No mês de abril acontece a Romaria a Bom Jesus, no município de Pirapora do Bom Jesus, SP, o tradicional evento reune devotos se dirigindo ao santuário do Bom Jesus para pedir proteção à lavoura e agradecer pelas graças recebidas. São milhares de pessoas a cavalo, a pé, em carroças, de bicicleta, carros e até motos, que chegam para homenagear e reverenciar a imagem de Bom Jesus em mais uma festividade paulista de cunho religioso. Devido à Fase Emergencial do Plano São Paulo, a Secretaria de Cultura e Turismo informava que mantinha barreiras nas entradas de Pirapora, razão pela qual não é permitida a entrada de visitantes, como medida de prevenção e combate ao coronavírus. A prefeitura da cidade pedia aos romeiros, pagadores de promessas e devotos do Senhor Bom Jesus que “entendam a gravidade do momento e, por amor ao próximo, adiem sua visita à Pirapora”.
Abordando histórias de romaria a cavalo, conversamos por telefone com Marcelo Coghi, sócio presidente do Espaço Rodeio (AICAL), empresa que faz a festa de peão em Limeira, ele também é formado em engenharia civil e segurança do trabalho, atualmente é secretário de obras em Cordeirópolis, SP. Marcelo participa de romaria desde 1998 e nos contou que seu envolvimento no mundo dos cavalos começou desde moleque, “o irmão da minha avó tinha um sítio no Bairro Parada, na estrada que liga Engenheiro Coelho/Artur Nogueira, SP, minhas férias eram lá. Eu tinha uns 12 anos, ia de ônibus até Guaiquica (Eng. Coelho), e depois até a Parada eu ia a pé. O mês de julho eu ficava inteiro no sítio, a família morava lá, era um lugar bem movimentado e eu ficava andando a cavalo o dia inteiro”, descreveu.
Entretanto, ter o próprio cavalo só foi possível para Marcelo depois de seus trinta anos, “o primeiro cavalo, de fato, foi uma égua comprada da Fazenda Santa Fé, vizinha da minha chácara, que ficava no início da estrada Limeira/Cosmópolis, SP. Lá era um haras de criação de cavalo Árabe propriedade da família Camargo Correa. Essa égua que comprei, veio de uma fazenda em Jaú, ela não tinha 3 anos, daí eu domei e fiz um pedido de cruzamento com um garanhão Árabe para os donos desse haras. Foi com essa égua, mestiça Inglês com Árabe, que eu ganhei vários prêmios, ela tinha uma resistência incrível”, afirmou.
Os prêmios que Marcelo cita são os campeonatos de Enduro Equestre que começou a participar através do convite de seus vizinhos do haras da fazenda Santa Fé. Para relembrar as datas, Marcelo recorre aos seus troféus; “olha, um campeonato que peguei em segundo lugar, percurso de curta distância, 60 km, foi em agosto de 1998. Tem outro aqui, março de 1997, segunda Copa São Paulo de Enduro Equestre. Eu fiquei uns 10 anos competindo, naqueles tempos de enduro eu aproveitava muito mais a vida, de quarta-feira eu não trabalhava, eu só andava a cavalo, de manhã até de noite. As estradas rurais para Cosmópolis, Artur Nogueira e Limeira eu conhecia tudo, pelos treinos a galope ou trote com a égua, detalhe, sem sentar na sela. Nós andávamos forte, tipo 50 km/h. Acho que por duas vezes, eu e o cavalo caímos e fomos arrastando de lado, numa curva com areia solta. Disputei campeonato brasileiro e paulista de enduro a cavalo, eram provas complicadas, o percurso era de 160 km algumas vezes, começa às 6h da manhã e vai terminar por volta das 19hs. Depois de uma prova de 120 km eu ficava uma semana andando igual robô (risos) mas, era um ambiente bom”, destacou.
Romaria
No período em que Marcelo Coghi se dedicava a campeonatos e a criação de cavalos, vieram os convites para participar de romarias a cavalos para santuários de devoção católicos. “O primeiro convite veio do Nato Moraes, para ir até Pirapora do Bom Jesus, SP, isso foi em 1998. Nesse mesmo ano de 98, eu participei em romarias no mês de março para Pirapora, em agosto para Tambaú, SP, no túmulo do Pe Donizette e depois em outubro, fomos para Aparecida do Norte, SP, que levou oito dias. Nos outros anos eu fiquei fazendo Pirapora e Tambaú, com esse mesmo grupo de romeiros, aí eu não parei mais”, revelou.
