Jornal Pires Rural – Edição 220 | SÃO PAULO, Agosto de 2018 | Ano XII
Aconteceu em São Paulo, em meados do mês de agosto, o seminário “Jornalismo e as configurações do quarto poder”, nas dependências da unidade Sesc da Vila Mariana. Promovido pela revista Cult em parceria com o Sesc, o seminário buscou discutir, nas experiências dos jornalistas e escritores convidados, o poder da imprensa, seus modelos de gestão, a influência da internet e a contribuição da imprensa como agente formador de consciência política, para todo aquele com interesses na constituição de uma sociedade atenta aos discursos, para a sua expressão democrática e participativa.
Nas palavras de abertura do Seminário, o diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda observou, “no formato que permite interpretações diferentes e no discurso que se disfarça em verdade, há situações concretas, manipuladas por falsidades que potencializam as misérias humanas, onde tentamos extinguir. As notícias falsas que se esparramaram nos últimos tempos, tomando ares concreto de possibilidades, devem sempre encontrar as resistências, para que a nossa democracia, já tão abalada por processos contínuos de descrença de sua verdadeira potência, não se veja enfraquecida ou mesmo adoentada”. Nesse contexto, o diretor escreveu em nota ser oportuno “refletir sobre uma recolocação da responsabilidade e do papel de influência das empresas de comunicação e seus profissionais”. Finalizando Miranda evidenciou: “espero que o presente seminário seja uma forma de crescermos e nos fortalecer como seres humanos na busca de uma completude que transcenda o mero valor material e que atinja e alimente os valores que nos construíram e nos mantém como humanidade”.
Hiperinformação
Iniciando a primeira mesa de debates, o tema proposto foi: “O jornalismo diante de uma sociedade hiperinformada”. Coube a Andrea DiP, iniciar as discussões. Andrea é repórter especial da Agência Pública de jornalismo investigativo. Sua experiência vem de reportagens sobre direitos humanos e cobertura da política nacional, tendo trabalhado em Brasília – DF. Sua fala no seminário discorreu sobre a experiência da Agência Pública, fundada em 2011, por repórteres mulheres, sendo a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil. A ideia de implantação da Pública foi ter foco nas grandes reportagens, “coisa que as grandes redações não tem tido como fazer”, disse.
Para DiP, “o jornalismo investigativo, aprofundado e imersivo demanda tempo e dedicação do repórter” e exigi um investimento financeiro alto. “Vai além da competitividade pelo furo de reportagem, do conflito de interesses de anunciantes e a disputa, sendo a mais recente, pela ‘timeline’ da audiência. Por experiência própria, posso dizer que é quase impossível para os grandes jornais manter por dois ou três meses o repórter em apenas um tema. Em uma redação, já me disseram que entrevistar 3 fontes para uma matéria, era um luxo, que o veículo não poderia bancar, pois, era disputa pelos cliques e furos”, exemplificou.
Licença pública
“Pensando na concentração de mídia que ainda temos no Brasil, levando em conta as questões de disputa pela audiência e, se isso não fosse um fator de peso na decisão de pauta, o modelo escolhido pela Pública — de fazer jornalismo investigativo — foi oferecer nosso conteúdo em ‘Creative Commons’ (espécie de licenças públicas que permitem a distribuição gratuita de uma obra protegida por direitos autorais) aos outros meios de comunicação. Nossas matérias vão para portais, jornais locais, jornais maiores. É um jeito de não ficar apenas na nossa ‘bolha’ de audiência. Isso funciona, por exemplo, em 2017, nosso conteúdo foi republicado mais de 1.900 vezes, por mais de 700 veículos. É um modelo que estamos trabalhando duro mas, vendo funcionar. Isso também é uma forma de não depender tanto das redes sociais. Como entendemos que o jornalismo é importante para a Democracia, achamos fundamental fomentar esse jornalismo independente, investigativo e inovador, da seguinte forma: lançando periodicamente bolsas reportagens, para repórteres financiarem a pauta dos ‘sonhos’, fazemos congressos de jornalismo independente, conversas e residências em nossa ‘casa Pública’, sediada no Rio de Janeiro, cujo espaço serve para receber jornalistas brasileiros ou estrangeiros para residências ou laboratórios”, destacou.
