido. É um milagre”. 

O pai de Vitória, Welber Furtado Gonçalves, é de São Paulo e veio com a família pra Engenheiro Coelho, ele diz: “Minha família é muito católica, minha avó, minha bisavó benzia. A gente vinha pra Limeira pra ficar com os meus avós. Meu pai comprou uma chácara aqui e nos mudamos em 1995. Conheci a Dalila e eu peguei gosto daqui e agora chegou na nossa geração que tentamos passar para a Vitória”. 

Maria completa dando mais informações que reforçam a tradição da família na comunidade: “O meu sogro Antonio Esperança vinha de bicicleta abrir a igreja pra comunidade. O velório dele foi aqui nessa igreja”. 

E vão me descrevendo ainda mais detalhes, quase uma catequese que ajuda a manter vivo dentro dessas pessoas o sentido de permanecer. A irmã de Dalila, Camila Esperança diz: “A alvorada festiva acontecia bem cedinho no dia da festa pra anunciar a festa. No domingo à noite fazia a queima de fogos pra encerrar com as fotos das pessoas que tinham falecido naquele ano – a hora que estourava descia a foto da pessoa no mastro”. 

Sonia de Faveri completa: “Tinha o locutor que falava fazendo rimas assim como nos rodeios. Aquelas palavras bonitas que emocionava o povo e de repente: Pá! Soltava a queima de fogos!!!”. 

Dalila se lembra de descrever as atrações da festa que marcou a sua infância: “A rua fechava de tantas barracas. A comunidade fazia a barraca das bonecas enfeitadas, decoradas pelas mães. As bonecas ficavam uma mais bonita que a outra, que até acontecia uma competição, vinha boneca de noiva, cigana, de time de futebol, com maquiagem, até enrolavam os cabelos. As bonecas ficavam expostas na barraca e as crianças ficavam loucas – eu fiquei doente. A boneca que eu queria era toda cor de rosa, aí outra pessoa ganhou no sorteio da roleta. Eu entrei em desespero e ganhei a boneca – eu ainda tenho ela”. 

Jéssica de Faveri com as bonecas enfeitadas; prendas decoradas pelas mães exclusivamente para a festa da Parada

Sonia não consegue esquecer dessas bonecas: “Eu tenho uma penca de bonecas porque a Jéssica (filha) me fazia comprar todos os números. Aqui já veio a dupla Teodoro e Sampaio tocaram em cima do caminhão, Lourenço e Lourival se apresentou no salão novo; parecia festa do peão. Os carros não tinham onde parar. Eu me casei em 1990 aqui e de lá pra cá, o amor eterno pela Parada (risos). O Júlio César de Faveri (marido) deixa tudo pela festa da Parada, ele se dedica muito porque a minha sogra Dóia cativou muito nele. Ela morreu falando: ‘Não deixa a capelinha. Eu amo o povo da capelinha. Os meus primos Vicensotti, os Mantovani’. Eu rezo pelas almas, agradeci a Deus que dê a eles a luz eterna porque foi uma história de amor pela Parada. Eles sempre se dedicando como se fosse a casa deles, a casa da Mãe”. 

Sônia me chama a atenção: “Você viu o semblante, o olhar diferente que a nossa imagem tem?”. Eu concordo. De fato o olhar da imagem é diferente de todas das que já vi.

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