Jornal Pires Rural – Edição 242 | LIMEIRA, Junho de 2020 | Ano XV
Felipe Campos, 16 anos, estudante do ensino médio técnico, ativista antirracista. Conversei com o adolescente Felipe, a distância, sobre juventude e ativismo. Ele é ativista antirracista desde os treze anos de idade e mantém o seu projeto de atuação em escolas públicas. Para ele a sociedade tem dificuldades em entender que os jovens tem voz. Em sua opinião, a melhor forma dos jovens se impor na sociedade é se dedicando aos estudos para criar solução aos problemas, “se atualizar, estar disponível a compartilhar e fazer com que a sua mensagem chegue em algum lugar. E sempre perguntar: é isso o que eu defendo? É isso o que eu acredito? É isso o que eu quero?”, apontou Felipe.
Acredita que a mudança vem através do voto, “porque nós somos seres políticos, tudo o que a gente faz envolve a política. Se a gente acorda através de um despertador e não através de um tiro, é politica”, disse. Leia a entrevista a seguir:
Jornal Pires Rural: É lecionado nas escolas, através dos livros de história, que a população brasileira tem diversas raízes culturais, é composta por diferentes cores, línguas, e sotaques, seus costumes tem influência de países africanos, europeus, orientais e dos povos tribais originários do Brasil – os indígenas. A combinação dessas características originou o povo brasileiro. Então, por que nascer branco(a), negro(a) ou indígena determina se a pessoa terá mais ou menos acesso ao direito a educação, a proteção integral, esportes, lazer, saúde e convivência familiar e comunitária?
Felipe Campos: Creio eu que, nascer em etnias diferentes não carrega em si algo biológico mas, carrega um fator social e histórico. Determinadas etnias aqui dentro do Brasil, sofreram um processo social muito corrosivo; foram séculos construindo perspectivas que nos fazem crer que somos divergentes entre si. Então, mesmo que uma pessoa, sendo negro, indígena ou branco possa nascer do mesmo jeito ainda assim, existe um fator social que diferencia esse ser humano. A pessoa negra pode ter nascido numa família que, historicamente, pode estar dentro da favela, porque a população negra foi marginalizada e jogada a margem , inclusive depois que a Lei Áurea (concedeu liberdade total aos escravos) foi aprovada. A família não conseguiu ascender socialmente. Os indígenas perderam toda a sua cultura e a sua história e ela possui muita divergência em si na cultura que é colocado aqui. Porque a cultura do homem branco foi imposta a ela — uma cultura totalmente diferente do que ele era acostumado. Desta forma, as civilizações indígenas estão muito longe de escolas, hospitais, “proibidas” do acesso aos serviços públicos, por fatores históricos e sociais. A produção científica tenta comprovar essa inferioridade. Mesmo que hoje, tentamos pregar pela igualdade, a desigualdade continua acontecendo.
Jornal Pires Rural: Por que continuamos produzindo tanta desigualdade séculos depois?
Felipe Campos: Porque é um processo histórico e social enraizado. Muitas vezes, as pessoas não conseguem entender que está produzindo um discurso racista. Isso ocorre porque é algo que está enraizado dentro da família e da sua geração; na própria sociedade, que continua reproduzindo isso. Uma coisa é a pessoa que reproduz durante uma conversa naturalmente, outra, é uma pessoa dentro de uma empresa onde ele não consegue perceber que ele não contrata pessoas negras ou que remunera menos. É algo que depende do patamar (nível econômico) que ela está. Continuar reproduzindo o discurso, seja de forma implícita ou explícita, pode vir a “acabar” com a vida de várias pessoas negras.
Jornal Pires Rural: O racismo se esconde na sua própria invisibilidade, visto que, uma das artimanhas do racismo, no Brasil, é se esconder. O racismo velado é uma covardia? Por quê?
Felipe Campos: O racismo velado no Brasil ele é algo fora do sério, porque aqui, diferente de alguns outros países, o racismo é muito escondido. Porque a população entendeu que foi um choque muito grande o período (por séculos) e a bagagem que a escravidão causou principalmente por conta das leis que foram aprovadas, de ser obrigatório o ensino sobre a escravidão sobre os povos da África. Para a população brasileira é a pior ofensa ela ser chamada de racista. É algo que a tira do sério. Mas, a reprodução do racismo velado continua sendo reproduzido através dos atos, das falas, dos discursos. A cultura é racista. No entanto, parte do racismo velado existente aqui é uma coisa muito criticada, tanto pelo movimento negro quanto pelas pessoas que são racistas. Só que são racistas intuitivamente porque o racismo precisa ser velado para que as pessoas entendam o que é racismo no Brasil. Se não for a morte de uma criança negra, se não for um espancamento de um jovem negro que está andando na rua e alguém ou a polícia achar que ele (negro) vai roubar, se não for isso não é racismo. No Brasil, o racismo precisa ser um ato visível, explícito, para chamar a atenção do mundo, para ser levado a sério. O racismo é invisível porque está enraizado, desta forma, as pessoas usam desculpas que favorece o racismo velado.
Jornal Pires Rural: Como você enxerga o movimento antirracista no Brasil?
