O café é um orgulho nacional, nunca nos decepciona e sempre presente na casa do brasileiro, além disso, é um forte produto de exportação para as mesas e cafeterias além-mar.
No Brasil, desde a introdução da planta, originária do continente africano, muitos impactos aconteceram na cafeicultura brasileira e, nos estados produtores como São Paulo, que sentiu na pele a queda dos preços devido quebra da Bolsa de New York, em 1929. O estado do Paraná enfrentou uma geada extrema em 1975. Mas a resiliência da cultura permaneceu em Minas Gerais, Espirito Santo e somando agora Pernambuco, cuja cidade de Petrolina mantém um centro de pesquisa na Universidade Federal do Vale do São Francisco, com as principais cultivares de café arábica em condições extremas de insolação e altas temperaturas no semiárido brasileiro, como nos conta o professor Jerônimo Constantino Borel, engenheiro agrônomo, Mestre e Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade Federal de Lavras (UFLA – MG).
Entrevistamos a distância Jerônimo Borel, cujo trabalho como professor do Colegiado de Engenharia Agronômica (CEAGRO) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em Petrolina (PE), é focado na área de agronomia com ênfase em melhoramento de plantas para tolerância a estresses abióticos. Acompanhe a entrevista;
Jornal Pires Rural: Pode nos relatar o que torna o café uma cultura delicada às mudanças de temperatura e ao regime de chuvas?
Jerônimo Borel: O café arábica é nativo da Etiópia, em regiões de altitude elevada, solos mais férteis do que os nossos, clima ameno, ambiente de sub-bosque (meia sombra) e chuvas bem distribuídas. A espécie evoluiu nesse tipo de ambiente. Logicamente, na natureza a planta não tem a “obrigação” de produzir, mas de perpetuar a espécie. No Brasil, o café é cultivado em diferentes biomas e condições. Há plantios de café arábica em altitudes de 300 a 1400 m. nos biomas Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia e Caatinga. Irrigados ou sequeiro. Em áreas planas, com mecanização, irrigação até áreas montanhosas de difícil acesso. Cada uma dessas regiões impõe a planta desafios variados. Eu diria que o café apresenta uma grande capacidade de adaptação e resposta a diferentes cenários. A pesquisa tem desenvolvido cultivares cada vez mais adaptadas às diferentes condições de cultivo.
Jornal Pires Rural: Em plantios comerciais, as plantas são escolhidas para produzirem em escala, quais são as expectativas de produção de uma planta e qual sua longevidade, e ainda, existe alguma variedade de café resistente às mudanças climáticas?
Jerônimo Borel: Tem lavouras produtivas com mais de 30 anos. Por outro lado, tem plantios que são arrancados após a primeira safra. É muito dependente do vigor da cultivar, e principalmente da adaptação ao local e manejo empregado.
O protagonismo e liderança do Brasil na cafeicultura não é por acaso. O sistema de pesquisa ligado ao café no Brasil tem trabalhado muito desde o final do século XIX com destaque para a criação do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). De lá para cá, muita coisa evoluiu nesse cenário. No Brasil uma rede de instituições compostas por Universidades, Empresas públicas de pesquisa agrícola (IBC, EMBRAPA, EPAMIG, IAPAR, INCAPER), fundações (Procafé), empresas privadas, cooperativas, além de muitos profissionais e produtores que tem contribuído ao longo das décadas para garantir a sustentabilidade da cafeicultura. Nesse período, inúmeras variedades foram introduzidas e avaliadas em diferentes condições do Brasil. Técnicas de cultivo e manejo evoluíram, novas cultivares mais modernas foram desenvolvidas, com maior resistência a pragas, doenças e altamente produtivas. Atualmente encontram-se disponíveis dezenas de novas cultivares em diferentes regiões de cultivo do país.
Como o cafeeiro é uma cultura perene, na sua implantação alguns cuidados devem ser tomados. O primeiro ponto é consultar os serviços de assistência técnica para orientações e planejamento principalmente em relação a escolha de área e cultivares mais apropriadas para o sistema de cultivo. É sempre bom lembrar que lavouras formadas com cultivares adaptadas à região e validadas pela pesquisa, bem conduzidas, bem nutridas e saudáveis toleram melhor as adversidades climáticas.
Jornal Pires Rural: Com o clima extremo se tornando mais frequente, consorciar café com abacate traz quais benefícios para a cultura e para o produtor?
