- Talita Barros – Graduada em Pedagogia pela UNASP. Atuou como professora e coordenadora na cidade de Limeira, participou na formação de professores, módulo Educação Antirracista na UNIFAL. Atualmente é professora de educação infantil na prefeitura de Piracicaba e desenvolve parcerias com pesquisadoras em Angola
No chão da escola, seja ela Educação Infantil, Fundamental, Ensino Médio ou na Universidade é declarado entre silêncios ou “gritos” o lugar onde o corpo negro cabe, algo que na maioria das vezes tão subjetivo mas, quando é tirado a parede (em muitas vezes invisível) aquilo passa a se tornar tão nítido, aberto para que qualquer um que deseja ver, veja.
É necessário lembrar que essa ação de permissão de onde o corpo pode habitar está ligado a maneira da qual o ser negro foi tratado, como objeto de opressão, tudo muito ligado ao não “Belo”, ao não pensante, a não existência. Logo se torna ainda mais difícil do corpo negro na infância entender onde é seu real lugar, e do corpo não negro entender onde é o lugar do corpo negro.
Existem situações da jornada escolar que como uma vitrine nos apresentam inúmeros retalhos de desumanização. Diferenciar um ser do outro é muito importante para as crianças, pois ao conviver com muitas outras entendem através da observação que não são todas iguais, mas como lidar com tal situação de diferenciação sem que o ato discriminatório seja presente no resultado da observação? Como agir quando uma criança nota os diferentes tons de pele, a textura dos cabelos, os traços faciais, corporais sem que haja uma ação excludente? É indispensável procurar entender as especificidades étnicas, ainda mais no Brasil, país tão multicultural e pluriétnico.
É possível ensinar o que não conhece? Conhecer exige pesquisas em materiais que tenham veracidade. Identidades foram alimentadas nas salas onde se ouvia sua história partindo da escravidão, onde o corpo negro era posto não participante da construção da nação brasileira, onde, em livros didáticos, eram apresentados a história africana e afro-brasileira de maneira completamente estereotipada.
O “quem é você” é o mais profundo do que se espera. Definir quem somos é algo demorado a se responder, é uma construção de SERES para se chegar a conclusão do SER, é por isso que diante dessa situação de auto, ou não, conhecimento o educador necessita exercitar a ação de ouvir.
A escuta trará o fio da meada, apresentará caminhos, e o mais considerável é quando o professor se permite escutar pelo ouvir ou pelo enxergar, assim conseguirá com o coletivo traçar estratégias que respeitará a singularidade de cada habitante da escola, que gosto de chamar de quintal.
O ouvir não está somente relacionado aos encontros diários na sala de convivência (sala de aula) e perguntar às crianças o que sentem, até porque elas nem sempre sabem o que sentem, ou apresentar a história de formação do povo brasileiro, mas pela observação de conversas entre pares, na sinalização de frases cheias, ou não, de intencionalidades, na formação de grupos excludentes, no posicionamento dos corpos, nos olhares trocados no silêncio constante.
Lembrando que as relações professoras X criança é algo que vai se construindo a partir do primeiro pisar no Quintal. É imprescindível o embasamento teórico para entender, respeitar, demonstrar afetividade para que o pensamento, se possível se renove e a ação se torne acolhimento por meio da escuta, do enxergar, sendo assim o envolvimento do conhecimento algo libertador.
Viver o estranhamento, isso é muito BELO, é algo que se faz necessário. Durante uma movimentação na sala de convivência, como de costume as famílias eram convidadas a participarem, a tal parceria Escola X Família e Comunidade, realmente deve acontecer, o transpor dos muros, portões são necessários já que a educação é refletida diretamente na sociedade.
A avó de uma criança, levou a todos a possibilidade de se criar palhaços utilizando materiais descartados diariamente, o ateliê estava montado com a participação das crianças, entre as materialidades alguns pedaços de E.V.A em cores diferentes. Convido, você leitor, a perceber as entrelinhas, às conversas com ou sem intencionalidades; enquanto escolhiam a cor da pele uma criança ao se referir às pessoas “marrons” declarou não gostar das mesmas pois, “elas são estranhas”, ainda na dúvida a professora de pele negra perguntou “e eu sou estranha?”, a resposta rápida veio “sim, você é marrom!”.
Essa expressão de pensamento é apenas reflexo do que é mostrado diariamente nos filmes, desenhos infantis, nas falas dos adultos entre conversas e até mesmo no universo dos palhaços, algo da qual a criança era apaixonada, a presença do corpo “marrom” como algo até difícil de descrever, que o fez chamar de estranho.
Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação, são palavras/ações causadoras de tanto desequilíbrio emocional. Existe um retrato do etnocentrismo na ação de julgar a partir de padrões culturais próprios como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal”, os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até rejeitando sua humanidade. Ambas palavras estão ligadas, gerando automaticamente a presença do estereótipo que consistem no hábito de rotular grupos, generalizando e atribuindo valores de inferioridade, na maioria das vezes devido as características raciais e étnicas.
Pode-se considerar que o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias. A discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. Emudecer, calar-se ou ser calado diante de uma situação e a invisibilidade também são consideradas atitudes que se constitui em discriminação, cresce então, a necessidade dos educadores, professores estarem com olhar refinado a cada criança, as características físicas devem ser evidenciadas para valorização.
O cabelo cacheado e crespo em suas diversas curvaturas é um dos maiores sinais de não existência dentro do “belo” promovido pelo padrão eurocentrado. Meninas negras de peles retintas ou claras para serem aceitas e se encontrarem passam por procedimentos de não aceitação, de rejeição do cabelo, buscam acolhida num pedaço de ferro quente (chapinha), nos secadores com escova, no sofrimento de alisamento químico ou mecânico. O olhar para o espelho se torna doloroso, olhar algo que não reflete a grandiosidade que ela (criança) desejava ser. Com os meninos a máquina vem e tira qualquer vestígio de crespo e quando o crespo é permitido, a família então, já começa a preparar essa criança para os enfrentamentos possíveis.
Diante de tal situação, que representa partículas da imensidão de enfrentamentos que o racismo traz, cabe o chamamento da importância em desenvolver o pensamento e propiciar a desvinculação daquilo que é totalmente lógico, conhecer a história com sua ancestralidade para que o caminho até o autoconhecimento seja livre de qualquer padrão pré-estabelecido, longe de qualquer estereótipo gerado pela sociedade, por meio da prática pedagógica o “não belo” poderá um dia se tornar belo.
Excelente texto!!!
Parabéns para a autora!!!
O “lugar do corpo negro” começa a ser definido na escola, que é o primeiro local de socialização de uma criança.
Por falta de conhecimento, representatividade e pelo preconceito transmitido pelos antecessores, a criança tende a reportar tal atitude em sala de aula e fora dela.
Quebrar toda essa cadeia é um longo processo que deve ser travado por toda a sociedade, preta ou não preta.
Reconhecer que vivemos num país extremamente racista e que esse racismo mata (física ou psicologicamente uma pessoa) é o primeiro passo para a mudança.
Parabens pelo texto, descreve bem e contextualiza a realidade do Brasil e da Criança negra.