Nas últimas semanas temos visto denúncias sobre degradação do meio ambiente como descarte de poluentes em corpos hídricos. Já fazia algum tempo que essas notícias não ganhavam visibilidade na mídia de Limeira. Convidamos dois profissionais para traçar suas considerações sobre ao que deve esse desrespeito. Perguntamos se certas atitudes foram acentuadas devido as estratégias políticas que o governo federal tem demonstrado na área ambiental, principalmente na fala do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defende passar a boiada e mudar regras enquanto a atenção da mídia está voltada para a COVID-19?
Pollyanna Dibbern Asbahr, gestora e educadora ambiental, formada em Gestão Ambiental na UFSCar (São Carlos) e atualmente cursando especialização em Educação Ambiental e Transição para Sociedades Sustentáveis na Esalq/USP. Pollyanna, como ela diz, é “nascida, criada e morando atualmente no Bairro dos Pires em Limeira”. Atualmente atua como analista de projetos no Instituto Estre de Educação Ambiental em Paulínia. Ela nos enviou um texto sobre sua observações quanto ao nosso questionamento.
Outro profissional procurado foi o Engenheiro Agrônomo Luís Eduardo Trigo, que tem experiência nos setores público e privado, em mais de 20 anos trabalhando na área ambiental, com ênfase nas questões que envolvam os diferentes tipos de vegetações.
Para Luís Eduardo Trigo a sua visão para as recentes infrações ambientais relatadas pela mídia, “como técnico na área ambiental, acredito que tal desrespeito ao Meio Ambiente, vem desde a falta e planejamento, de políticas e ações ambientais, falta de abordagem do tema (Meio Ambiente) na formação educacional de base; Isso tudo associada a uma fiscalização deficiente em todas as esferas administrativas ( Municipal, Estadual e Federal). Acredito que, temos leis ambientais serias suficientes para que sejam punidos os infratores e que ajudam a coibir tais infrações, desde que usadas corretamente, cito o exemplo da Lei Federal 9605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).
Quanto ao pronunciamento, infeliz e irresponsável do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, “passar a boiada…”; Acredito que não tenha influenciado de modo direto estas infrações ambientais que ocorreram recentemente em nosso município; Porém, não podemos descartar as consequências negativas que poderão vir a ocorrer, decorrente de tal pronunciamento desastroso e que vai na contra mão do que se deveria ser fomentado e implementado”, detalhou Trigo.
Pollyanna Dibbern Asbahr, formou um conteúdo mais abrangente, tendo incluindo sua vivência na localidade por onde o ribeirão dos Pires tem a maior parte de seu traçado.
Pollyanna destaca, “de certa forma percebo que tem ocorrido um movimento mais frequente de moradores (as) do bairro dos Pires que estão engajados (as) e preocupados (as) com a qualidade ambiental do Ribeirão dos Pires. A própria comunidade local sabe da importância desse ribeirão para o bairro, quanto à disponibilidade hídrica, bem como também pelo aspecto cultural e por ser um rio de abastecimento público. A maioria desses (as) moradores (as) nasceram no bairro e aprenderam a nadar nesse rio, têm o rio correndo pela sua propriedade rural, cruzava ele por cima de pontes ou cavalgando… há um sentimento de pertencimento da comunidade em cuidar do rio. O que eu particularmente acho incrível e legítimo!
Tenho observado que esse movimento de cuidado por parte da comunidade do bairro dos Pires se intensificou, principalmente devido ao monitoramento da alteração na qualidade da água do rio por contaminação de fontes externas, como esgotos domésticos e industriais despejados de forma irregular no Ribeirão dos Pires, além do uso e ocupação do bairro com propriedades rurais fora das normas e por vezes às margens do rio.
A população local tem se esforçado para trazer essa problemática na mídia, ainda mais em um contexto atual, na qual a atenção é toda direcionada à pandemia do COVID-19. Na minha opinião é muito importante essa preocupação e engajamento da comunidade em buscar comunicar na mídia para toda a sociedade os impactos negativos que esse ribeirão vem sofrendo. Ouso dizer que já há algum tempo, mas que ultimamente a contaminação tem se intensificado e acontecido com mais frequência.
