No dia 2 de agosto aconteceu um incêndio criminoso de grande proporção na área de plantio de cana-de-açúcar sob a gestão da Ester Agroindustrial situada na LIM 346, entre os municípios de Limeira (SP) e Cosmópolis (SP). O incêndio queimou todo o plantio, mata, até o limite da estrada LIM 464, quando atingiu chácaras da Associação Estância Paraíso, bairro dos Pires de Baixo, causando prejuízos de ordem econômica, ambiental e moral. Não houve vítimas.
Fomos recebidos por José Netto, gerente corporativo de serviços administrativos, Lara Eler, coordenadora corporativa de Segurança, Saúde, e Meio Ambiente, Ricardo Ferrari, técnico de prevenção e combate de incêndio corporativo, Hugo do Nascimento Lopes, assistente administrativo. O objetivo da visita foi ouvir a empresa Ester Agroindustrial Grupo EP, para saber o que de fato aconteceu naquele dia, qual foi o plano de ação e combate e a assistência da estrutura de Gestão de Incêndios à comunidade afetada.
“A Ester Agroindustrial não põe fogo em cana-de-açúcar. Todo e qualquer incêndio dentro da nossa propriedade são maléficos para a produtividade e sustentabilidade, porque no passado se queimava cana-de-açúcar para fazer o corte manual, hoje, o corte da cana é cem por cento mecanizado aqui na Ester. E a palha é uma biomassa importante para fazer a queima aqui na indústria, que gera energia. Além do quê, a cana pegar fogo antes da época certa de amadurecimento, detona toda a produtividade nossa, tem que mudar a logística além de toda a questão ambiental que proíbe a queima. A cana queimada no incêndio criminoso, uma vez queimada tem que colher porque deixando muito tempo queimada a planta apodrece, provavelmente aquela planta estava entre 60 a 70% de amadurecimento, estamos perdendo pelo menos 30% de produtividade da cana, além da perda da biomassa”, afirmou José Netto.
A Ester Agroindustrial mantém o Sistema SintecSys de busca de foco de incêndios. Hugo do Nascimento Lopes, assistente administrativo, apresentou o sistema que grava imagens automaticamente para a geração de relatórios da empresa. “São três torres que fazem a triangulação de 80% da área da empresa através de imagens. A câmera detecta nuvens, poeira, carro, pessoa, ou seja, tem capacidade de detectar tudo o que não faz parte daquela imagem natural do local de plantio, e imediatamente emite um alerta para o operador. A gravação de imagens é permanente, pois gera a possibilidade de comparação com a última imagem”, afirmou.
Acompanhe na íntegra a entrevista;
JPR: O que de fato aconteceu que provocou aquele incêndio?
Lara Eler: A gente não tem uma situação que a gente possa falar que foi uma pessoa que passou ali e iniciou o incêndio criminoso. A gente sabe que as nossas máquinas não estavam trabalhando ali. É uma área que a gente não tem um mapeamento de quem transitou. Imediatamente quando foi identificado a situação nós enviamos cinco caminhões para fazer o combate, só que estava ventando muito, o tempo seco, a dificuldade de manuseio da logística da equipe e a situação foi se agravando.
JPR: Com esse agravamento, de quê maneira a corporação de combate está preparada para quando ocorre um fato como esse?
Ricardo Ferrari: Quando a gente detectou (o incêndio), dispara os veículos de ataque rápido, são as camionetes que dá o primeiro tempo resposta nesses (primeiros) cinco minutos. São carros equipados com espuma LGE (trabalha há 1%) com a capacidade de 100 litros. Chega esse ataque rápido (ao local) e pede já o apoio dos veículos mais robustos, os caminhões com capacidade desde 15 mil a 18 mil litros de água e 200 litros de LGE; que vem dando o suporte tentando fechar essa área. Porém, nesse dia nós tínhamos o fator 30-30-30 (significa 30% de umidade, 30 graus de temperatura e 30 Km/h velocidade do vento), esse vento variava em várias direções (cabeça do fogo) e começa impactar na nossa operação formando várias cabeças (a cabeça do fogo é onde a direção do vento está girando). Nesse caso o clima é determinante. Tanto que o Corpo de Bombeiros chegou ao local e falou: “a gente vai apanhar um pouco porque o vento está mudando de direção constantemente”.
José Netto: É importante comentar que além da nossa equipe, a Ester Agroindustrial faz parte de um auxílio mútuo com o Corpo de Bombeiros de Paulínia (SP), Limeira (SP), a Defesa Civil das cidades e outras empresas que integram a Mata de Santa Genebra, Campinas (SP); dentro desse grupo, conforme a gente, percebendo que aquela ocorrência está ganhando proporções maiores aciona. Mas, na dúvida, a gente aciona sempre. A safra conta na Ester, de abril a março, ao longo desse período de abril até a semana passada a gente tinha tido a ocorrência de 200 hectares queimados, nenhuma ocorrência em mata, nenhuma proporção descontrolada. Em uma semana a gente teve o equivalente a abril, maio, junho, julho inteiro de queimadas; fugiu do controle mesmo e não foi só no dia 2 de agosto. Não tínhamos operação no local, não tínhamos evidência de que caiu um balão. Então, ou foi alguém que colocou, ou uma fagulha provocou. A equipe não demorou nem 10 minutos pra chegar ao local.
