Jornal Pires Rural – Edição 240 | LIMEIRA, Maio de 2020 | Ano XV
Fábio Diniz Pinto, 45, limeirense, pastor da Igreja Presbiteriana, em Madri, Espanha, casado com a brasileira Ana Elisa Armbrust Diniz Pinto, pais de duas crianças, de dois e quatro anos e, esperam a chegada do terceiro filho. Formado em teologia pelo Seminário Presbiteriano em Campinas, cursou pós-graduação em Missões Urbanas, em São Paulo, fez mestrado em teologia pela Universidade Batista em Dallas, Texas, Estados Unidos. Trabalhou como pastor no Brasil durante 7 anos, depois foi para a Sibéria, na Russia, como missionário. Hoje, Fábio vive na Espanha, cerca de 10 anos.
Contatamos por Whatsapp o pastor Fábio, para saber sobre o surto do novo coronavírus (SARS-CoV-2) estar causado um efeito devastador na Espanha, em números recente a doença COVID-19, tirou a vida de 27.709 pessoas no país, foram confirmados 231.606 casos e os pacientes recuperados somam 150.376.
A Espanha chama atenção pois, foi um dos primeiros países a impor o lockdown, ou seja, nas cidades mais populosas foi decretado isolamento total da população. Esse foi o caso da capital Madri, onde Fábio mora com a família. Ele nos conta; “o isolamento foi imposto pelo governo. Dia 9 de março, nos avisaram que as crianças não teriam mais aulas a partir do dia 10, uma terça-feira. No dia 14 de março, sábado, tudo foi fechado (comércio, industrias, igrejas, museus, etc). Foi proibido sair às ruas sem um motivo essencial, isto é, hospital, farmácia ou supermercado. Os trabalhos foram suspensos de uma maneira bem radical e de repente. Algo que você não espera, as crianças ficaram mais de 45 dias sem pisar na rua. Só pra citar como foi forte essa questão do isolamento por aqui, foi um lockdown mesmo. Se alguém saísse nas ruas a trabalho, era obrigado a ter um documento da empresa afirmando que o trabalho era essencial. Para ir ao mercado, só poderia um membro da família, tinha limite de pessoas para adentrar ao mercado, uma fila gigantesca a espera, por causa do distanciamento obrigatório que tem que ter, todo mundo de máscaras e luvas. As crianças não podiam fazer nada nas ruas. No prédio onde moro as crianças não puderam nem brincar pelas áreas do pátio e o playground foi fechado, 100% radical”, revelou.
Mais de dois meses
Perguntamos qual foi seu sentimento ao receber notícias sobre as medidas de isolamento? “Foi forte saber que do dia para a noite as crianças não poderiam ir para a escola. Pensei nas pessoas que não tem flexibilidade no trabalho que é essencial, onde deixariam as crianças. Tive que paralisar os trabalho da igreja Presbiteriana e da Ong Religar que eu represento e rever muitas coisas. Quando aconteceu o lockdown, tínhamos por volta de 5600 contaminados e 136 mortes. Achamos se era necessário o isolamento ou não. Porém, o que passou é que hoje, depois de mais dois meses, temos mais de 27 mil mortos e 230 mil pessoas contaminadas. O grande crescimento (dos casos da doença) foi depois do lockdown total. Depois de duas semanas, teoricamente a doença se manifestaria, o número começou a crescer muito, muito, muito, depois de um mês (em isolamento) foi quando mais cresceu. Isso gerou muitas dúvidas na população, em até que ponto estava funcionando (o lockdown)? Passar de 5600 contaminados para 230 mil, de 136 mortos para 27 mil, depois de um mês em que está tudo totalmente fechado? Gerou revolta na população, crises, brigas políticas, aqui o governo é mais de esquerda, as pessoas querem derrubar o governo, enfim, aquele caos onde misturou (os assuntos) política com saúde, infelizmente”, descreve Fábio.
Sobre a rotina da família, ele afirma que “mudou 100%. O foco passou a ser as crianças. Nesse momento a rotina é fundamental para dar certo, criamos uma rotina em família, por exemplo logo após o café da manhã temos um momento devocional, de espiritualidade, lemos a Bíblia e oramos juntos, depois as crianças vão brincar, eu venho para o escritório evocar minha leitura, trabalhos no computador e reuniões virtuais. Após o almoço as crianças sempre descansam. Na Espanha, há uma lei chamada Siesta, tanto que o comércio fecha das 14hs às 17hs e as crianças dormem na própria escola. Poderíamos deixá-las no iPad ou iPhone, mas não fizemos isso. Buscamos educar nossos filhos, que é fundamental, focando o crescimento das crianças, o relacionamento com Deus, o crescimento espiritual com a família. Os desenhos que deixamos ver na televisão foram desenhos que tinham alguma lição, algo educacional, para crescimento das crianças, nunca foi algo a toa. Fazem duas semanas que liberou as crianças andarem na rua, por uma hora, com o pai ou a mãe. Então, toda tarde nós temos saído, ou eu ou a Ana, ou cada um com uma criança”, apontou.