“Quando eu comecei ir para Pirapora nós íamos em 40 cavaleiros mas, isso era dividido em oito grupos e cada grupo tinha seu o pessoal de apoio, porque também um cozinheiro não dava conta de 40 cavaleiros que chegavam mortos de fome. Sempre saíamos um sábado antes da semana Santa, ponto de encontro era no bairro Lagoa Nova, em Limeira, hoje, o local se transformou em uma rotatória. Eu nunca sabia quem ia, os grupos apareciam, muitos desses cavaleiros eu vim a conhecer na partida da romaria. Eram grupos independentes em relação a comida da tropa, a ração dos animais, a medicamentos, cada grupo tinha sua equipe e levava o seu suprimento. A chegada em Pirapora era na segunda a tarde depois, na terça-feira começava a voltar e na quinta chegávamos em Limeira”, Marcelo contou.
O caminho
“Quando eu fui pela primeira com a turma do Nato, acredito que eles já deviam estar fazendo há uns sete anos a romaria e, os lugares pousos eles é que acertavam. Como saíamos cedo, pela estrada da balsa sentido Americana, SP, a tarde chegávamos em Monte Mor, SP. Todo o trajeto era sempre por estrada de terra, por isso também o caminho se torna mais longo do que o trajeto de carro, que tem cerca de 140 km até Pirapora. O pouso em Monte Mor era numa chácara, que eu lembro, do prefeito da cidade, que também participava da romaria até Pirapora. Seguindo viagem, o próximo pouso era numa fazenda em Indaiatuba e no dia seguinte já chegávamos no destino da romaria, a cidade de Pirapora do Bom Jesus. Lá tem toda estrutura para instalar os cavalos nas baias, para o trato e descanso da viagem.
O motivo
Marcelo conta que atuava como empresário e perito judicial do Forúm de Limeira, “era uma época que estava focado no trabalho das perícias judiciais, eu fiz o laudo de avaliação de praticamente todos os imóveis que foram desapropriados, no trecho de Limeira, devido o prolongamento da rodovia dos Bandeirantes, era muito trabalho”. Ele cita que o motivo da viagem envolve um pouco de tudo, desde devoção até os laços de amizade. “No meu caso era pela devoção, pelos amigos mas, uma coisa que eu precisava muito era um relaxamento. Então, partindo a romaria dali da rotatória do bairro Lagoa Nova, a hora que passávamos pelos campos de futebol, pela na igreja Nossa Senhora das Dores, que fica na parte rural do bairro Lagoa Nova, eu já me sentia anos-luz. A minha cabeça que normalmente anda a 500 km/h, ali já estava a 5km/h. É outra história, o pessoal de romaria a cavalo, vai gente muito simples, os assuntos das conversas não tem nada a ver com o meu dia a dia de trabalho. Só assunto leve, ninguém quer saber o que você faz ou deixa de fazer, ali você é romeiro”, afirma.
A devoção e as amizades
“Toda manhã antes da saída, todos em círculo, dá-se as mãos e fazem uma oração, agradecendo por ter chegado ali e pedindo proteção para o dia está começando, alguns pedem proteção para o pai, pra mãe ou à família. Apesar de ser um grupo heterogêneo e uns parecem meio malucos. Acho interessante porque percebia que uns voltam da romaria muito melhor do que quando foi, a nível de conversa, pelo comportamento, você sente a transformação da pessoa durante o caminho, eu também volto muito melhor do que fui e, tem nosso envolvimento com o animal, o cavalo. Dou um exemplo, romaria para Aparecida do Norte, tem que ser feito por no máximo dez cavaleiros, um grupo só. Aí, tem um cavalo que desidratou, um dos romeiro trouxe soro e empresta para o amigo aplicar o soro no cavalo ou caiu uma ferradura e tem quem sabe pregar, se você não cuidar de seu cavalo você vai voltar a pé. Para Pirapora as estradas são legais, é plaino mas, quando vai para Aparecida, no caminho você está subindo ou você esta descendo, não tem reta, força bastante o animal, ele tem que estar bem condicionado para aguentar. Nas romarias, eu fui com essa égua que já citei e fui com o filho dela, o Bartoquio, ele está comigo vai fazer 28 anos. Ir para Tambaú, em romaria, é parar pra almoçar em Cachoeira de Emas (distrito a cerca de nove quilômetros do centro de Pirassununga, SP, às margens do rio Mogi Guaçu, onde fica o seu principal ponto turístico) aí, o pessoal enfia o cavalo no rio, nadava com o cavalo, é uma festa, eu tenho foto nadando com o Bartoque no rio Mogi”, detalhou.