Sabemos que há normas e legislações ambientais para empreendimentos, empresas, condomínios e até residências. Infelizmente, imagino que algumas organizações não estejam cumprindo com essas obrigatoriedades legais, técnicas e ambientais definidas pelos municípios, estados e governo federal, e por conta disso, essas alterações na qualidade da água do ribeirão estejam ocorrendo com mais intensidade e periodicidade.
No cenário e governo atual, nota-se uma fragilidade enorme quanto às políticas públicas ambientais em nível nacional, sendo assim, algumas instituições e pessoas podem entender esse momento e atuação como uma tendência e oportunidade de não cumprimento das normas e não cuidado pelo ambiente.
Se pensarmos que o próprio atual Ministro do Meio Ambiente deslegitima leis e políticas ambientais sobre a preservação das florestas, demarcação de áreas de proteção e garantia dos direitos dos povos indígenas, entre outros retrocessos, algumas instituições podem
relacionar que é entendido como “tudo bem” desrespeitar as obrigatoriedades para o bem viver, como por exemplo, não se preocupar mais com seus resíduos industriais, normas de segurança aos trabalhadores, dejetos… E então observamos impactos socioambientais em territórios e comunidades, por todo Brasil.
Se em nível nacional há um afrouxamento das leis ambientais, porque eu devo cumprir aqui? Mas é só um esgoto no rio uma vez ou outra, nem é nada. Talvez não aconteça nada mesmo, quem se importa com um ribeirão em uma área rural? É uma ação tão pontual, ninguém vai perceber. Todo mundo só pensa em COVID-19 agora.
Esses podem ser os pensamentos e posturas de algumas organizações e pessoas que infringem as regras, inspiradas e pautadas pelo contexto atual de um “passar a boiada e mudar regras enquanto a atenção da mídia está voltada para a COVID-19.”
Passar a boiada pode ser entendido como um desmatamento ali, um incêndio criminoso cá, um tráfico de animais ali e um descarte de resíduos e rejeitos aqui. E esse aqui está acontecendo no nosso ribeirão e em nosso bairro… então sim, na minha opinião, quando se tem o afrouxamento de leis, afirmações oportunistas em esfera nacional, interesses e vozes apenas de alguns atores sendo contemplados, então infelizmente poderemos ter reações e situações que se baseiam nessa postura federal também acontecendo num contexto regional, em um território e comunidade local. Atitudes locais como reflexo de uma conduta federal.
Quando se pensa, se constrói e incide em políticas públicas, seja essa uma política pública ambiental, de educação, saúde, habitação ou de qualquer natureza, é importante que seja um ato coletivo e participativo, é preciso incluir todos os atores envolvidos: governo, comunidades, empresas, organizações civis… é feita à muitas mãos. É importante que haja diálogo, incluindo os diferentes atores e interesses.
Na situação referente ao cuidado com o Ribeirão dos Pires, cada um contribui como pode e deseja: seja monitorando a qualidade do rio, ou engajando mais pessoas a contribuir, ou então compartilhando informações, participando da associação de bairro e conselhos municipais, atuando com educação ambiental, divulgando a situação para mídias, dialogando com poder público…
A importância do coletivo e do engajamento para transformação local é fundamental, sendo de uma comunidade rural que reivindica e clama publicamente pela qualidade do seu Ribeirão dos Pires, seja de um povo que pede pela proteção de sua floresta, ancestralidade e da proteção de suas terras contra o garimpo ilegal.
Ambos e todos (as) objetivando políticas públicas ambientais para o bem viver comum, para a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e que sim, cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, conforme nossa Constituição Federal. Por isso, seguimos pensando globalmente (Brasil) e agindo localmente (Bairro dos Pires), cobrando e construindo políticas públicas e atitudes legítimas a nível nacional e local” encerra Pollyanna.