Jornal Pires Rural – Edição 226 | SÃO LUIZ DO PARAITINGA, Março de 2019 | Ano XIII
São Luiz do Paraitinga, a 175 km de São Paulo, é um lugar surreal. Além de ficar a meio caminho entre Ubatuba, de um lado, e a Rodovia Dutra, de outro, é uma cidade cercada de mistérios, morros, músicos e artistas com trabalhos do folclore popular. Na época de Carnaval a cidade, as margens do rio Parahitinga, se prepara para receber milhares de turistas e coloca nas suas históricas ruas, entre casarões herdados da riqueza do café, suas ladeiras, sua gente simpática e cativante, toda a riqueza cultural de um povo que vive em um lugar que o tempo não corre.
Benedito Maria dos Santos ou Vovô Curiãngo, figura do Carnaval de São Luiz do Paraitinga, época em que é bonequeiro, ou seja, leva os bonecos nas costas durante os percursos dos blocos, também trabalha há 26 anos na prefeitura da cidade e desenvolve oficinas de bonecos com as crianças da rede municipal. Nesse ano de 2019 ele ganhou um bonecão que é a sua cara, como ele conta, “isso aí foi um presente especial de um bonequeiro o Anésio Rodrigues ou Anesinho do Canário, ele é quem faz os bonecões aqui de São Luiz, é caríssimos os bonecos dele. Há 3 meses atrás, ele tirou uma foto cômica minha, aí apareceu uma noite lá em casa, dizendo que tinha um presente pra mim. Quando ele tirou do carro e puxou o pano, deu vontade de chorar na hora! Era um cabeção de boneco meu. Eu não acreditei, é igualzinho. Tem minha pinta, meu dente quebrado, o par de brinco. Detalhe por detalhe! Eu disse: Não acredito que ganhei um presente desses, há quantos anos, vivo nessa cultura de São Luiz, saindo pra tudo quanto é lado, carregando boneco pelas estradas, fazendo careta com o bloco ‘Espanta Vaca’, só para Aparecida (SP) são 32 anos, indo na festa de São Benedito. Esse ano faço 65 anos e, aqui em São Luiz meu personagem sai vestindo um boneco de vaquinha e tem o nome de “vaca beuda perna abeuta”, em homenagem a um mendigo da cidade que andava com as pernas aberta pra não cair, ele era banguela, babão e cachaceiro, eu vou imitando, trançando as pernas e fazendo caretas pelas ruas da cidade”.
Os bonecos do Enkuca a Kuka
Vovô Curiãngo nos acompanhou até a casa onde o médico sanitarista Oswaldo Cruz nasceu e passou a infância. Nesse local, hoje, funciona um museu e um centro de cultura. No casarão estão guardados os bonecões do bloco Enkuca a Kuka, que saem na terça-feira de Carnaval. Segundo explica, são quatorze bonecos e cada um é ligado a uma lenda, “as pessoas de idade usavam muito, com os filhos, esses mitos para colocarem medo nas crianças. Contavam as histórias do Saci Pererê, da Cuca e do Lobisomem. Com isso em mente, os jovens de São Luiz do Paraitinga, criaram o bloco Enkuca a Kuka”. O bloco carnavalesco é incrementado por bonecões, que representam as lendas que deixavam os miúdos arrepiados de pavor e medo, entre eles a famosa Loira do Banheiro e a Bruxa Pereba com sua vassoura, língua retorcida e cabelo no nariz. Vovô Curiãngo nos conta a lenda de outro boneco, “acima da casa do Oswaldo Cruz, no Cruzeiro, tem uma rua onde morava uma mãe que tinha sete filhos. Ela judiava muito das crianças e quando ela morreu se transformou na Porca de sete leitões e, quando dava meia noite, espalhava aquele eco de porco gritando pelo morro. Aí fizeram o boneco da Porca, representando aquela mãe perversa”. A Kuka do Carnaval de São Luiz tem uma feição diabólica, segundo os contos populares veio ao mundo para pegar as crianças desobedientes. Também chamada de Cuca-Cuca, foi o primeiro boneco do Carnaval das Marchinhas, iniciado em 1982. Tem as cores branca, que simboliza a paz do povo local, a vermelha é a reação energética do jovem da cidade e a cor preta é devido uma reportagem sobre o carnaval, em tom pejorativo, que encucou o povo luizense. O boneco do Cabrá, representa um homem asqueroso com seu cachimbo fedorento, conta a lenda que ele era um usurpador de terras, batia na mãe e ‘fumava’ criancinhas no seu cachimbo de purificação d’alma. Morreu de mal súbito ao enfrentar o vigário da cidade pois, queria usurpar o terreno da igreja. Foi sepultado no cemitério, ao lado da igreja, campo santo, motivo da peleja que queria usurpar. Depois de 20 anos, faleceu a mulher de Cabrá, quando o coveiro preparava o jazigo para enterrá-la, descobriu-se que o corpo de Cabrá continuava intacto, até mesmo os micróbios o haviam rejeitado. A notícia se espalhou pela cidade, assustada, imediatamente promoveu a expedição do corpo macabro, para só depois de sete dias, abandoná-lo na mata podre do sertão da restinga. Durante muito tempo Cabrá assombrou os lenhadores com seus berros horripilantes nas madrugadas de inverno.
Não demorou muito o bloco confeccionou outro boneco baseado em lenda, a Cabra-Cega. Conta a história que era uma bruxa em um corpo de caprino, com um pano negro nos olhos, levando consigo uma cesta de pão, uma garrafa de vinho, os alimentos originários da eucaristia, além de uma boneca entregue por um pai que enganou a bruxa e, desta forma, salvou a vida de sua filha. A Cabra-Cega vem devorar crianças de famílias pagãs.
Além de lendas o bloco faz homenagens a personalidades da cidade. Sairá pela primeira vez no carnaval um boneco inspirado em um marceneiro da cidade cujo apelido é pirata, batizado de Pirata do Morro de Ilusões, devido as ladeiras íngremes de São Luiz e as ilusões das histórias vividas durante os dias de folia.
Como o Carnaval é uma festa popular e democrática, a manifestação também vem aguçar o espírito crítico de seu povo, um exemplo disso, foi incluir nos bonecos gigantes uma Coruja, e o sentido disso, é relatado por vovô Curiãngo, “conta a história, que a Coruja representa os que se dizem “grandes políticos” mas, só acabam com a nossa natureza. A Coruja não dorme jamais, e o político não dorme jamais quando pensa em dinheiro. Porque o político, só pensa em dinheiro, veja se ele dorme? Mais fácil ele dormir para o nosso salário mínimo, do que dormir pro dia a dia deles”, finalizou vovô Curiãngo.