Jornal Pires Rural – Edição 207 | CAMPINAS, Dezembro de 2017 | Ano XII
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa e Unicamp realizaram o 4º Encontro Mídia e Pesquisa. Com o objetivo de discutir a importância da ética na divulgação científica para as organizações de pesquisa e o papel do jornalismo científico na era da “pós-verdade”, incentivando o debate crítico da ética na cultura científica vigente. O filósofo da Unicamp Roberto Romano trouxe o tema “Fake news ou sofística? Uma ‘descoberta’ de algo antigo”.
O conceito de má-fé, concebido por Jean Paul Sartre, permite buscar um caminho em direção a uma filosofia moral da existência. Tomando-se as premissas sobre o modo de ser do Para-si- para-outro, a liberdade é uma condenação existencial. Essa condição pode ser assumida na angústia ou encoberta na má-fé. Ao assumir a angústia, a consciência assume a sua liberdade em situação. Ao mascará-la, a consciência faz um esforço para ser o que se mostra na situação, coloca como fim a liberdade em situação frente ao outro. Justamente porque a má-fé tem consequências morais que a autenticidade deve ser preferida e buscada por meio da conversão moral.
Segundo o filósofo Romano, a má-fé se distingue fundamentalmente da mentira, o mentiroso que mente ao seu interlocutor, o indivíduo de má-fé mente para si. “Eis um paradoxo, aquele a quem se mente e aquele que mente são uma só e, mesma pessoa. O que significa que devo saber como enganador, a verdade, que é mascarada para mim enquanto sou enganado. Mas, sinteticamente devo saber essa verdade para escondê-la de mim. Me parece que esse é um dos pontos mais profundos e dos mais importantes em termos de ética individual e coletivo. Existe a má-fé individual e existe a má-fé coletivo. Eu diria que 90 por cento desse debate que fazemos do fake news / pós-verdade, se enraíza nesse ponto essencial da má-fé, que é presente praticamente em todos os seres humanos”, afirmou.
A dissimulação são atos e comportamentos que integram o campo da mentira. Na dissimulação honesta, pensa-se que a mentira e a duplicidade aumentam a renda social, a vida social e a mentira.
Há um desvio investido por Jean Jaques Rosseau, muito sério, sobretudo na internet, nas redes sociais, que é a sinceridade, que permite a verdade. “Rosseau inventou essa coisa chamada sinceridade. Quando digo tudo que sou e digo tudo o que penso dos outros, sou sincero. No livro de Rosseau, as “Confissões” (roubado de Santo Agostinho, o título), a sinceridade assim praticada é uma das piores desonestidades e agressões. Então, temos a desonestidade do sincero. Quando digo ao outro tudo o que dele penso eu mato a sua alma e não apenas o seu corpo. Quando você vai a uma reunião social seja o último a sair porque a cada vez que um sai, tudo sobre ele aparece, se estraçalha sua reputação, essas são as delícias da vida em sociedade. A violência saiu da garra e passou para a língua”, destacou Romano.
Esse lugar da não-verdade, da má -fé, foi bastante investigado e discutido e combatido por Platão. “Como sofista, essa fala persuasiva que não tem um lugar, que não é de algum lugar, é a aparência, você não trabalha com o ser, você trabalha com o que parece ser. E, aí você tem capacidade de persuadir e de decidir os destinos políticos e sociais. Essa capacidade de mentir, diz Platão, e aí começamos o problema do combate à mentira, diz ele, é preciso proibir esse tipo de prática. É preciso impedir essa prática. Pra quem vamos permitir a mentira? Apenas para o especialista em Estado. O especialista como o médico tem o direito de mentir para o bem do doente – a nobre mentira platônica. Os homens nasceram em tal e tal origem – temos que convencê-los de que eles têm uma origem comum. O dr. pergunta, ninguém vai acreditar nessa bobagem, né! Sófocles diz, na primeira vez, talvez não, na segunda também não mas, na terceira vez já começam a acreditar”, explicitou Romano.
Sempre que se espalha algo via internet, a mentira, apela-se para o democrático. Romano lembra que já na instalação da democracia grega, estava em debate e foi motivo de proibição a livre expressão. “Eu posso falar o que eu quero. Eu posso ser sincero, porque eu tenho o direito de ser livre e dane-se aquela pessoa que foi destruída pela minha fala. Em cima desse direito e dessa curiosidade sobre a vida alheia universal e essa destruição do outro, o gosto e o prazer pervertido de fazer o mal, que está presente em todos os seres humanos; só deles são livres os hipócritas. Em cima dessa situação você tem os diagnósticos sobre a opinião pública. O povo não tem maturidade para o verdadeiro. Para exercer a palavra com peso, portanto, só lhe cabe a persuasão – não tem nenhuma condição de se dirigir ao outro a não ser persuasivamente”, disse.