JPR: A equipe estando no local do incêndio, qual foi o plano de ação?
Ricardo Ferrari: Eles começam verificando primeiro o fator 30-30-30, as camionetes começam ir pra cabeça desse fogo, e aciona via rádio nas viaturas pra virem e iniciar o fechamento da cabeça do fogo. Fecha-se pelas laterais descendo sentido na direção do vento e a cabeça do fogo. O fogo florestal começa: cabeça, flancos, dedos, retaguarda e toda a parte que a gente fala “as costas do fogo”. Então, o trabalho se inicia fechando a cabeça, retaguarda, dedos, flanco e cabeça.
Lara Eler: Eles não podem vir de encontro (ao fogo) porque o vento está posicionado contra eles. Então, pelas laterais pra poder ir tampando a passagem, estrategicamente, observado onde tem mata, onde tem moradia, poupando essas áreas com essa intenção que queime a cana mas não chegue nesses locais.
JPR: Qual é a diferença da atuação da estrutura de gestão de incêndios no caso, da época da queimada programada (hoje inexistente) em relação ao plano executado nesse incêndio com o fator descontrolado, de repente, de surpresa, mas não inesperado? Há décadas a comunidades é vizinha e quando era a queima programada a comunidade foi melhor assistida do que dessa vez, com residências afetadas.
Lara Eler: É uma situação completamente diferente, a programada vai com uma estrutura de queima por todos os lados e o fogo morre dentro – o controle do incêndio com o incêndio vindo de encontro. Ali (2/8) teve fator surpresa.
JPR: Desde quando a empresa tem avaliado o período de aumento de incêndios criminosos nas áreas de plantio?
José Netto: Desde 2016, com a mudança da forma da cultura do plantio da cana-de-açúcar. No passado, plantava a cana até pegar a mata. Hoje, ela tem um distanciamento de plantio, mais o aceiro. A equipe passa a cada tempo pelas áreas de preservação pra ver se está sendo feita a manutenção correta dessas áreas, principalmente nas áreas que tem impacto em comunidades e de preservação permanente – a equipe ganha nota (é avaliada) porque isso faz parte da excelência da produção. O plantio, a colheita, é tudo feita de forma mecanizada, o risco de ter um foco de incêndio saindo das máquinas é menor, todas as frentes de trabalho são munidas de equipamentos e equipe de combate a incêndio; inclusive as frentes de terceiros tem um caminhão pipa, se por ventura cair faísca apaga na hora. O investimento nesse sistema de monitoramento das áreas fez cair quase 70% de focos de incêndio. Fazemos o mapeamento de período do ano, da semana e horário com mais incêndios. Fazemos campanhas de conscientização para desmistificar essa coisa de que quem põe fogo é o usineiro, produtor de cana. Fechamos a área industrial porque a responsabilidade pela área é nossa em garantir que não entre estranhos nessa área.
JPR: Há décadas a associação Estância Paraíso é vizinha da área de plantio da empresa desde quando ocorria a queima programada. Por que a comunidade era melhor assistida com o trabalho de queima programada e desta vez, o combate não assistiu os moradores e as residências afetadas pelo fogo criminoso?
Lara Eler: Um plano de comunicação faz todo o sentido.
José Netto: O papel da comunidade ser um fiscalizador e avisar a empresa é bom. Fizemos campanhas com funcionários, nas escolas, outdoors nas cidades da região. Agora com essa ocorrência, fazia muito tempo que não acontecia um incêndio criminoso desse tipo, estava tudo planejado para conter o fogo rapidamente, mas não conseguimos. Se, de novo acontecer algo similar a gente esteja melhor preparado, trabalhar em conjunto com a comunidade
JPR: De que forma?
Lara Eler: A gente pode criar um plano de ação e colocar um telefone pra vocês ao evidenciar uma situação como essa.
José Netto: Vamos pensar num plano e na conversa com todas as empresas que fazem parte dessa região para formar uma equipe voluntária de brigadistas, dar o treinamento para essa equipe, eles acabam virando multiplicadores dentro da comunidade. E criar um manual, um vídeo institucional que mande pra todos saberem, se caso aconteça alguma coisa, o que você faz, no caso, acione. Um dos principais segredos pra garantir que o fogo não aconteça é não botar fogo. Outra coisa, nenhuma usina põe fogo em cana. Se ver fogo em cana, está errado. Aciona, denuncie, que chega em todos os comandos parceiros em Limeira, Defesa Civil, 6º Batalhão, Polícia Ambiental.
Nos comprometemos a organizar junto com os representantes da comunidade um treinamento para uma Brigada Voluntária de prevenção e combate a incêndio e também um treinamento que passa por: como acionar, como se comportar, como fazer. Vamos avaliar junto a equipe do Corpo de Bombeiros da região, intensificar o monitoramento da área, onde a gente tem o ponto de oportunidade para entender, porque a cada ocorrência é investigado por que aconteceu, quais são as causas, o que funcionou e o que falhou. E com base nisso a gente faz um plano de ação.