Motivados pelo exemplo da cidade de Andradina (SP), onde o vereador Fabrício Mazotti (Podemos) fez sua emenda impositiva destinando exclusivamente para a agricultura familiar — cerca de 40 mil reais, para incentivar a política pública através da Legislação municipal ligada a produção de sementes crioulas e formação de banco de sementes (lei nº 3.827 de 6 de outubro de 2021), fomos entender o que é a verba destinada aos vereadores de Limeira pelas chamadas “emendas individuais do Legislativo Municipal em Lei Orçamentária Anual”.
Na Câmara Municipal de Limeira o assunto é de responsabilidade da Comissão de Orçamento, Finanças, Contabilidade e Administração Pública que analisa os aspectos financeiros e orçamentários de todas as proposições apresentadas tanto pelo Legislativo, quanto pelo Executivo. Fazem parte do colegiado os vereadores Nilton Santos (Republicanos), presidente; Constância Félix (PDT), vice-presidente; e Sidney Pascotto, Lemão da Jeová Rafá (PSC), secretário. As reuniões acontecem ordinariamente às quartas-feiras. Agendamos uma entrevista com o vereador Nilton Santos para o que são as emendas impositivas.
Um milhão de reais está nas mãos de cada um dos vinte e um vereadores de Limeira, podendo usar da forma que escolherem, “desde que, cinquenta por cento desse valor seja destinado para ações e serviços públicos de saúde”. Esses recursos correspondem a 1,2% do orçamento municipal arrecadado pelos impostos pagos pela população de Limeira.
No ano de 2015, quando o vereador Nilton Santos foi presidente da casa, a mesa diretora da Câmara Municipal de Limeira, promulgou emenda nº 49/15, ao texto do artigo 233 da lei Orgânica Municipal, acrescentando o Art. 233-A que diz, “é obrigatória a execução orçamentária e financeira da programação incluída por emendas individuais do Legislativo Municipal em Lei Orçamentária Anual”.
Desde 2016, os vereadores de Limeira tem em mão os recursos das emendas impositivas, entretanto, eles não apresentaram nenhuma emenda impositiva, especificamente, para agricultura familiar do município, de acordo com informações da Secretaria de Gestão Estratégica de Limeira.
Vereador Nilton descreve, “o prefeito manda a peça orçamentária para a Câmara Municipal e a emenda impositiva é dentro do orçamento do prefeito. Nós tínhamos um grande problema com os nossos eleitores. A gente vai pedir votos nos bairros, a primeira coisa que as pessoas nos falam, ‘o vereador não faz nada’. O vereador, na realidade, ele não tem poder de executar, vereador só legisla. Então, a criação da emenda impositiva é um modo do vereador poder fazer alguma coisa pelo bairro onde atua. O vereador ficava de mãos atadas antes da criação da emenda impositiva”, disse.
Nilton explicou que a aplicação da lei de emenda impositiva leva em conta a forma como a Secretaria da Fazenda faz uma projeção de arrecadação e, junto a isso, estipula um orçamento das contas públicas para o próximo ano, enviando como Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para os vereadores analisarem e votarem. Ele afirmou, “para o ano que vem, são 2 bilhões de reais a previsão orçamentária. Um ano antes, o prefeito manda pra cá a peça orçamentária, porque ele também fica debaixo de uma diretriz do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), nem o prefeito faz o que ele quer, ele obedece diretrizes. Quando vem a peça orçamentária para ser apreciado pelos vereadores, temos um prazo de 15 dias para apresentar as emendas. Como sou presidente da Comissão de Orçamento, os vereadores me encaminham as emendas e faço em forma de lei. Então, o orçamento municipal é votado e aprovado junto com essas emendas impositivas”, revelou.
