A entrevista com Pedro Zanarelli, gerente do Sindicato Rural Patronal de Limeira, aconteceu em virtude da manifestação Tratoraço, um protesto contra a lei 17.293/2020 aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo que autorizou a redução linear de 20% nos benefícios fiscais concedidos a setores da economia.
A entrevista aconteceu no dia 6 de janeiro, antes do anúncio do governador Dória determinando a suspensão da vigência dos decretos estaduais que autorizam redução de benefícios fiscais do ICMS que afetaria os preços de insumos agropecuários para a produção de alimentos e medicamentos genéricos.
A manifestação aconteceu neste dia 7 de janeiro em todo o estado de São Paulo, com a presença de produtores rurais e caminhoneiros, mesmo depois da suspensão dos decretos estaduais. A organização do Tratoraço em Limeira foi liderada pelo Sindicato Rural de Limeira, numa tratativa prévia com um grupo de 30 Sindicatos Rurais abrangendo a Região Metropolitana de Campinas.
Pedro Zanarelli está no Sindicato Rural de Limeira há 30 anos, lá foi admitido como office boy, fez faculdade de direito e alcançou a gerência, onde permanece. De personalidade discreto, paciente, acompanha há três décadas pelo menos três gerações de agricultores de Limeira e região. Através de seu conhecimento e experiência podemos acompanhar nessa entrevista uma retrospectiva cronológica das vezes que a legislação estadual afetou a agricultura de forma incisiva, algumas delas levaram muitas famílias a desistirem da agricultura.
Ele acredita na superação e na capacidade de reinvenção do ser humano e lembra que o produtor rural desconhece a estrutura e o poder político que o Sindicato Rural tem e, oferece aos associados. E que portanto, se os mesmo participassem de fato das atividades da entidade, a agricultura local poderia estar muito melhor posicionada.
Jornal Pires Rural: Como se deu a iniciativa do Sindicato Rural para a organização da manifestação contra a lei 17.293/2020 ?
Zanarelli: Essa Lei foi enviada para a Câmara (estadual dos deputados) em regime de urgência. Eu tomei conhecimento depois que a água passou, acho que todo mundo, menos quem está em São Paulo e os deputados. Fiquei sabendo que a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo, FAESP, ainda junto com algumas bases tentou apresentar projetos, tentou reverter isso mas não teve jeito, passou. Foi aprovado. Depois, recebemos circulares da FAESP dando essa notícia impactante em meados do mês novembro. Aí, houve repercussão. Nós temos um grupo de Sindicatos Rurais da Região Metropolitana de Campinas, trata-se de municípios muito importantes economicamente para o estado de São Paulo. Com eles discutimos: o que fazer? O leite está derramado, o Dória apunhalou pelas costas, tirou todos os subsídios que tinha no setor há muitos anos e o que fazer?
Tivemos uma reunião do grupo em dezembro, aqui no Sindicato para decidir o que fazer. O produtor é pacífico. O produtor não queima pneu, não joga bomba. O produtor não invade propriedades. O produtor é pacífico, ele só trabalha. O que fazer? Na ocasião surgiu a ideia: vamos por uma faixa, vamos mostrar a nossa indignação, expor o que está acontecendo para correr o estado. Todos os Sindicatos Rurais da região colocaram uma faixa desse protesto. No final do ano tomamos conhecimento dos setores do Agro que estavam revoltados. Começou a pipocar, sindicatos e cooperativas bolaram esse Tratoraço para o dia 7 de janeiro às 8h.
Jornal Pires Rural: O Sr. está no Sindicato Rural de Limeira há quantos anos?
Zanarelli: Estou no Sindicato Rural de Limeira desde os 18 anos de idade. Aos 17 anos, você começa pensar, o que eu vou ser quando crescer ? (risos). Eu ia ao banco, via o cara atrás da escrivaninha; eu ia no Posto Fiscal e via o cara trabalhando atrás da escrivaninha, eu entrava no escritório e me agradava o que eu via, eu pensei, eu gosto disso. O meu negócio é o escritório.