A sensação
Em outubro de 1998, Marcelo seguiu em romaria até Aparecida com o mesmo grupo, estreante em romaria, fez logo três no mesmo ano e desde então, nunca parou, “eu só não fui esse ano e o ano passado (2020 e 2021) por causa da pandemia do novo coronavírus. Eu recebi convite para ir até Pirapora, eu respondi que até gostaria de ir mas, tenho um filha para criar e não vou botar meu pescoço na corda, infelizmente, mesmo querendo, eu tenho que ter a cabeça no lugar”, enfatizou.
Marcelo descreve a sensação de estar numa romaria, “primeiro aspecto é que meu rol de amizades aumentou muito. Era uma época que estava focado no trabalho, nas perícias judiciais. Então, romaria me traz tranquilidade, independente do ano, do que está se passando, eu não tenho a menor dificuldade de interação com o pessoal, desde o trajeto até a hora que a gente vai dar banho nos cavalos para eles irem relaxando, vou conversando, fazendo novas amizades, pra mim só é difícil lembrar de todo mundo que conheci. Tem vez que vou em festa nos bairro rurais, chega sempre alguém dizendo ‘oh! Marcelo, tá bom? Lembra daquela romaria que nós fomos juntos?’, eu falo ‘lembro!’. Não vou falar que não lembro mas, digo brincando que minha ‘memória ram’ já está lotada, não cabe nenhuma informação a mais (risos)”.
A Imagem
“Reforço que romaria é negocio duro, não é fácil não! O cansaço bate, tem que estar preparado fisicamente, é um cansaço diário. Quando volta já tem que ir para o trabalho, se bem que na volta de Pirapora é quinta-feria, coincide com a sexta-feira Santa que é feriado, aí tem até o domingo para dar uma ‘refrescada’”, completou.
De todas as romarias que Marcelo Coghi participou, uma imagem não sai de sua memória, “a primeira vez que eu fui numa romaria, ao chegar em Pirapora do Bom Jesus tem uma descida íngreme para chegar e, nesse momento eu tive uma visão da igreja lá embaixo e quando eu vi aquela imagem, eu lembro até hoje, eu chorei de emoção. Aquilo foi marcante, lembro como se fosse hoje, a gente chegando por volta das três da tarde, tendo aquela visão da igreja lá de cima do morro. Aí já na igreja, nós descemos do cavalo e vamos puxando pra receber a benção do padre. Aquela imagem é inesquecível”, concluiu.
Nota da Prefeitura de Pirapora do Bom Jesus
Pedimos aos ciclistas que, neste período, adiem sua visita à cidade como medida de prevenção e combate ao coronavírus. Contamos com a colaboração de todos! Estamos enfrentando o momento mais crítico desta pandemia. Milhares de pessoas estão morrendo por dia em todo o país. A situação requer cautela e todos os cuidados possíveis de todos para impedir o avanço ainda maior da Covid-19. Em razão deste triste cenário, pedimos aos romeiros, pagadores de promessas e devotos do Senhor Bom Jesus que entendam a gravidade do momento e, por amor ao próximo, adiem sua visita à Pirapora. Neste período, barreiras de segurança estão sendo montadas na cidade para bloquear a entrada de turistas e visitantes. Estamos focados em cuidar da saúde dos piraporanos e também de vocês que são tão importantes na nossa história. A pandemia vai passar e quando isso acontecer, Pirapora, a Cidade da Fé Viva, estará de braços abertos para recebê-los e celebrar o milagre da vida.