Nilton Santos acrescenta, “a criação das emendas impositivas garante que 1,2% do valor do orçamento (24 milhões, repartido igualitariamente), o vereador poderá indicar pra onde ele quiser, desde que, 50% seja direcionado para a saúde. Então, o prefeito tem que deixar uma reserva orçamentária, obrigatória, para os vereadores. Esses 50% da saúde, o vereador pode indicar para a compra de uma ambulância, ajudar o postinho de saúde do bairro dele. No meu caso eu trabalho com a prevenção de dependência química, eu sempre indico para leitos psiquiátricos, para que a Prefeitura possa manter esse trabalho de dar apoio às famílias que tem dependentes químicos e necessitam de internação em clínicas. É claro, passa por um crivo do CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) mas, esse dinheiro já está reservado. Eu faço lobby com os vereadores aqui para que eles me ajudem também, porque essa demanda não é só minha, tem em todos os gabinetes”, descreveu.
Os vereadores podem mandar para um mesmo fim, um certo montante e ainda, tem que dialogar com o prefeito para aplicar da maneira indicada, “se os outros 50% o vereador indicar para infraestrutura aí, começa toda uma saga junto ao prefeito, para que o prefeito possa executar, uma praça, um tapa buraco, um recape. Enfim, ele pode fazer com que essa emenda atraia o serviço para o bairro dele. Talvez o prefeito tenha um dinheiro para um recape, mas não tem todo dinheiro, então, o vereador manda uma parte do dinheiro para recape lá do bairro, se faz um estudo, aí é executado”, detalhou.
Por que a lei é impositiva? “Porque o prefeito é “obrigado” a executar e, se ele não cumprir ele deve explicações ao Tribunal de Contas do Estado. Porque o orçamento foi aprovado, foi votado e aí implica em responsabilidade fiscal. O prazo para cumprimento é o ano seguinte após aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”.
O vereador também destaca, como as emendas são executadas pela Prefeitura, “não tem como destinar as emendas para uma associação. O que eu posso é destinar para o Esporte e, aí a Secretaria de Esportes faz o chamamento de uma licitação. A emenda não é destinada diretamente, é impositiva mas quem executa é o Executivo”, reafirma.
O portal da prefeitura
Para ter acesso as informações onde foram destinadas e aplicadas as emendas impositivas Nilton Santos disse que a Câmara Municipal “não tem nenhum banco de dados sobre isso. É até uma boa ideia para que a gente crie esse banco de dados para as pessoas que seguem determinado vereador, de uma certa forma, possa ver como ele trabalha. No meu caso eu fotografo, divulgo nas redes sociais, como recentemente aconteceu o recape da Avenida Maria Buzolin. Fui lá, fotografei, levei a emenda, é um trabalho político pra mostrar o que está acontecendo. São demandas de pessoas que chegaram até o gabinete fazendo pedidos para que eu apresentasse através das emendas impositivas”. Ele acrescentou que é possível encontrar as informações no Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de Limeira.
Arrecadação de impostos
O vereador enfatizou que “todo orçamento tem um déficit de 30% no final do ano, ou seja, estamos estipulado um orçamento de 2 bilhões, só que 600 milhões é o déficit. Quando a coisa aperta, a primeira coisa que a pessoa para de pagar é imposto, é o que entra na Prefeitura. Todo esse orçamento que é aprovado, que é votado, que é emendado, é tudo fictício, não tem esse dinheiro em caixa, ainda vai entrar através dos impostos (ICMS, IPVA, IPTU)”, detalha.
Em qual momento ficamos sabendo que esse orçamento terá um valor real? “Não tem. Mas nós fizemos um trabalho aqui, uma lei de minha autoria, onde o secretário de Fazenda (José Aparecido Vidotti), vem até a Câmara Municipal apresentar uma planilha do quadrimestre passado (audiência pública para apresentação do cumprimento das metas fiscais fixadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias). Eu, como presidente da Comissão de Orçamento, abro uma audiência pública e ele explica o que está entrando, o que já entrou, o que gastou, o que tem para pagar. Infelizmente, fica eu, ele e mais três ou quatro pessoas lá, mas é para o povo, para as pessoas poderem acompanhar. Isso é transmitido pelos canais de comunicação da Câmara (Youtube e Facebook)”, apontou.