Meu pai, Liberato Zanarelli, era associado do Sindicato. Meus bisavós vieram da Itália pra trabalhar na lavoura do café em Cordeirópolis, lá era uma vila de Limeira. Meu bisavô, meu avô, meu pai, todos com tradição da agricultura. Meu primeiro trabalho, você acredite ou não, foi na roça ajudando o meu pai mas, eu não tinha vocação. Eu colhi arroz no brejo com a foice no aguaceiro e depois batia o arroz na caixa. Eu colhi feijão, laranjas mas, nunca gostei. Foi a minha primeira experiência profissional e eu valorizo muito. Eu tenho a propriedade até hoje, herança do meu pai. Então, meu pai na época falou com quem administrava o Sindicato Rural, era o Dr. Paulo Hembling. Ele estava precisando de um ajudante office boy. Eu fui admitido, pegava o ônibus e vinha pra cá fazer a minha função. Depois eu me inspirei e entrei na faculdade de Direito.
Na ocasião eu tinha concluído a faculdade, o então presidente, o Dr. Caiodi de Castro me disse: “Pedro, se prepara que você vai ser o novo advogado do Sindicato. Eu assumi. Como todo começo é difícil e ali fui me dedicando. Eu segui a minha carreira, fiz pós-graduação, cursos, porque um advogado não pára nunca de estudar. E assim foi. Chegou uma ocasião, há mais de vinte anos atrás, em que o Sindicato enfrentou um problema administrativo interno. Uma pessoa que não sabia gerenciar como deveria, não tinha capacidade para a função, foi dispensada e os diretores falaram: “quem tem que assumir aqui é o Pedro”. Eu já tinha uma bagagem, um conhecimento, eu falei, não almejei ser gerente do Sindicato mas, para o bem de todos eu aceito. E assim foi que eu fiquei e estou.
Ao longo desses 30 anos, a minha experiência aqui, enxergo o produtor rural como muito individualista e pacífico (não só aqui em Limeira). Por exemplo, aqui é formado por uma diretoria e nem todo mundo está disposto a assumir, “eu tomar a frente daquilo lá (Sindicato Rural) porque eu quero ajudar a coletividade”. O trabalho da diretoria é voluntário. Às vezes, as pessoas que tacam pedras não se dispõe a ajudar efetivamente, tomados pelo pensamento: “eu vou largar o meu a fazer para ir lá? Eu não tenho tempo”, faço aqui uma crítica construtiva.
O produtor rural tem uma força grande que poderia ser maior, mais aproveitado. A gente tem visto que tem surgido lideranças aqui em Limeira, independente do Sindicato Rural. Tem muita gente boa que poderia dar força.
Jornal Pires Rural: Quais mudanças significativas que aconteceu a nível governamental que afetou muito o produtor rural de Limeira?
Zanarelli: Ótima pergunta. Eu começo dizendo que quando eu era garotinho, quando eu entrei aqui, eu me lembro muito bem (1984/1985) de ter ido fazer um trabalho no centro da cidade e ver produtor lá com uma camionete F1000 zero quilômetro, soltando rojões por causa da geada que deu lá na Flórida. Eu me lembro do pessoal comemorando a geada nos Estados Unidos. Nessa época, o produtor vendia a safra de laranja e comprava outra propriedade. Vendia a safra comprava outra propriedade. Vendia a safra comprava outra propriedade. É o período do milagre econômico do Brasil e o milagre econômico do citricultor limeirense. O pessoal foi crescendo, crescendo. As indústrias que não tinham produção própria pagava preço de ouro, cada bolinha amarelinha no pé era um quilate de ouro brilhando. Ouvia-se falar: nossa, esse cara tem dois alqueires, ele está bem, o pomar dele está bonito e assim esse cara foi crescendo.
Eu me lembro que o prefeito de Limeira era o Pedro Teodoro Kuhl, aí, veio o governador Mário Covas e decretou no estado de São Paulo o fim do cultivo de mudas cítrica a céu aberto. O decreto impunha a obrigação do cultivo em telado, caso contrário sujeito a multa. Tinha muita gente que ganhava dinheiro com isso, foi um baque imenso. Fizemos o possível e o impossível. Houve uma intensa fiscalização, teve gente que saiu com armas atrás dos fiscais do Estado. Foi muita muda queimada. O diretor (do sindicato, à época) João Santa Rosa e eu fomos pra São Paulo falar com o então Secretário Estadual de Agricultura e Abastecimento, João de Almeida Sampaio Filho, porque os produtores foram penalizados com multas. Eu falei para o Secretário, viemos pedir uma anistia, ele bateu na mesa: “anistia Não! Não fale essa palavra!”. Eu insisti, estamos pedindo que vocês reconsiderem essas multas porque o produtor já perdeu a sua produção e ainda vai ter que pagar multa; isso vai ser o fim, ele vai quebrar. Por essa luta o governo do estado retirou todas as multas mas, a questão sanitária não teve reversão.