Tudo virtualmente
Além de pastor, Fábio é presidente da Ong Religar (https://asociacionreligar.org), instituição que realiza trabalhos com crianças e jovens, promovendo projetos de caráter social, humanitário, econômico e cultural para melhorar o acesso a educação, alimentação e saúde, em países mais afetados pela pobreza e desigualdade. Como o estado de pandemia afetou o mundo todo ele precisou repensar sua maneira de trabalhar. “O impacto no trabalho foi grande, eu tive que mudar muita coisa, passamos a fazer tudo virtualmente. Eu tive que deixar de fazer alguns trabalhos, por exemplo, apoiávamos alguns trabalhos na África do Sul, em Uganda, onde temos nosso orfanato, tivemos que diminuir as atividades, os trabalhos sociais que temos em Madri, tivemos que parar todos. Os trabalhos da igreja, não só os espirituais, mas curso de inglês, noite de cinema, parou e começamos alguns outros, tudo pela internet através de Facebook, YouTube, Zoom ou algum outro programa que interage com as pessoas. Percebemos que as pessoas ficaram mais sensíveis, estamos trabalhando mais a questão emocional, com estudos e palavras mais de animo e encorajamento. Tem pessoas que perdem o emprego, entram em desespero, então, esse acolhimento tem sido muito importante. Todos os dias ligamos pra as pessoas da nossa comunidade, perguntamos por elas, damos um apoio espiritual que é fundamental nessa época. Precisamos levar às pessoas a entender essa situação de uma maneira virtual, foi muito interessante. Também uma readaptação, em termos de família, que é o tempo inteiro. Eu brinco que nesses mais de 60 dias de isolamento, quase 70 dias, foi a época que eu menos discuti com minha esposa e com meus filhos. Tem sido um momento abençoado de crescimento em família, crescimento espiritual e pessoal, por causa das decisões e eleições que fazemos como pessoa”, disse.
Qual lição vocês tem absorvido com essa situação? “Nesse momento temos aprendido muitas lições, primeiro planejar o futuro é planejar cada dia. Quando estávamos aqui em quarentena o governo anunciou que estenderia mais um mês, já estava um mês sem sair de casa, com crianças 24 horas, eu tenho dois filhos hiperativos, você pode surtar. Então, é pensar cada dia, planeja-se o futuro sim, a longo prazo, porém a sua ação é dia após dia. É fundamental a preciosidade da família, dos amigos, nesses momentos. É preciso saber lhe dar, usar as palavras corretas, porque no lockdown, às vezes num momento de stress, pode usar palavras que machucam esposa, marido, filhos, então, saber escolher as palavras, saber tratar melhor as pessoas e saber que tudo, tudo está nas mãos de Deus, ainda mais. Sempre cri nisso, sempre vivi assim e nesse momento se intensifica”orientou Fábio.
“Quanto a acreditar que as pessoas mudarão costumes e atitudes, penso que sim e que não. Vejo que algumas pessoas serão tão impactadas, não pelo coronavírus em si, mas pela crise gerada, que vão surtar. Já começou na Itália e na Espanha os suicídios, agressões físicas mais fortes, porque simplesmente as pessoas perderam a esperança. Não sei até que ponto elas conseguirão refletir e mudar. Outros mudarão sim, pensar em coisas que tem mais valor na vida, amizade, família, afeto. Porém, o ser humano é muito volúvel. (Isso pode durar) Até quando? Talvez um ano no máximo? E depois a correria, o dia a dia, o ativismo, a necessidade de dinheiro, a concorrência, enfim, tudo isso pode fazer com que, na verdade, voltem a ser os mesmos. Dizem que o mundo nunca mais será o mesmo, na verdade não sei se será dessa maneira, porque o ser humano com o tempo acaba esquecendo, infelizmente. Ao mesmo tempo muitas pessoas, creio, que serão mais sensível a pensar o que é a vida. É um momento que muitas pessoas voltarão a Deus. Eu vejo aqui na Espanha que é um pouco mais ateu, as pessoas estarão mais sensíveis a espiritualidade da vida, creio que muitos estarão refletindo os valores e se no momento de reflexão eles tiverem um encontro real com Deus, pode ser uma reflexão que dure pra sempre na vida delas”, Fábio refletiu.
