Jornal Pires Rural – Edição 215 | PIRACICABA, Abril de 2018 | Ano XII
Anita de Souza Dias Gutierrez, engenheira agrônoma, responsável pelo Centro de Qualidade, Pesquisa e Desenvolvimento da CEAGESP, entreposto terminal de São Paulo, atua há 21 anos na Companhia. Para relatar sobre perdas físicas na logística agroindustrial, principalmente perdas na logística do atacado, Anita esteve presente no Seminário Internacional em Logística Agroindustrial, evento realizado pelo Grupo ESALQ-LOG (Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial), em Piracicaba. O décimo quinto seminário realizado, teve como objetivo discutir as principais causas das perdas agrícolas no país, oferecendo palestras com profissionais dos mais variados setores, que puderam apresentar sua experiência com os problemas encontrados nos diferentes processos de distribuição de alimentos e indicar sugestões e caminhos para o futuro.
Professora Anita, como é chamada, disse que se formou na Esalq, assim como seu pai e seus 3 filhos “com mestrado, doutorado e pós-doc. Tema que está no sangue da família”. Falar de perdas no hortinegócio é algo que a deixa “desenxabida pois, vem se falando de perdas e muito pouco se faz para de fato resolver o problema”.
Hortinegócio
Relatando sobre perdas na horticultura, que é o ramo da agricultura que trata das plantas de cultivo intenso, “é muito diferente do que se chama de agonegócio pois, tem características distintas, principalmente quando se fala da horticultura para consumo de alimentos frescos”. Dessa forma, ela prefere chamar de hortinegócio, setor que engloba o desenvolvimento do conhecimento, a produção de insumos e máquinas, a produção hortícola, a transformação, o transporte, a comercialização e a distribuição até o consumo dos produtos hortícolas. “A principal característica desse hortinegócio é que não existe governança, nem do governo e nem do setor privado, tudo acontece meio por acaso”, salientou Anita.
Outro ponto chave do negócio começa com produtores pequenos, especializados e uma produção sazonal. Ao passo que o varejo precisa do mix de produtos todos osdias e existe uma imensa diversidade de produtos por época, variedades, tamanhos, qualidade, compradores e, cada produto é diferente. Os preços variam muito a cada dia e ao longo do ano. “Você tem a diferença de valor por tamanho, por exemplo, o chuchu pequeno vale duas vezes mais do que o chuchu graúdo em condições de comercialização, ou na qualidade de uma manga colhida madura, refrigerada e vermelha, vale três vezes mais do que a mesma manga colhida mais verde e não estará saborosa. A comercialização da produção hortícola in natura brasileira é uma corrida contra o tempo, tem que colher hoje e vender amanhã pois, é perecível, sensível, quando colhido tem alto conteúdo de água (90%), isso quer dizer que parte da água usada em sua produção está voltando para o consumidor”, ela destacou.
O fator qualidade é primordial no hortinegócio pois, a melhor qualidade acontece no momento da colheita, porque é o resultado da tecnologia empregada, do capricho do produtor, da aptidão da região. “O melhor produto é o mais perecível. A fruta colhida mais madura, a hortaliça colhida mais tenra. Todos os cuidados na colheita preservam a qualidade até o consumo. Você pode ter a melhor tecnologia do mundo pós-colheita, ela só vai manter a qualidade, nunca melhorá-la”, contou.
Em números
“O CEASA de São Paulo é imenso, é o maior centro atacadista de frutas e hortaliças do mundo. Recebemos em média, todos os dias, 11 mil toneladas de furtas e verduras, em dezembro esse número triplica. São mais de 1.500 municípios, 24 estados e 14 países enviando seus produtos até nós. Em média, entram mil veículos com produtos e 7 mil veículos saem com produtos. Um caminhão pequeno, com 12 tonelada de manga, irá atender mais de 100 compradores diferentes. É uma logística do pequeno e do perecível” revelou. Em termos de distâncias e de produtos, Anita citou alguns exemplos como a alface que vem de uma distância de 70 km, o melão vem do Rio Grande do Norte a uma distância de 2.891 km, o mamão plantado no Espírito Santo está 1.200 km de São Paulo, o maracujá da Bahia roda 1.979 km até chegar no CEAGESP, a uva de Petrolina dista 2.191 km, a atemoia plantada em Minas Gerais precisa percorrer 1.190 km e por último exemplo, a maçã de Santa Catarina vem de uma distância de 695 km, encerrando a introdução do setor onde trabalha há 21 anos.
