Jornal Pires Rural – Edição 228 | LIMEIRA, Maio de 2019 | Ano XIII
O jornalista e professor da Faculdade Cásper Libero, Luis Mauro Sá Martino participou do seminário “Jornalismo, as novas configurações do quarto poder”. Regendo o Estado brasileiro estão os três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas existe um quarto poder; a imprensa, que está encarregada de fiscalizar os três poderes originais e cuja missão é exigir que cumpram suas obrigações, fazendo com que fiquem assegurados os direitos dos cidadão. Realizado pelo Sesc, Vila Mariana em São Paulo, em parceria com a revista CULT, o seminário de jornalismo propôs em uma de suas mesas de discussão: ‘Quais os limites e as fronteiras entre o cidadão e o profissional”.
Luis Mauro, logo destacou; “são as provocações e as dúvidas de meus alunos que me faz refletir sobre o papel da academia, que além de provocar dúvidas, cria incertezas, muito mais do que certezas. Uma fala acadêmica, é uma fala que traz problemas, traz dúvidas e se vocês sairem daqui com mais dúvidas, funcionou. Se sair de um seminário desses, com certezas muito acabadas, talvez, então, precisemos repensar qual é a nossa intenção estar em um seminário que traz uma oportunidade de reflexão”.
Como a proposta é discutir as regras de posicionamento político em redes sociais, Luis Mauro afirma que “pela primeira vez, as redes digitais, nos colocam diante de nós mesmo. Nos colocaram diante da possibilidade de conhecer o pensamento do outro, conhecer o que o outro faz, o que gosta e o que não gosta de fazer, e ainda, nos colocar em um grau de exposição inédito. Pela primeira vez estamos diante do outro, ou seja, diante de nós mesmo e, o que estamos vendo nas redes digitais, quando há esse encontro com o outro, é muitas vezes uma recusa com o outro. Ao que parece, se pudéssemos jogar com as palavras, as redes sociais que tem como um de seus objetivos, juntar pessoas, fazer conhecer o outro, são em alguma medida redes ‘anti-sociais’, nas quais a presença do outro, mais do que um convite ao encontro, é um convite ao medo, um convite a recusa, um convite a desconfiança desse outro”, assegurou.
Segundo ele, o resultado é nos colocar próximo aos nossos iguais, “me coloco perto daqueles que pensam como eu o tempo todo”. Paradoxalmente, as redes sociais poderiam ajudar ou trazer maior fluxo de comunicação mas, de acordo com Luiz Mauro, elas acabam criando barreiras ou empecilhos para a comunicação. As redes sociais trabalham, ao mesmo tempo, com o máximo de transparência e se tornam o máximo de vigilância, “nós estamos o tempo todo conectados e mostrando que estamos fazendo e vendo o que os outros estavam fazendo. Aquilo que até então, estava protegido por determinadas barreiras da intimidade, do segredo, do espaço pessoal que nos é tão importante, quando estamos no ambiente das redes digitais, nós rompemos essas barreiras, nós estamos diante de uma ilusão de transparência máxima que também é uma possibilidade de vigilância máxima”, sustentou. Isso acontece por quê? “Porque no momento em que nos expomos dentro da rede, nós nos colocamos também diante do olhar do outro, que pode ser tanto um olhar amigável, de cooperação, um olhar de acolhimento como também, infelizmente, nos colocamos diante de um olhar de julgamento, de crítica, de incompreensão diante da diferença”, explica.
Mas, o que acontece quando estamos diante dessa recusa à diferença? “A comunicação acaba. A rede social faz com que tenhamos, em alguns momentos, uma ‘anti-comunicação’ quando escolhemos ficar entre iguais, entre aqueles que pensam como nós, entre aqueles que comungam o mesmo pensamento. Lembrando uma antiga professora, ela dizia ‘a comunicação só existe na diferença’. A comunicação não existe fora da diferença, porque entre o igual não há novidade, não há o que dizer, aliás, nada é mais entediante do que ficarmos cercados de nós mesmo o tempo todo. Ficar falando e ouvindo as mesmas coisas mas, a comunicação exige também o ato de coragem de tentar chegar ao outro, junto com a diferença, na diferença e a partir dessa diferença”, completou.
Sem limites
Ao citar o comportamento de ódio nas batalhas entre grupos e entre pessoas pelas redes digitais, Luis Mauro cita que esse comportamento diante do outro, diante das diferenças é explicado pelo medo que o discurso do outro provoca, potencializado pelo fato de que estamos diante do desconhecido. “O desconhecido infinito desse outro, que de um lado, provoca acolhimento, também provoca desconfiança. Ao mesmo tempo, as redes digitais modificaram, quase apagaram, uma das barreiras fundamentais para a vida em sociedade, que é a barreira do público e do privado. A ilusão da máxima transparência é também a realidade da máxima vigilância. Colocando a disposição para uma série de outras pessoas, os acontecimentos de sua vida, não que isso seja segredo mas, a excessiva visibilidade muda as fronteiras do público e do privado. Acabando essas fronteiras nos colocamos diante do olhar do outro, do olhar da visibilidade do outro, que nos permite opinar. Quando nós estamos em rede, podemos expressar aquilo que nós sempre tivemos, opiniões específicas, modos de ver específicos, com a diferença que agora esses modos se tornam públicos”, descreveu.