O pessoal começou de uma maneira ou outra se adaptar até que veio o greening, aí acabou, dizimou todos os pequenos e médios produtores, a produção de mudas foi afetada. Alguns produtores produzem fora de Limeira e estão crescendo muito com a citricultura, um empresário sendo empresário.
Jornal Pires Rural: Com a constatação do greening a agricultura passou a viver uma outra fase, a doença virou a página da citricultura. Que outro capítulo começou a ser escrito?
Zanarelli: Eu penso que a humanidade se reinventa a cada tempo. Nós não vivemos a crise do café mas, o pessoal se reinventou. Eu penso no filme do Chaplin que ele só apertava parafusos. O pessoal daqui era especialista na citricultura, eram PhD da citricultura, uma experiência de três a quatro gerações e tiveram que deixar. Muita gente que eu atendo hoje, eu falava com o pai, o avô dele. O pessoal perdeu a identidade. O pessoal partiu para o cultivo da cana de açúcar, a terra se desvalorizou porque antes valia preço de ouro. Vieram as chácaras, os oportunistas. Aquele que tinha cinco ou dez alqueires e partiu pra cana, perdeu porque a cana provoca o efeito cascata negativo para o município tanto econômico como social.
No passado mais recente, o pessoal partiu pra milho, mandioca, hortaliças. Agora, essa desgraça da lei nº 17.293/2020, que veio majorar o ICMS sobre os insumos, sobre produtos, atingindo diretamente a cesta básica, um desestímulo para o produtor rural em meio a pandemia do coronavírus, afetando toda a sociedade brasileira.
Jornal Pires Rural: Naquela época tínhamos produtores rurais médios e pequenos vitimizados no contexto econômico como hoje?
Zanarelli: Eu me lembro que o pequeno produtor dos dois alqueires, como o exemplo citado, tanto como aquele que tinha 50 alqueires (aqui considerado grande), como aquele que soltava rojões – eram valorizado e tinham autoestima. Na época a indústria colhia a laranja, o produtor não tinha o trabalho e custo da mão de obra da colheita. As festas do produtor eram realizadas no Centro de Citricultura Sylvio Moreira, eram festas de requintes, uma mais fina que a outra. A coisa foi crescendo demais. Limeira era reconhecida no Brasil como ‘Capital da Laranja’.
Chegou a fase que a indústria deixou de fazer a colheita e delegou ao citricultor. Aí, foi o primeiro baque para o produtor. Essa foi uma das situações que afetou incisivamente o produtor, passou a ter outras atribuições administrativas que não estava preparado, aumentando os custos e na sequência novas legislações. As cooperativas de colhedores que deu muito problema. Até chegar o ponto da indústria dizer para o produtor quanto pagaria pela laranja, um pagamento que depende da taxação da bolsa em Nova Iorque, mais ou menos. Se o contrato estivesse em dólar e a moeda desse uma disparada e a indústria com o estoque cheio falava: “meu amigo, agora eu não posso. Quando der eu vou colher a sua laranja”. E a laranja caia do pé e lá ficava.
Eu me lembro muito bem que no contrato era previsto a responsabilidade da coleta por conta do vendedor, começaram os prejuízos. Os preços baixos, as pragas da citricultura, a praga da concorrência desleal da indústria do suco, começou a formação do cartel das indústrias de suco.
Jornal Pires Rural: O Sindicato acompanhou todos esses problemas ao lado do produtor, de que forma?
Zanarelli: Teve ações judiciais, ações que até demorou um pouco, uma ação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE pra deflagrar e confirmar a existência de um cartel e foi confirmada a existência do cartel. A indústria fez um Termo de Ajuste de Conduta – TAC e pagou uma indenização pra abafar o caso. Esse assunto já liga a um outro, em 2019 muito produtores (inclusive de Limeira) entraram com ações judiciais contra a indústria do suco lá em Londres, na Inglaterra, pedindo indenização do cartel. Os estudiosos jurídicos entenderam que teriam maior rapidez buscando a justiça inglesa. Se der certo os produtores vão ter uma indenização alta. Nós incentivamos eles entrarem com a ação, demos toda a assistência, recepção dos documentos, levando pra São Paulo, colhendo contratos, procurações. A Federação também deu essa orientação pra gente, eu fui pra Taquaritinga, SP, participar de reuniões.