Fase da reabertura
A Espanha caminha à normalidade que vivia antes da pandemia do novo coronavírus em quatro fases, que serão aplicadas em diferentes partes do país de acordo com a evolução dos casos de contágio e poderão ser concluídas até o final de junho. Cada fase (0,1,2,3) inclui níveis mais altos de abertura em lojas, mas escolas só voltarão a funcionar em setembro. O plano, aprovado pelo Conselho de Ministros, parte da chamada fase zero, está sendo aplicada a quase todo o país. Fábio descreve “faz duas semanas que iniciou as 4 fases. Cada fase duraria duas semanas, a fase zero uma semana. Porém não deixaram Madri passar para a fase 1, ainda, estamos na fase zero. A fase 1 abriria 30% da capacidade do comércio, os restaurantes e lanchonetes poderiam abrir a parte da rua (terraza), com metade da capacidade de atendimento. Museus e igrejas com 30% (do total de público), porém, mantiveram Madri na fase zero, com algumas mudanças mas, isso gerou muita crise aqui para o governo. Porque? Porque a Espanha, hoje, vive a pior recessão econômica do último século, algo catastrófico. Só em Madri, cerca de 32 mil estabelecimentos entre restaurantes e bares, não vão reabrir as portas, em toda Espanha são cerca de 80 mil, por causa da crise econômica. Também falam que Madri não tem ainda as condições hospitalares, de U.T.I. para seguir pra fase 1. A (Isabel Díaz Ayuso) governadora do estado falou que é impossível manter esse fechamento porque irá matar muito mais a população. A crise econômica na Espanha está gerando enfermidades como suicídio e tumores que vai sobrecarregar a saúde muito mais que o COVID-19. A leitura que se tem, é que as enfermidades pós-COVID-19 serão piores que o COVID-19. Hoje, há uma guerra. Faz uma semana que todas as noites tem passeatas no centro de Madri contra o isolamento, a não abertura do comércio, ainda mais que Madri se isolou com 5.600 pessoas contaminadas, hoje, temos mais de 230 mil, tudo isso tem gerado muita crise e a parte econômica da Espanha está um caos”, descreveu.
Outra explicação de Fábio é que “na fase zero podemos sair com as crianças durante uma hora e também sair pra fazer exercícios ou correr, entre 8 hs e 10hs da manhã. Das 10 hs às 12 hs apenas idosos com mais de 70 anos. Entre 12hs e 19hs um dos pais com no máximos 3 filhos, durante uma hora apenas, depois das 19hs às 20hs os idosos novamente podem sair às ruas e, das 20hs às 23hs os jovens até 70 anos podem caminhar ou correr. O engraçado é que todo mundo sai à noite, nesse horário está lotado de gente. É muita gente caminhando, já faz uns 10 dias que essa abertura começou e superlota as ruas e ironicamente, ontem, 18 de maio foi dia mais baixo de mortes e contaminações, nesse caso, foi um grande avanço”, falou.
Planos
“Tivemos que adiar vários planos, principalmente em relação a Ong Religar, Iríamos começar um projeto no Paquistão com crianças, ampliaríamos o trabalho na Africa do Sul, mas tivemos que parar. Temos que esperar para saber quando estarão de volta os vôos, como estarão esses países, enfim. Não dá para fazer muito planos mas, o que temos, se mantém sobre a mesa, é esperar pra ver quando poderemos colocar em ação e, talvez outros planos que virão com a necessidade do COVID-19, com essa mudança que deu. Também envolve a questão financeira, como trabalho com duas frentes que necessitam de ofertas como uma Ong e uma igreja, tudo isso vai depender em como estará o mundo”, comentou.
Em sua opinião como será daqui pra frente? “Na minha opinião daqui pra frente, temos que saber olhar para o próximo e confiar em Deus, porque Ele está sempre no controle. Agora, se Ele controla a vida de cada um, depende das pessoas colocarem a vidas em Suas mãos, tudo tem consequência. Também as pessoas estarão mais sensíveis a parte espiritual, muitos voltarão Deus e outros irão tocar o barco. Vencer a crise pós-COVID-19 pode ser pior do que o COVID-19, como estão falando aqui na Espanha, com o desemprego. Saber que tudo está nas mãos de Deus, essa questão é fundamental para esse momento. Nós que vivemos na Espanha, temos os projetos sociais de suporte no mundo é saber que nossa vida, nossos sonhos, nossos projetos não estão em nossas mãos. Se eu achasse isso, já tinha jogado a toalha, porque pode entrar em crise por tantas coisas acontecendo mas, quando você sabe que está nas mãos de um Deus que controla tudo, então, tem o descanso. Sabe que Deus vai dirigir tudo”, concluiu.