Perdas no entreposto
De acordo com a professora, o ato ou efeito de perder o que se compra ou se produz, por interferência de causas, conhecidas ou não, deixam de ser devidamente comercializadas de forma lucrativa e gera consequências dramáticas como lixo, resíduo sólido, poluição, aquecimento global, produto mais caro ao consumidor, produção mais cara, consumo desnecessário de água, insumos e energia, menor qualidade do produto no consumo, menor renda para o produtor, utilização desnecessária do solo podendo causar erosão, perda de fertilidade e desmatamento. “Esses são alguns dos resultados das perdas. Na CEAGESP é comum falarem, ‘nossa mas jogaram fora tudo isso?!’ Eu digo que que todos são comerciantes, eles vivem das vendas desses produtos, se eles estão jogando no lixo, é porque eles não vão mais conseguir comercializar aqueles produtos, se não, eles não vão jogar no lixo, a não ser que eles sejam loucos. Joga-se no lixo o que não conseguiu comercializar, provavelmente comprou mais do que deveria. Eles tem que adivinhar quanto vai vender no dia seguinte para comprar. Às vezes o produtor colhe mais do que tinha planejado e manda pro mercado, aí o cara tem que se virar para vender”, frisou Anita.
Segundo ela, pelos controles de entrada de mercadoria no CEAGESP, na média de 11 mil toneladas de alimentos, há um descarte que vai para o lixo de 150 toneladas diariamente, cerca de 1,36% do volume de entrada. Ela explica, “esse lixo é pesado para poder pagar a empresa que é contratada para coleta de lixo. Então, eu vejo números mágicos de 40 a 50% (descarte de alimentos in natura) não é no CEAGESP que isso está ocorrendo. Uma grande parte dessas 150 toneladas são palhas, coroa de abacaxi, produto estragado, tudo material orgânico”.
No setor de varejo, como supermercados, frutarias, feiras, varejões, existe perdas em torno de 7 a 10%, “um supermercado que perde 4%, está satisfeito, é um bom índice”, disse. Quando o varejo diz que houve uma quebra, é porque houve perda de água, ou seja, foi comprado 100 kg de um determinado produto e saiu 90 kg, isso foi perda de água. “A perda de água é um negócio seríssimo porque diminui a resistência, isso quer dizer que o produto fica mais suscetível a problemas de doenças, ele diminui o seu frescor, portanto perde tempo de prateleira, pois, as frutas e hortaliças continuam vivas após a colheita e os ferimentos é a principal porta de entrada de micro organismos causadores da podridão”, Anita enfatizou.
No serviço de alimentação, que são as refeições coletivas privadas e institucionais, restaurantes, lanchonetes, bares e quiosques, os produtos são processados para servirem de alimentos, o custo por refeição é determinante na competitividade. “Identificamos um problema nesses serviços que resultou em um programa chamado Hortiescolha (www.hortiescolha.com.br), que ajuda na escolha do produto, variedade e classificação de melhor custo-benefício, em cada época. Isso veio a auxiliar a alimentação institucional que paga pelo mais caro e recebe o mais barato”, orientou.
Padrão mínimo de qualidade
Juntamente com a professora do Departamento de Fitopatologia e Nematologia, Lilian Amorim, professora Anita fez um estudo na Esalq, por vários anos, afim de identificar e avaliar os danos e perdas por doenças na pós-colheita do pêssego, morango, laranja e goiaba. Ela descreve; “no caso do pêssego, toda semana se verificava 1% do produto recebido pelos maiores atacadistas. Tínhamos 44% dos produtos com problemas visíveis, 46% das podridões associadas a ferimentos. O nível de dano, a única razão de ser identificada, desses problemas, foi da procedência (dependia do produtor). Não era embalagem, não era o tipo de transporte e não era a variedade da fruta. Ao fim de longo anos, sentamos e dissemos o que vamos fazer a respeito desse resultado? Podemos fazer um alta tecnologia? Pois, o problema é o manuseio. Isso é complicado, porque quanto mais se mecaniza, mais suscetível a atritos mecânicos fica o produto. Fato que já está combinado entre o produtor e o comprador atacadista, que haverá 5% de desconto mas, pode chegar a 10 ou 20% no momento que a carga chega no entreposto. Há esforço do produtor para ter uma safra de qualidade, mas dali pra frente tudo pode-se perder e, acontecer uma concorrência desleal, quando o comprador usa como argumento cargas mal acondicionadas para depreciar o produto. O importante é trabalhar a prevenção de perdas. Agricultura preventiva e a responsabilização de cada agente envolvido na cadeia do plantio até a venda. No Brasil, a grande dificuldade é que a empresa que faz o transporte não é responsável pela carga que está transportando. Diferente dos Estados Unidos, que estabelece responsabilidade e justiça rápida. Começa pela responsabilização a prevenção de perdas, porque se transferir a perda para o elo mais fraco da corrente, que é o produtor rural, ele não tem como se rebelar e nem algo a fazer. Nós no CEAGESP estamos implantando um padrão mínimo de qualidade no local de comercialização, baseado numa Instrução Normativa do Ministério de Agricultura. A responsabilidade pelo padrão mínimo de qualidade é do detentor do produto, não podendo colocar a culpa no detrás, a ausência de podridão na mercadoria, é uma das exigências, para ter produtos de melhor qualidade, menos dano e com certeza menores perdas, com adoção de manuseio mínimo”, assim Anita finalizou sua participação no simpósio.