“A Pública também pauta a grande imprensa em assuntos que geralmente não aparecem, como a questão indígena, nos conflitos agrários e, na violência de gênero fizemos uma grande reportagem sobre a violência obstétrica, sendo na época, a primeira grande reportagem a tratar desse tema, além de ter sido uma das matérias mais lidas na história da Pública. O tema acabou pautando o debate em vários programas de televisão, jornais e revistas fazendo suas próprias matérias. Isso, para nós, é tão importante quanto a republicação de nossas reportagens”, ela citou.
Financiamento
A pergunta sempre vem; como elas fazem para tornar financeiramente sustentável a Agência Pública? Andrea detalha, “o modelo de negócio escolhido pela Pública, foi o financiamento via ‘crowdfunding’ (financiamento coletivo – consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo, muitas vezes através de sites na internet) e fundações. Isso de cara “lima” o compromisso com número de cliques pra atrair novos anunciantes, por exemplo, ou assuntos proibidos pelos conflitos de interesses. Deixamos claro que não dependemos de nenhuma fundação especificamente, temos um modelo misto de financiamento, que é mais sustentável e, também não aceitamos encomenda de reportagens, ninguém tem acesso ao nosso conteúdo antes do leitor. As pautas são propostas pelos repórteres na Pública, ou seja, não tem nenhuma interferência desses financiadores em nosso jornalismo”, frisou.
Reconhecimento
DiP ressaltou que Agência Pública conquistou 32 prêmios de jornalismo, desde 2012, tanto nacional quanto internacionais. No ano de 2016, foi o terceiro veículo de comunicação mais premiado no Brasil e, o mais importante, dito por Andrea, “é saber que as reportagens estão gerando impacto”. Ela apontou que as matérias como denuncias de movimentos sociais foram citadas na ONU, na Corte Internacional de Direitos Humanos, e destacando uma reportagem especificamente, na qual descreve porque Ananindeua (PA) é a cidade que mata mais mulheres no Brasil, sob o título “O poder público só nos vê quando a gente tomba”, foi ponto de partida para uma sessão especial na Assembleia Legislativa do Pará com o tema feminicídio.
Discurso
“Muitos me perguntam se a Pública faz um jornalismo militante. Esse fato é extremamente importante para quem faz jornalismo independente, como é o nosso caso, pois, o país vive um momento de polarização, e costumamos dizer que somos militantes na defesa dos direitos humanos e na questão do feminismo, porém acreditamos no jornalismo isento, que não significa um jornalismo a-político, mas significa um jornalismo apartidário. É importante dizer isso, pois, no Brasil acham que cobertura de direitos humanos é pauta de esquerda mas, é uma pauta da humanidade. Os veículos tem sido perseguidos, a Pública tem sofrido uma constante perseguição violenta nos últimos tempos. Isso tem que ser debatido”, ela asseverou.
Modelos em xeque
Caminhando para o final de sua explanação Andrea DiP abordou a presente crise que vivem os jornais. “Eu acredito que é importante separar a crise do jornalismo, da crise de modelo de negócios do jornalismo. Não podemos dizer que a internet faz mal para o jornalismo, por causa dos ruídos, das notícias falsas, e da falsa sensação de politização, ou da falsa sensação de estar super informado, quando na verdade não está se aprofundando nas ideias. Temos pensado maneiras em vencer isso, o tempo todo. Por outro lado, a internet traz pulverização, possibilidade de pessoas com câmeras nas mãos em todos os lugares do mundo, trazendo diferentes perspectivas, isso aconteceu de forma muito intensa durante as manifestações de 2013, foi um exemplo de ‘cobertura’ do que estava acontecendo, uma mudança que influenciou a grande mídia, tendo que se adaptar a partir dos celulares que estavam no meio das manifestações. Tudo isso traz possibilidade de mudança do monopólio da verdade, deixa o jornalismo mais vivo, com mais lastro. Pensando na crise do modelo de negócio que a internet trouxe, é muito interessante porque, tem a haver com a forma como os anúncios e a publicidade subsidiaram o jornalismo desde o século XX no Brasil. Essa nova cultura de crowdfunding que os veículos independentes usam, é um longo caminho a percorrer, justamente porque, é preciso que a sociedade veja o jornalismo mais do que um produto de consumo, veja como um elemento fundamental e estruturante para a Democracia. Claro que o jornalismo, que fazemos, tem que cumprir esse papel. Acho que na raiz disso está em não acreditar no jornalismo como moeda de troca, inclusive para qualificar o debate público”, assim foi DiP, concluindo sua fala.