Jornal Pires Rural – Edição 222 | SÃO PAULO, Novembro de 2018 | Ano XIII
O Seminário Internacional Conexão Comida; Saberes e práticas na alimentação, aconteceu no Sesc São Paulo, em outubro. Venceslau Donizeti de Souza, agricultor desde 1987, presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar e Agroecológica – Cooperacra, em Americana, participou da mesa “ Saberes e práticas : iniciativas inspiradoras para a alimentação adequada e saudável.
Venceslau que também é filho de produtor, na ocasião, contou um pouco da história dos produtores da Cooperacra, uma iniciativa que começou na década de 1980, com a chegada da mecanização na produção agrícola em todo o país, e aconteceu o chamado êxodo rural.
A chegada em Americana
“Quando as famílias tiveram que vir pra cidade e, esse foi um caso que aconteceu com a gente (produtores), somos migrantes e, chegando em Americana, não conseguimos nos adequar ao setor industrial (não conseguindo emprego), voltamos a usar conhecimentos adquiridos de produtores. E a nossa cidade, mesmo sendo uma das menores do estado de São Paulo — em questão de território, teve um prefeito com visão social por ceder áreas públicas para a iniciativa de produção agrícola. Nosso bairro, jardim Alvorada, na periferia, quatro famílias começaram a trabalhar em áreas públicas, isso foi muito bem até um certo tempo. Até chegar as construções das escolas, das praças, o espaço foi utilizado para outras finalidades públicas. Mas a secretaria de Obras não teve o cuidado com os produtores pois, prepararam essa área sem nenhum aviso prévio, o que gerou um certo desconforto na comunidade – que estavam acostumados com a horta comunitária. Desde lá, começamos a reivindicar uma outra área para produção, ao lado da fazenda do Governo do Estado de São Paulo — uma área subutilizada — e foi aí que a gente encaminhou através do projeto “Cinturão Verde”, uma proposta para o governador, através da Secretaria de Abastecimento. E começamos o trabalho. Checamos os documentos envolvendo os órgãos públicos como a prefeitura. Um belo dia, fomos para uma reunião com o diretor de Zootecnia e expomos a necessidade de acertar a terra, ele nos disse: ‘vocês sabem quantas pessoas têm vontade de fazer isso?’ Eu já estava com a relação das famílias que queriam, eram famílias de baixa renda. Ele falou: ‘Já que vocês têm o número de pessoas, encaminhem o processo pra frente’. Um dia, o prefeito nomeou dois representantes da prefeitura e firmamos um convênio que possibilitou esse grupo informal, depois começamos a tratativa com os órgãos públicos, foi quando a gente precisou se organizar”, contou Venceslau.
A fundação da associação
“Fundamos em 12 de outubro de 1988 a associação pra poder respaldar os convênios e o prefeito sensibilizado com os produtores disse: ‘o que vocês conseguirem produzir acima de dois quilos, a prefeitura vai absorver na merenda escolar e no parque ecológico’. A primeira experiência desse grupo foi trabalhar com a merenda escolar. Aconteceu até 1997. Em 1999 a gente tinha uma dificuldade de competir com a produção local. Procuramos a universidade — temos um elo muito forte com a Esalq-USP, em Piracicaba, e também com a Unicamp. A partir daí, os produtores começaram a entender como poderia fracionar e embalar os produtos com planejamento da produção. Antes, a produção era de subsistência, produzíamos o milho, a mandioca, entramos numa escala de produção e hoje produzimos trinta itens. Foi um caminhar, aprendendo e fazendo, se organizando”, observou.
Dificuldade pra comercializar a produção
“Em 2008, venceu o convênio da terra, coincidentemente venceu o convênio de fornecimento da merenda escolar. Nós ficamos sem mercado e buscamos outras formas de comercialização, a venda de porta em porta, abrimos uma loja no mercado municipal de Americana, fizemos várias iniciativas para o fomento de produção. Em 2016, chegou um comunicado da prefeitura de Americana, comunicando que da forma como estávamos comercializando não era possível continuar. Consultamos o Instituto de Cooperativismo e Associativismo do Estado de São Paulo (ICA – CODEAGRO), que nos encaminhou um técnico para dizer quais eram as vantagens e desvantagens de ter uma associação ou uma cooperativa. Convidamos vários produtores para entender a proposta e a decisão da Assembleia foi a formação de uma cooperativa. Então, em 2008 fundamos a Cooperacra e começamos a entender como funciona essa ferramenta do cooperativismo. Como o cooperativismo pode representar os produtores tanto com relação às empresas como nas compras conjuntas, na participação de bens, na aquisição de capital, na contratação de serviços. O grupo se organizou novamente como uma cooperativa”, ele detalha.
A certificação orgânica
“Conseguimos a certificação orgânica da nossa produção. Convertemos toda nossa produção em 1999 – como não tínhamos condições de competir no mercado, mudamos a forma de produzir. Passamos a produzir no sistema natural e o Estado de São Paulo não tinha o sistema de certificação participativa (agora é mais comum), buscamos a certificadora Mokiti Okada. Mas a certificação não mudou muito o cenário, porque estamos numa região que quem dita os preços são os donos dos estabelecimentos (do varejo). Em 4 de agosto de 2009, a política da merenda escolar (que é tão antiga) estabeleceu a compra de 30% da agricultura familiar e foi assim que começamos a caminhar. Nesse período, investimos numa loja que nos deu visibilidade. Éramos a primeira loja com certificação orgânica na cidade”, afirmou.
A realidade local
“O município de Americana tem 210 hortas urbanas, incluindo uma comunitária no modelo da nossa. A nossa é a maior em território, tem 27 hectares em área de produção.
Nós produzimos dentro do modelo da agricultura familiar, com trinta produtores (alguns aguardando na fila pra acessar uma área pública), estamos no sistema florestal numa parceria com a Unicamp. Quando os produtores entenderam a ideia de poder diversificar a produção no sistema agroflorestal, num sistema de escala, tivemos o reconhecimento do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de organismo de controle social – os produtores que estão dentro do sistema de cooperativa cadastrado no MAPA. A Cooperacra tem o certificado e cada um dos produtores também tem o seu, sistema OCS (Organização de Controle Social). Estamos caminhando para um outro selo da agricultura familiar, o selo do Orgânico – STG, um modelo da Ecovida, do Rio Grande do Sul — já fizemos todas as oficinas e estamos aguardando o Ministério prover o selo. É uma forma de reconhecimento. Participamos da entrega para a merenda escolar através do PNAE e também entregamos através do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA – que está praticamente extinto no estado mas, eu tenho que falar dele porque quando começou (em 2010) chamando as prefeituras na região para participar, a de Santa Barbara d’Oeste se interessou, renovado todos os anos por chamada pública, um processo que fortalece a agricultura familiar, chegamos atender cinco cidades na região e hoje, estamos atendendo três: Americana, Nova Odessa e Santa Bárbara d’Oeste.
Temos um programa de Aquisição de Alimentos da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). É uma parceria entre a prefeitura de Americana, a Cooperacra e a Conab, que subsidia os alimentos da cooperativa para as entidades sociais. Chegamos a atender 24 entidades assistenciais, 3.200 pessoas no projeto e, infelizmente esse ano ficamos sem o recurso porque, foi disponibilizado apenas 1 milhão e meio de reais e nós ficamos fora do programa. O excedente da produção era destinado a esse programa e agora temos que dar outras finalidades o que onera a cooperativa”, ponderou Venceslau.