Jerônimo Borel: O consórcio de café com abate já é comum em várias regiões do Brasil, com destaque para a região das Matas de Minas e Sul do estado. O cafeeiro é uma espécie que vai muito bem em consórcio, principalmente em pequenas propriedades em sistemas agroflorestais. A palavra-chave é planejamento! Alguns sistemas de cultivo têm praticado o plantio com espécies madeireiras exóticas (mogno africano, cedro australiano) árvores nativas, frutíferas (abacate, macadâmia, banana, dentre outras). Vale lembrar que o sombreamento na área não pode ser excessivo, caso seja uma agrofloresta, tem que haver o manejo correto da biomassa dos diferentes tipos de plantas associadas. As espécies associadas têm que trazer algum benefício econômico (frutos, madeira, etc.). A opção tem que ser orientada por um técnico responsável, com análise de mercado e planejamento da área. Uma lavoura mal planejada em termos de arranjo ou espécies, pode comprometer os tratos culturais e prejudicar algumas atividades como manejo e mecanização, que é cada vez mais necessária frente a escassez de mão de obra.
Sobre o manejo da biomassa em sistemas agroflorestais, as plantas não podem crescer sem controle. Nas metodologias mais comuns de manejo, as plantas que produzem mais folhas, galhos, etc, vão sendo manejadas e esse material é colocado sobre o solo para nutrir processos biológicos de ciclagem de nutrientes.
Jornal Pires Rural: Pode descrever como é composta uma agrofloresta funcional, para criar um habitat confortável, equilibrado e estável para o café?
Jerônimo Borel: Algumas pesquisas sugerem que o sombreamento em lavouras de café não pode ultrapassar 25% da área, se pensarmos em manter bons níveis de produtividade e qualidade de bebida. Lavouras muito sombreadas ou em sistemas mal manejados tendem a vegetar muito e produzir pouco. O manejo da biomassa deve ser feito pensando em fornecer ao solo a matéria orgânica necessária a manutenção da microbiota em associação com os diferentes tipos de planta na área. É desejável que diferentes tipos de plantas componham o sistema. Desde produção de biomassa, madeira, frutos, além do café. Deve evitar espécies de difícil manejo ou que se propaguem de maneira agressiva pois isso, onera custos e dificulta o planejamento e a manutenção da área. As cultivares de café para esse sistema devem apresentar resistência às principais doenças (ferrugem, nematóides) e pragas (bicho mineiro), visto que nesse sistema a utilização de defensivos é restrita.
Jornal Pires Rural: É possível ter uma colheita totalmente mecanizada do café, mesmo numa agrofloresta?
Jerônimo Borel: As agroflorestas, geralmente buscam mimetizar as florestas nativas. Obviamente, na natureza não existe uma “ordem” das árvores e vegetação. Mas pensando em um sistema mecanizável, é possível desde que se adote um arranjo de plantas e planejamento para que a máquina escolhida para colheita possa transitar e manobrar nos fins de linha.
Jornal Pires Rural: Os eventos climáticos, incluindo invernos, geada e falta de chuvas, reduz a produção em torno de qual porcentagem?
Jerônimo Borel: Esse dado é muito variável em função da lavoura, variedade, condição de cultivo, altitude e região. Em regiões de clima mais quente, por exemplo, sem uso da irrigação pode haver perdas de 100% em caso de estiagem. A geada em áreas mais baixas também pode comprometer de maneira irreversível a lavoura, levando a morte das plantas. Áreas com solos mais bem estruturados, maior altitude ou com irrigação e nutrição equilibradas tendem a sofrer menos com adversidades climáticas.
Jornal Pires Rural: Sobre as pesquisas do café, quais soluções estão em busca no momento?
Jerônimo Borel: Temos em andamento um projeto de avaliação de cultivares de café arábica irrigado em condições extremas de insolação e altas temperaturas no semiárido brasileiro. As pesquisas estão sendo desenvolvidas na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina (PE). Buscamos entender como as principais cultivares de café arábica se comportam nessas condições, buscando identificar as mais tolerantes, bem como, maneiras de amenizar os efeitos deletérios desses estresses na cafeicultura em condições adversas. Nossas pesquisas começaram em 2018 e pretendemos estender por mais dez anos, pelo menos.
Parabéns Jeronimo.Deus abençoe sua carreira. SUCESSOS.Att Salete Ishikawa shikawa