Romano continua definindo a capacidade do povo para a verdade destacando – o que muitas vezes o mesmo é definido como um elemento infantil, curioso, falador, perigoso; e essa definição nutriu o pensamento totalitário do século XX. “Hitler dizia que o ser feminino que são as massas só podem ter acesso a condução e persuasão. Em cima dessa tese tão espalhada, um dos juristas mais importantes do Reich (Terceiro) Carl Schimitt – aí vem a minha preocupação particular, porque hoje é louvado e encantado por setores da esquerda mundial e brasileira – isso é um paradoxo porque ele faz uma crítica do sistema parlamentar e por isso ele seria legal. Mas esse sr. sabia o que estava falando. Na era da comunicação de massa, na era da tecnologia da comunicação de massa ele já estava pensando em rádio e televisão. Cabe ao governo o controle absoluto dessa comunicação. Cabe ao governo, efetivamente, não permitir liberalismos. É necessário utilizar a comunicação como um instrumento de persuasão e de imposição de Estado. A partir daí, nós temos uma fábrica de fake news muito bem examinado por exemplo, Víctor Klemperer (na linguagem do terceiro Reich), o mesmo criou uma série de linguagens. inclusive do ponto de vista gráfico, algo que é muito comum na imprensa brasileira hoje, quando se trata de atacar o inimigo, o uso das aspas. O fulano é filósofo entrega aspas, democrata entre aspas. Esses usos dessas linguagens de imposição e de destruição do outro se torna monopólio de Estado”, pontuou.
Romano, vai além na sua explanação e nos traz à consciência a propaganda enganosa que o Estado produz com o dinheiro público. “Eu não exageraria ao lembrar aos senhores que o Brasil tem uma fábrica, que vem de longa data, de produção de fake news, de propaganda persuasiva e de imposição de força através da propaganda. E, foram retomados pelo governo de 1964 e que estão presentes até hoje. Me perdoem, mas querem um amontoado de fake news mais terrível do que a propaganda elucidativa e informativa dos governos? Basta ver a televisão e o jornal, a notícia de interesse público. Na verdade nós temos aí uma intervenção cotidiana com bilhões aplicados para a imposição de mentiras e essas mentiras dão muito dinheiro e dão muito poder”, afirmou Romano.
Para Romano o conceito de fake news, pós-verdade, vêm de três mil e quinhentos anos de história e de debate sobre logos e pseudos, ou seja, aquilo que você fala pra enganar e aquilo que você fala pra tentar dizer o verdadeiro. “Eu terminaria a minha fala com um autor que foi muito utilizado pelos nazistas mas, que em certos momentos toca no vivo da questão política, da questão ética e da questão epistemológica do problema da verdade. Por que eu digo isso? Porque mal surgiu esse conceito do pós-verdade, mal surgiu essa palavra do fake news e imediatamente aquele Estado brasileiro que desde o império tem técnicas de controle e de imposição está preparando uma comissão para impedir as fakes news nas redes sociais durante as eleições de 2018. Está tudo pronto para que a Abin e todas as marcas de repressão do Estado brasileira estão presentes, Forças Armadas, com certeza a Polícia Civil, a Polícia Técnica – todo um sistema que já existe que vai estar presente para produzir e reproduzir a fake news no Estado brasileiro. As eleições, será toda ela um conjunto de fake news. E vai ganhar independentemente quem tiver o apoio desse grande instrumento de mentira”, revelou.
Romano ainda cita o filósofo Friedrich Nietzsche, e a obra “Assim Falava Zaratustra”, onde cita o Estado.”…O Estado é o mais frio de todos os monstros. Ele mente friamente, de sua boca sai está mentira: ‘Eu, o Estado, sou o povo’. E atualiza o assunto. “Vejam, a questão do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, nós temos uma imensa propaganda da ética na política e isso suscita uma luta contra a corrupção. Essa luta contra a corrupção vai sendo requentada como se fosse uma máquina automática, cantando a mesma música e engabelando multidões. Isso é pós-verdade. E isso, já era conhecido pelo Sr. Aristoteles e Sr. Platão, Eurípedes e outros”, concluiu Romano.