Felipe Campos: Pelo fato do racismo velado ser muito presente ainda em 2020, o racismo estrutural da sociedade continuar existindo complica muito o movimento negro pelo fato de ser estrutural, as pessoas ficam com a falsa sensação de estar isento em fazer alguma acontecer, de tomar alguma atitude. Não é só o racismo velado que importa, o racismo estrutural também está acabando com as vidas de muitas pessoas negras, por dia.
Jornal Pires Rural: De qual forma a população negra é atingida pelo racismo no Brasil?
Felipe Campos: A população negra no Brasil, é atingida por inúmeras formas porque, aqui apenas 18% da população é rica, uma minoria, o que agrava o índice de pobreza. Em alguns Estados mais de 90% da população carcerária é negra. É muito conveniente fazer uso da desculpa de que 54% da população é negra, por isso que eles ocupam a maior parte do cárcere. Se 54% da população é a maioria, porque eles são minoria na classe rica? O discurso serve pra que? E onde? O racismo atinge a pessoa desde que ela é pequena, através de piadas, a baixa representatividade que existe, novamente, num país que é composto pela maioria de negros não estão representados no cinema, na moda.
Jornal Pires Rural: Qual é a melhor forma de combate ao racismo?
Felipe Campos: A melhor forma de combater esse racismo, é o movimento antirracista no Brasil. Ele precisa acontecer de forma que as pessoas brancas entendam que o racismo estrutural precisa ser combatido. Ao combater o racismo velado, o estrutural continuará existindo e manterá o velado. O racismo velado é basicamente a imagem do iceberg, através da violência policial, das mortes, da violência, que todos se chocam. Mas todo o iceberg é a parte que impacta a vida diária das pessoas negras. O feminicídio e a morte precoce de jovens negros que aumentou. O movimento antirracista só vai acontecer quando as pessoas brancas conseguirem entender o que é o racismo estrutural e como elas devem combater isso. É importante pesquisar e conhecer influenciadores negros, sociólogos, para entender a mensagem. A mensagem precisa chegar no doutor e no operário da favela. No Brasil, a maioria vira a minoria.
Jornal Pires Rural: Existe algum projeto ou método que você utiliza para fazer seu ativismo racial?
Felipe Campos: Eu tenho um projeto. Eu realizo ações em escolas públicas desde a idade de 13 anos, comecei na minha escola, depois fui presidente do grêmio, o que me deu mais acesso para realizar e me tornar um ativista. Trata-se de uma semana falando sobre o movimento negro, inspirações, representatividade, escravidão, a luta antirracista. Eu falo para que consigam perceber que tem ele(a) tem voz, que precisam falar e serem ouvidos. E para que as crianças brancas consigam entender que elas precisam dar espaço para que a nossa sociedade possa dissolver essa parte estrutural do racismo. Estou voltando com o meu canal no YouTube para divulgar uma série antirracista, com outros influenciadores negros.
Jornal Pires Rural: Para você, as políticas públicas (ações afirmativas do Estado) para a população negra são importantes? Qual foi a política pública vigente até o momento que impactou de forma positiva a vida da população negra?
Felipe Campos: As politicas públicas são essenciais para a população negra porque infelizmente, com a ausência dessas, muitas pessoas não conseguem chegar nesse mesmo lugar onde estão. Não porque são incapazes, sim pela diversidade, divergência absurda entre os jovens que moram na favela, periferia, ou aquele que carrega traumas que ferem as famílias negras. Esse jovem vai competir com um menino branco de classe média, com família estruturada. O ‘Sistema de Cotas’ é emergencial, não precisa durar pra sempre. A nossa meta é que um dia as políticas públicas deixem de existir pois, estaremos diante de uma sociedade quase igual com mais chances de ascender. Será incrível.
Jornal Pires Rural: Você já presenciou cenas de racismo, além das cenas de racismo velado? Se sim, como lhe afeta esse tipo de comportamento dos humanos?
Felipe Campos: Eu já presenciei cenas de racismo porque eu sou uma pessoa negra, sempre tive amigos negros. Sempre foi muito complicado a parte de piadas — algo que destrói muito as crianças negras. A taxa de suicídio de crianças negras é assustadora. Presenciar o racismo estrutural através da marginalização e a reprodução deste, sem pensar, destrói.
Jornal Pires Rural: Você votou na última eleição? Acredita naquela frase “a mudança virá através do voto”?
Felipe Campos: Não. Votarei na próxima eleição municipal. A mudança ocorre através do voto, na sociedade democrática. Porque nós somos seres políticos, tudo o que a gente faz envolve a política. Se a gente acorda através de um despertador e não através de um tiro, é política. A mudança, ela vem através do voto certamente porque o Executivo, o Legislativo e o Judiciário estarão ali disponíveis a nos ouvir, que não se calem diante das exigências e cobranças. As pessoas devem ter mais consciência de que aqueles que lá estão, são nossos funcionários. Nós fazemos, nós pedimos, nós exigimos e mandamos porque nós somos a maioria. Lá eles são um, dois, vinte; nós somos duzentos milhões. A mudança vem da gente.