Nilton Santos asseverou que as emendas impositivas não fazem parte do duodécimo orçamentário, que é o valor repassado pelo município ao poder Legislativo e ao Judiciário, para que possam arcar com as despesas de funcionamento. O montante é calculado de acordo com o valor da receita corrente líquida anual do município, o vereador explica, “o presidente, através do secretário administrativo apresenta o orçamento da Câmara Municipal para a prefeitura, do que tem de gastos com folha de pagamentos, projetos e entre outros. A lei fala que até 26% a Câmara pode gastar do orçamento (a previsão orçamentária é 2 bilhões). No caso das emendas impositivas, o prefeito, através das secretarias, já tem que trazer um cronograma de onde o dinheiro está contingenciado, acordando com os vereadores e indicando de onde os recursos sairão. Não precisa necessariamente, a lei me dá autoridade de apresentar a emenda e ele vai tirar de onde quiser, mas ele já manda uma reserva de contingente para que os vereadores, na hora de fazer as emendas tire do indicado, para não atrapalhar todo um trabalho e estudo feito no orçamento municipal. O princípio da política é o diálogo”, concluiu o vereador.
O exemplo de Andradina
O professor Dr. Leandro Barradas Pereira, engenheiro agrônomo, da cidade de Andradina (SP), participou recentemente de um encontro na cidade de Piracicaba (SP) onde discorreu sobre a importância das políticas públicas municipais para promover o fortalecimento da agricultura familiar local. A cidade de Andradrina tem 645 agricultores familiares da reforma agrária, numa região com mais de cinqüenta projetos de assentamentos em cinquenta mil hectares de área, só de agricultores familiares camponeses. Atuando como professor do curso técnico de agronomia, parte de seus alunos são filhos de assentados, ele verificou, juntamente com outros professores, que muitos pais e avós de alunos tinham sementes crioulas mas, estavam desorganizados. Ele cita, “em 2018, fizemos esse trabalho de imersão em 25 assentamentos. Então, é a cultura da semente misturado com histórias. Nesse trabalho de levantamento, cerca de 41% desses agricultores familiares tinham uma variedade de semente, como o feijão catador, usado pra fazer o prato baião de dois. É preciso reconhecer e valorizar os agricultores e agricultoras com dinheiro, porque o agricultor familiar precisa de política pública e precisam também ter dinheiro no bolso. Pra isso ele vai vender a semente para a prefeitura. A gente precisava defender isso. Defender de que forma? Para defender sementes não existe outra forma a não ser pela lei e, sermos vigilantes”.
Professor Leandro entrou em contato com o vereador Fabrício Mazotti (Podemos) que fez a propositura e foi aprovado por unanimidade pelos quinze vereadores e, sancionado pelo prefeito a lei que institui a Política Municipal de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes Crioulas e Mudas e Conservação da Agrobiodiversidade (lei nº 3.827 de 6 de outubro de 2021). “Hoje, a lei é realidade. Cabe ao Executivo incentivar, instalar e apoiar o funcionamento de bancos de sementes crioulas, comprando insumos, materiais para a produção e depois adquirindo a semente produzida pelos guardiões, os agricultores que possui as sementes crioulas e estão cadastrados. O processo licitatório é construído com diálogo entre agricultores, instituições e prefeitura. Existe um teto: agricultor autônomo até 3 mil reais, cooperativas até 8 mil reais por ano, podendo aumentar o valor de acordo com o repasse que a prefeitura faz, conforme a lei manda para o projeto. A primeira venda para a prefeitura foi feita em 2023, ela adquiriu e distribuiu as sementes gratuitamente, em eventos, para quem tivesse interesse. E, o vereador Fabrício foi importante pois, pela emenda impositiva, destinou o recurso para o banco de sementes que foi implantado na Fundação Educacional de Andradina”, explicou.
Como já citado, entramos em contato com a Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Limeira perguntando quais emendas individuais obrigatória destinadas a agricultura familiar foram executadas desde que a atual administração assumiu o governo municipal? A resposta da secretaria foi: “A Secretaria de Gestão Estratégica informa que nenhuma emenda impositiva foi apresentada, especificamente, para “agricultura familiar”. A pasta reforça que a propositura de emendas aos projetos de leis é prerrogativa do Poder Legislativo, cabendo ao Executivo sua execução quando aprovada”.