Luis Mauro provoca; “façamos o seguinte questionamento; em que medida, toda a nossa vida, demanda ser publicada? Em que medida nós precisamos realmente tornar público tudo o que a gente faz? Até porque, de uma postagem absolutamente inocente surge uma polêmica. No caso do jornalismo, esse cenário, acaba criando alguns desafios, sobretudo para o jornalista, no sentido de que não se separa a imagem pública do profissional, da imagem privada do jornalista individual. Até porque executamos tarefas múltiplas, não temos um único papel, somos jornalistas e torcedor do time tal, jornalista e professor, jornalista e sócio do clube tal, só que no ambiente on-line essas divisões tendem a se borrar, tendem-se a mesclar. No ambiente das mídias digitais, nós temos uma ilusão de transparência que chamo de ‘apreensão metonímica da utilidade’, que é aquela ideia da parte pelo todo, nós vemos uma postagem da pessoa e entendemos que esta postagem representa o todo da pessoa. No caso do jornalismo isso cria um certo problema de identidade para separar os momentos, então, quando estou trabalhando e não deveria expor uma opinião”, direcionou.
Sob demanda
Luis Mauro pergunta es responde: “quanto a pessoa física, posso dar uma opinião? Isso nos leva a questões nos ambientes de mídias digitais, justamente, por esse apagamento das fronteiras entre público e privado. Nós temos um outro apagamento de fronteiras, aparentemente mais cruel, o apagamento das fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo do lazer. No ambiente das mídias digitais, não é novidade pra ninguém, somos convocados a trabalhar 24 horas por dia, porque os canais de demanda não se esgotam nunca, então, oficialmente seu trabalho termina as 18hs, mas, 15 minutos depois chega um WhatsApp pedindo informações, às 20 hs chega uma mensagem falando de novidades, às 22hs o Facebook vem lhe pedindo mais coisas. Portanto, uma convocação constante do tempo de cada um para converter esse tempo, em tempo de trabalho. As redes digitais fizeram aquilo que o capitalismo vem tentando fazer desde o século 18, que é transformar todo o tempo, em tempo de trabalho, apagando as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo livre”, relatou.
“Se estou ‘always on’ (sempre ligado), estou sempre disponível para esse espaço de trabalho. Então, o leitor se sente a vontade para fazer uma crítica a postura pessoal, a um texto publicado, demandando um trabalho constante. É preciso pensar também, essa quebra de barreiras público-privado, não está vinculado a essa quebra do tempo, devemos lembrar que essa quebra do tempo não vai num sentido só, o tempo de trabalho também se mistura com o tempo das outras demandas, receber mensagens particulares durante o expediente de trabalho, por exemplo. Estamos num tempo que se mescla. Por outro lado, é preciso pensar se o humano, se o corpo e a mente obedece e tem condições de dar conta desse espaço de multiplicidade. As redes sociais nos desafiam, portanto, a pensar não só a condição do jornalista mas, a condição humana dentro desse ambiente das redes digitais, no âmbito de uma série de práticas por sua vez já foram públicas”, asseverou Luis Mauro.
O professor complementa sua fala dizendo que as redes sociais nos dão uma visibilidade que é fundamental para a democracia. “Essas redes colocam para o profissional jornalista uma questão afetiva muito forte, porque expõe e abre para o elogio e crítica geral, que muitas vezes pode ‘machucar’. Sabemos o quanto comentários de internet podem machucar. Sobre tudo porque estamos trabalhando com textos, com produção nossa, com muito esforço, em situações adversas, cujo resultado possa ser avaliado de maneira leviana, que pode deslegitimar o outro, fruto dessa excessiva transparência. É um desafio constante pensar em que medida podemos trabalhar em termos de uma renovada regulamentação entre público e privado mas também, num desafio pessoal, mais subjetivo. Precisamos realmente, o tempo todo, desse trabalho de exposição? No âmbito da responsabilidade de cada um de nós, colaboramos para esse ambiente de visibilidade total que pode se converter num ambiente de democracia, que tem potencial pra isso mas, às vezes, se converte num ambiente de vigilância, num ambiente de cobrança, num ambiente da crítica irresponsável. Podemos pensar nas potencias que esses ambientes têm, no encontro com o outro, nas possibilidades de renovar nosso olhar sobre as redes. Como jornalistas, possamos contar boas histórias, contar histórias bacanas, que de certa maneira, é uma das coisas que a profissão tem de mais legal. Trabalhar na brecha talvez seja uma estratégia pra lidar com um ambiente, que pode ser hostil, mas pode ser um ambiente bonito, um ambiente de trabalho, um ambiente de encontro”, finalizou Luis Mauro.