Jornal Pires Rural – Edição 228 | LIMEIRA, Maio de 2019 | Ano XIII
Segundo especialistas, a sabedoria é uma forma de processamento mental muito avançada, que atinge seu auge apenas na velhice – justamente a época em que a capacidade do nosso cérebro começa a diminuir. Um autor desconhecido diferencia o velho do idoso, “uma pessoa é considerada velha e como se fosse uma ostra, fica fechado, não aceita a juventude e nem quer saber de modernidade. A pessoa idosa, por sua vez, é aquela que, apesar de já ter vivido muito, ainda sonha e busca realizar seus sonhos”.
Esse mesmo autor desconhecido relata que a pessoa idosa busca conhecimento, tem prazer em aprender algo novo todos os dias e compartilha o que aprendeu com outras pessoas. Tenho que concordar com esse pensamento, principalmente depois de conhecer, no auge de seus 87 anos, o sr. Júlio Tetzner, morador do bairro dos Frades.
Toda vez que ele recebe o Jornal Pires Rural não está deitado em uma rede ou simplesmente sob a sombra de uma árvore assistindo a própria vida passar. Sr. Júlio sempre tem uma novidade a contar. É uma fruta que colheu, uma praga que morreu ou um alqueire de terra que apareceu.
Ele nunca está parado, se movimenta caminhando e se exercita na lavoura, ora plantando mandioca e abacaxi ora colhendo araruta ou caqui. É uma pessoa feliz que acredita que a vida é estar sempre em movimento constante. Nasceu na Serra Velha, um bairro rural próximo ao Nova Campinas, em Limeira. Porque chama Serra Velha? “Lá tinha uma serraria na época do bisavô do meu pai, da família Tetzner. Era um lugar de atoleiro, onde serravam aquelas perobas grandes, encontradas no meio do mato, que precisava de três homens para abraçar o tronco e, tiravam aqueles ‘pranchão’ e forravam o chão para eles poderem trabalhar”, relembra sr. Júlio.
No sítio onde mora costuma ter um plantio diversificado como vassoura, tubérculos, folhas ou grãos. Disse até que plantou feijão de corda mas, não gostou “porque não dá comércio. Plantei pra ver o tipo dele, só que a turma não tem costume de comer esse tipo de feijão aqui. Numa ‘rua’ de 50 metros, colhi mais de 50 quilos e deixei um resto na roça. Eu cortei e começou a produzir outra vez”.
Caminhando junto dele pelo sítio se mostra com força e esperança para alcançar novos objetivos, nem aparenta a idade que carrega. Com espirito jovial sr. Júlio pega o enxadão para cavoucar a roça de batata-doce plantada de duas qualidades, a casca roxa e de casca branca chamando atenção que “dentro elas são amarelas”.
Por várias vezes falou de sua falecida esposa, Alice Alvina Kühl Tetzner, um desses momento foi quando explicava, com bom humor, sobre a araruta. “O plantio é muito antigo. Aquela ‘lemoada’ dos Pires planta sempre. Essa muda que tenho foi de um conhecido do bairro da Graminha. Quando eu tinha minha ‘véia’ e morávamos de empregados, numa casa sem força elétrica, limpávamos a araruta e deixava na água e, quando não estava ventando, usava lamparina. Minha esposa falava ‘vamos ralar a araruta? Íamos até as onze da noite. Depois deixava de molho e no outro dia estava assentado. Colocando uma mesa no sol, com uma toalha, espalhava a araruta ralada. Um tempo de sol, o polvilho estava brilhando, ao olhar até doía a vista e, já estava pronto. Ela é meio azul e seu amido é branco demais e tem sabor adocicado. Eu planto pra não perder a semente. Colhi uma caixa, nem fizemos polvilho, joguei embora, pode deixar de 2 ou 3 meses guardado num lugar conservado mas, depois que ralar tem que usar no mesmo dia”, ensinou sr. Júlio.
Afirma que se mantém ativo na lavoura para não ficar parado, “eu planto pra mim não ficar à toa”. Ele tem quiabo, abóbora e a banana chamada São Tomé. Cultiva vários pés de couve-manteiga, tem várias qualidade de mandioca como a vassourinha branca e a mandioca “cenoura”, porque quando cozida fica com cor de cenoura. Essa variedade ganhou de um vizinho que solicitou por meio do Globo Rural para Embrapa, “isso já tá fazendo uns trinta anos”.
A única vez que se lamentou vou quando citou que uma ventania devastou mais da metade de sua roça de vassoura, rindo ele disse; “chateia a gente porque estamos pensando que vai dar uma quantidade e dá outra. Mas é a natureza, não podemos ignorar, hoje a gente colhe, amanhã não. Eu nunca desanimei com lavoura, cheguei a perder 4 alqueires de arroz por causa de chuva. Pensei em não plantar mais. Só que chegou a época de plantio começou uma chuvinha boa, resolvi plantar só 2 alqueires, nisso eu colhi mais de 100 sacas de arroz por alqueires. Acertei a mão”, relatou.
Dizendo que fazem 44 anos que comprou a terra própria para plantar e morar sr. Júlio garante que “está tudo joia. Não falta nada”. Mostrando as diversas árvores frutíferas como jabuticaba, pitanga, manga, para embaixo de um antigo abacateiro e relembra, “já tem uns 60 anos esse pé de abacate manteguinha. Quando eu casei, ele tinha uns dois metros de altura e deu 15 caixas de abacate, na primeira colheita. Tava a coisa mais linda de ver. Depois, todo ano ele dava umas 7, 8 caixas. Produziu muito essa árvore de abacate”, comentando e guardando silêncio (ps: parecia estar emocionado).
Sem dúvida nenhuma ele é grato pela vida que desfruta, recorda com emoção dos momentos ímpares da sua vida, sem lamentações e mais lamentações. O que tem para compartilhar com seus filhos, netos e amigos é dividir sobre os aprendizados, as vitórias e as boas experiências ao longo da sua vida. Entendendo que é uma mania de viver insistindo na caminhada, dando um passo por vez na direção do seu ideal. Assim se percebe vô Júlio Tetzner, um idoso que curte o resto dos seus dias com planos para o futuro.